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O neutrino detectado na Antártida vai mudar a astronomia. Mas por quê?

Entenda o significado da notícia de ciência que mais bombou na semana passada

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h35 - Publicado em 16 jul 2018, 13h12

Já ouviu falar de partículas chamadas quarks? Não? Então tenho más notícias: você é feito delas. Há seis quarks por aí. Dois deles, apelidados pelos físicos de up e down, compõem prótons e nêutrons. Que, por sua vez, compõem átomos. Que compõem moléculas, que compõem células, que compõem você. Pois é.

Acontece que há muitas outras partículas subatômicas por aí. Elas são as peças de LEGO fundamentais, a partir das quais todas as coisas são construídas, e se dividem em várias categorias. Além dos quarks, há os bósons, como o de Higgs. E os léptons, caso do assunto desta nota: o neutrino.

Um neutrino é uma coisa que não cheira nem fede. Passa despercebido por absolutamente tudo. Uma parede de chumbo de dez centímetros de espessura é capaz de te proteger dos resíduos radioativos de uma bomba nuclear, mas você precisaria de dois anos-luz de chumbo se quisesse impedir um neutrino de te atingir. Se tem um moleque liso nesse cosmos, esse moleque é o neutrino.

Não que você tenha motivo para se proteger, é claro. Há 65 bilhões de neutrinos atravessando cada centímetro quadrado do seu corpo neste exato momento e você não poderia dar menos bola para eles. Eles não têm carga elétrica. Eles até interagem gravitacionalmente, mas quando sua massa é 0,00000000000000000000000000000000000001 kg, isso não faz muita diferença.

Os neutrinos só fazem algo de notável quando encontram outra partícula, um elétron, dentro de algum corpo d’água. Aí é bacana. Se um deles tromba com um elétron, ele injeta uma dose de energia no dito cujo, que dispara mais rápido do que a velocidade da luz na água. Veja bem, na água, não no vácuo. A velocidade da luz no vácuo, é sempre bom lembrar, é impossível de superar. 

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Esse elétron espoleta libera uma tal de radiação Cherenkov – uma espécie de sinal de que ele quebrou a “barreira da luz” (da mesma forma que um avião gera uma onde de choque capaz de quebrar janelas quando supera a barreira do som). E coletando informações sobre essa radiação, é possível determinar de que lugar do céu veio o neutrino responsável por ela.

O melhor lugar para construir um detector de neutrinos, portanto, é um lugar que tenha muita água – o único ambiente em que eles se manifestam de fato. E é difícil pensar em um lugar com mais água sob controle do que a Antártida – que passa o tempo todo coberta por um espesso lençol de gelo. Pois é lá mesmo, praticamente no Polo Sul, que foi instalado o IceCube. Ele é um observatório curioso, formado por (1) um edifício com jeito de ficção científica e (2) um cubo de gelo de um quilômetro de lado todinho forrado de sensores.

Quando um neutrino de energia incomum atinge o IceCube, um sinal é disparado e astrônomos do mundo todo imediatamente apontam os telescópios para a região do espaço de onde ele veio. Ou pelo menos o mais imediatamente possível: desde que o observatório ficou pronto, em 2005, os mais de 300 cientistas de 14 países que participam do experimento aperfeiçoaram as técnicas de interpretação de dados a tal ponto que é possível soltar o alerta com um delay de apenas um minuto.

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A ideia é tentar pegar no flagra o evento cósmico que deu origem ao neutrino anômalo. Dessa vez, deu certo: descobriu-se que uma minúscula partícula detectada em 22 de setembro de 2017 foi gerada por um buraco negro supermassivo de nome TXS 0506 + 056 fazendo uma refeição no centro de uma galáxia a 3,7 bilhões de anos-luz daqui. Neutrinos são ótimos mensageiros desse tipo de fenômeno astronômico justamente porque não interagem com nada no caminho até a Terra: ao contrário da luz, passam batidos por campos eletromagnéticos e poeira interestelar.

Em suma: os neutrinos não são, em si, tão importantes assim. Eles são apenas outro veículo de informação, outro método para observar e estudar o Universo. Que, agora se sabe, funciona muito bem.

Por muito tempo, a ciência teve acesso apenas a ondas eletromagnéticas no espectro visível (isto é: luz). Depois, outros comprimentos de onda entraram na brincadeira. Hoje, somos capazes de captar e interpretar praticamente qualquer sinal, das preguiçosas microondas e ondas de rádio aos energéticos raios gama. Também contamos com as ondas gravitacionais, que não têm nada a ver com eletromagnetismo: elas são perturbações no próprio tecido do espaço-tempo, causadas por colisões violentas entre estrelas de nêutrons e buracos negros.

Os neutrinos agora se unem oficialmente às ondas eletromagnéticas e gravitacionais como um novo par de olhos para observar o céu. Um novo jeito de fazer astronomia.

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