Leitura dinâmica: aprenda mais em menos tempo
A técnica permite que você devore livros em poucas horas. Esta reportagem será o seu próprio teste de velocidade e compreensão de leitura.
Prepare um cronômetro. Tudo pronto? Começou.
Os especialistas da época diziam que o presidente americano John F. Kennedy tinha uma habilidade impressionante para ler rapidamente. Esse seria, inclusive, um dos segredos do seu sucesso político: graças à aptidão que trazia desde a infância, ele era capaz de absorver uma grande quantidade de informações em pouco tempo, além de compreender com mais facilidade os documentos que passavam por suas mãos. Na escola, em Harvard e, depois, na corrida para chegar à Casa Branca, vencida em 1960, Kennedy se acostumou a ser mais veloz que os seus colegas quando o assunto era aprender por meio da leitura.
Logo após assumir o poder, JFK revelou seus métodos ao grande público americano, atraindo um interesse renovado para uma técnica estudada desde o século anterior: speed reading, ou leitura rápida, que no Brasil ficou mais conhecida como leitura dinâmica. De repente, todos queriam ser como o popular presidente dos Estados Unidos. Ler mais rápido ficou imediatamente associado a ser bem-sucedido em qualquer carreira.
Passou a ser visto como um diferencial no currículo: se muitos empregos dos anos 1960 já recomendavam um curso em datilografia para dominar as minúcias das máquinas de escrever, previa-se que em pouco tempo uma nova condição para encontrar trabalho seria também um certificado provando que o candidato dominava a leitura dinâmica.
Mas nem todos eram capazes de fazer aquilo naturalmente. Estima-se que JFK fosse capaz de ler em torno de mil palavras por minuto, o que o colocaria entre os 1% da população mundial que efetivamente consegue superar a média de uma pessoa adulta relativamente habituada à leitura — entre 250 e 300 palavras por minuto, dependendo da complexidade do texto e do tema abordado nele. Kennedy sabia disso e, para treinar os membros de seu gabinete em uma habilidade que para ele vinha de berço, contratou uma professora especializada no assunto: Evelyn Wood, a precursora dos cursos de leitura dinâmica que existem hoje.
O método Wood
O interesse de Evelyn Wood havia começado alguns anos antes, na década de 1950, quando um dos professores presentes na sua banca de mestrado leu as 80 páginas da dissertação dela em poucos minutos. Surpresa com a cena, Evelyn decidiu cronometrá-lo lendo outros textos e calculou que seu avaliador devorava uma média de 2,5 mil palavras a cada minuto.
Especializada em técnicas de leitura, ela decidiu mudar um pouco o seu foco: nos meses seguintes, passou a percorrer o território americano em busca de pessoas que tivessem aquela mesma habilidade. Encontrou 53 delas, fez entrevistas, registrou seus métodos e desenvolveu um curso que dizia ser acessível a qualquer pessoa que já tivesse o hábito de ler.
Ela não era a pioneira no assunto: os primeiros estudos sobre a leitura rápida datavam dos anos 1880, quando o oftalmologista francês Louis Émile Javal pesquisou como o olho humano se movimenta enquanto lemos. Muito do que Javal analisou naquela época serviu como fundamento para as técnicas desenvolvidas por Wood mais tarde, mas foi com ela que os métodos se popularizaram — e foram imitados no mundo inteiro.
John Kennedy, presidente dos EUA, lia mil palavras por minuto e contratou uma professora especializada em leitura dinâmica para treinar os membros de seu gabinete.
Sua escola, a Evelyn Wood Reading Dynamics, fundada em 1959, tornou-se um negócio milionário após a fama conquistada pela colaboração com Kennedy: nos anos seguintes, o curso já tinha mais de 150 franquias nos Estados Unidos. Evelyn, que faleceu em 1995, foi presença constante na Casa Branca mesmo nos governos após JFK. Richard Nixon também enviou 35 membros de seu gabinete para aprender com ela, e, nos anos 1970, o presidente Jimmy Carter recebeu aulas particulares ao lado de sua filha, chegando a registrar uma média de 1,2 mil palavras lidas por minuto.
A moda chegou ao Brasil nos anos 1960. Em 1968, professores brasileiros formados com o método de Wood começaram a dar aulas em universidades e cursos particulares. Um dos primeiros foi oferecido na PUC do Rio, ministrado pela psicanalista Malvine Zalcberg. Estava longe de ser o único: só no Rio de Janeiro, mais de dez cursos foram abertos em 1968, e naquele ano também se editou o primeiro livro sobre leitura dinâmica no Brasil, Leitura Dinâmica em Sete Dias, uma tradução de um pesquisador americano. A febre era tão grande que se chegou a cogitar tornar o ensino da leitura dinâmica obrigatório em todas as universidades do País, um projeto que acabou não avançando.
Novas técnicas
Em termos puramente mecânicos, nossa leitura é uma sucessão de “fixações”, “sacadas” e momentos de reflexão. A fixação é o ato de olhar para uma palavra ou grupo de palavras, algo que dura uma média de 0,25 segundo até que se passe para a próxima. Esse salto entre os trechos é o que se chama de “sacada”, um movimento que leva apenas um décimo de segundo. Em um texto complexo, de tempos em tempos nós paramos, sem perceber, para absorver aquilo que acabamos de ler. São momentos de reflexão, que ocorrem a cada duas ou três fixações e podem levar até meio segundo por vez. Evelyn Wood queria minimizar o tempo gasto em cada um desses três processos.
