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RIP Jeremy, o caracol de concha canhota que arrasou no Tinder

A concha de Jeremy girava no sentido anti-horário – mas mesmo assim ele arranjou um mozão e legou filhotes para a ciência. Conheça sua jornada

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h07 - Publicado em 16 out 2017, 18h19

Primeiro, a notícia. Jeremy, o caracol aí em cima, morreu – e esse é um fato importante o suficiente para sair no New York Times.

Agora, a explicação. Em 21 de outubro de 2016, você deve se lembrar, capas de jornal, mesas de boteco e redes sociais só tinham olhos para um fenômeno: a ascenção improvável de Donald Trump à presidência dos EUA. Até que um solitário molusco de concha espiralada calcária comoveu os corações de biólogos e leigos, sem distinções – e tomou o noticiário de assalto (ele apareceu até na SUPER).

Jeremy, o caracol, não tinha pele laranja, e não pagava sessões de bronzeamento artificial. Seu par de antenas malemolentes tampouco era coberto por um espesso topete louro. Mas, assim como o empresário na política, ele era um excêntrico em um meio tradicional, um patinho feio.

Por quê?

Bem… a espiral de sua concha girava no sentido anti-horário. Veja com seus próprios olhos:

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Não achou chocante o suficiente? Pois vá já ao jardim mais próximo e colete todos os caracóis que encontrar (há uma infestação particularmente populosa desses animais no muro da biblioteca de Assis, no interior de São Paulo). Todas as conchas giram sempre no sentido horário. Esse é um fato tão certo quanto as leis de Newton ou o show do Roberto Carlos no final do ano. Não há escapatória.

Angus Davidson, professor da Universidade de Nottingham e dono do pet exótico, declarou à época: “Esse é um achado muito excitante. Eu estudo caracóis há 20 anos e eu nunca tinha visto um desses. Nós estamos muito ansiosos para estudar sua genética, e descobrir se é uma falha no desenvolvimento ou um traço genético genuíno e hereditário.”

A primeira providência de Davidson – que a essa altura do campeonato não esperava se tornar uma celebridade – foi tentar arranjar uma namorada para Jeremy. Se ele tivesse filhotes, ficaria bem mais fácil entender por quê, exatamente, ele gira para o lado “errado”, e qual parcela disso é culpa de sua genética (o que, embora não pareça, seria uma informação valiosa para a ciência).

Más notícias: os órgãos sexuais de Jeremy, da mesma forma que o casco, eram invertidos. É como se o molusco todinho vivesse dentro de um espelho – com o corpo todo ao contrário. Conclusão? Ele não “encaixava” no seu par na hora de copular.

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“Caracóis são hermafroditas, se eles quiserem, podem se reproduzir com eles mesmos, sem precisar de um parceiro”, explicou Davidson. “Acontece que eles não gostam de fazer isso, e na nossa opinião, a informação genética de dois caracóis canhotos seria mais rica e valiosa.”

A única solução era encontrar outro caracol. Um que também girasse no sentido anti-horário, e estivesse disposto a dar aquela bagunçada nos lençóis. Padrão Madame Bovary de satisfação.

Só havia uma instituição no mundo disposta a encontrá-lo: a internet. Em questão de horas, o Twitter se tornou o Tinder dos moluscos. A #leftysnail (#caracolcanhoto) e a #snaillove (#amordecaracol) foram especialmente bem. Meses depois, uma canção de amor dedicada ao solitário Jeremy foi gravada e postada no YouTube: A trágica balada de Jeremy, o caracol que gira para a esquerda.

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Com toda essa mobilização, não foi difícil encontrar outros dois candidatos: um era o molusco anti-horário Lefty, da cidade britânica de Ipswich. A história chegou aos ouvidos de sua dona, Jade Melton, por meio da sociedade conchológica da Grã-Bretanha e Irlanda. Sim, “conchológica” – o que é relativo ao estudo científico das conchas. E sim, essa sociedade existe.

“Do ponto de vista científico, acho que isso nunca foi feito”, afirmou Jade em comunicado. “Eu estou fascinada com a possibilidade do cruzamento entre os dois gerar mais moluscos canhotos.”

Jeremy foi colocado no carro, viajou para Ipswich e passou duas semanas com Lefty. Não aconteceu nada. Uma decepção. O mesmo aconteceu com Tomeu, um caracol canhoto da ilha espanhola de Mallorca. Tomeu e Lefty, por outro lado, se deram bem, e tiveram mais de 300 filhotes juntos quando finalmente se encontraram.

Conclusão? Jeremy, pelo jeito, além de girar para o lado errado, não sabia jogar o jogo do amor.

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Sua sorte só mudaria há alguns dias atrás, quando a análise genética de alguns dos filhotes recém-nascidos de Tomeu (caracóis gostam muito de fabricar filhotes) revelou que eles eram de Jeremy, e não do assanhado Lefty. Em uma nota triste, ele não chegou a conhecê-los: foi encontrado morto na geladeira no dia das crianças, 12 de outubro de 2017. RIP, Jeremy. Em outra nota triste, nenhum dos bebês veio com o casco anti-horário dos pais. Davidson tem esperanças de que o traço se manifeste nas próximas gerações.

Ele vai, mas seu legado fica. Graças à sua triste balada, foram encontrados outros seis caracóis canhotos mundo afora. E eles servirão para estudar uma das mutações genéticas mais curiosas do mundo animal: situs inversus – quando um ser vivo tem seus órgãos internos distribuídos de forma espelhada, como o casco de Jeremy.

Sentiremos saudades.  

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