Uma das primeiras mudanças almejadas em um curso de leitura dinâmica é a eliminação da subvocalização, a forma como murmuramos (às vezes inconscientemente) aquilo que estamos lendo, formando as palavras na nossa mente. Embora estudos tenham mostrado que eliminá-la totalmente não é possível, alguns leitores mais experientes conseguem reconhecer as palavras de modo a não precisar “repeti-las” para si mesmos.
Para entender como isso ocorre, pense na seguinte frase: “Evelyn abriu sua primeira escola em 1959”. Você provavelmente não precisou subvocalizar “mil novecentos e cinquenta e nove” — simplesmente reconheceu o número e absorveu a informação. O objetivo é aplicar essa forma de leitura à maioria das palavras.
Outra técnica proposta por Evelyn era a utilização de um “guia” para a leitura, como um dedo ou uma caneta. Assim, você pode acompanhar as linhas ou palavras que são lidas, de modo a evitar os retornos involuntários que fazemos a trechos anteriores de um texto mais longo, algo geralmente causado por um instante de distração. Em suas pesquisas com quem apresentava talento natural para a leitura dinâmica, Evelyn Wood descobriu que eles tinham em comum o fato de que evitavam repassar palavras e frases, além de visualizar o texto “pulando palavras” (técnica também chamada de leitura “de cima para baixo”), concentrando o foco em apenas alguns termos mais importantes, que dão o contexto do todo. O dedo ao lado das linhas ajudaria as pessoas comuns a fazer a mesma coisa.
Com o tempo, novos métodos foram surgindo. O empresário Tim Ferriss, autor do livro Trabalhe 4 Horas por Semana, garante ser possível treinar os olhos para aumentar a visão periférica, capturando mais do texto em cada fixação. Outros defendem o uso do skimming, técnica que consiste em correr os olhos rapidamente pelo papel, detectando a ideia geral do que está sendo tratado. Embora não seja considerada uma técnica de leitura dinâmica de fato (pois não se preocupa com a compreensão detalhada do texto), ajuda a vencer longas páginas em menos tempo.
Finalmente, os tablets, e-readers e smartphones nos trouxeram a uma nova etapa: o desenvolvimento de aplicativos utilizando a tecnologia RSVP (apresentação visual serial rápida, na sigla em inglês), que exibe uma palavra por vez na tela, em uma velocidade definida pelo usuário. Assim, a leitura não ocorre da esquerda para a direita ou de cima para baixo. Ela se torna fixa em um único ponto onde as palavras passam pelos seus olhos.
Funciona?
“Sempre é possível aperfeiçoar uma cognição”, afirma Aniela Improta França, do Programa Avançado de Neurociência da UFRJ. “Mas é bom estar ciente de que há limitações biológicas. No caso da leitura, temos que nos sujeitar à forma como os olhos captam aos poucos as informações impressas e as colocam dentro do cérebro.” A chave não é apenas ler rápido, mas compreender e reter as informações. Isso é relativamente simples de executar com rapidez quando fazemos a chamada “leitura por fora”, isto é, enxergamos um número, uma frase familiar ou de um slogan publicitário conhecido.
A operação cognitiva fica mais desafiadora quando estamos estudando para uma prova ou para escrever uma tese. “A tarefa exige um processamento completamente diferente. Aí você lê `por dentro¿ das palavras para ir montando o sentido do texto”, diz. “O que adianta ler rápido e não entender realmente o que está sendo lido?”, questiona a pesquisadora, especializada em linguística.
Mesmo com muito treino, você provavelmente não se tornará um privilegiado que vira as páginas em segundos, até porque não há certeza científica se isso é possível sem prejudicar muito a compreensão do texto. Oficialmente, a leitora mais rápida do mundo hoje é a britânica Anne Jones, seis vezes campeã mundial de leitura dinâmica (sim, essa competição existe), capaz de ler 4,2 mil palavras por minuto com 67% de compreensão.
No torneio, o candidato responde a um questionário sobre o texto ao fim da leitura — o menor índice de compreensão tolerado é de 50%. Um leitor comum tem uma compreensão entre 75% e 80%, lendo a um décimo da velocidade de Anne. O campeonato mundial valoriza a compreensão e define seus vencedores por meio de um cálculo em que a velocidade de leitura é multiplicada pela porcentagem de entendimento, gerando um número que seria a média de “palavras compreendidas por minuto”.
É possível, sim, criar uma familiaridade com o texto para aumentar a eficiência sem comprometer demais a compreensão. Alguém que já lê um pouco mais rápido que a média, a 350 palavras por minuto, pode poupar até 15 minutos por hora de leitura com um avanço relativamente pequeno, subindo a uma velocidade de 450, e mesmo a meta de mil palavras pode ser alcançável após alguma persistência. O número de indivíduos que efetivamente conseguem aumentar sua velocidade não é fácil de definir, mas há alguns indícios. Até os anos 1980, quando a escola de Evelyn Wood tinha a política de devolver o dinheiro aos alunos insatisfeitos com os resultados do curso, só 3% deles pediam o reembolso.
Mas não espere milagres. “Não adiantam truques, mas uma intimidade com a leitura”, diz Aniele França. Dessa forma, segundo a especialista, você se torna um leitor com o pensamento dinâmico. “Se o texto for denso, você vai saber pausar nas partes mais complexas para não perder o conteúdo. Se for simples, poderá adotar uma atitude menos cautelosa, lendo na diagonal e através das palavras-chaves”, aponta. “A sugestão é ler cada vez mais, pois vai tornar você um leitor mais eficiente em qualquer situação.”
Pare o cronômetro.
Para um cálculo básico da sua compreensão, responda ao teste abaixo.
Para saber a sua taxa de compreensão, multiplique sua velocidade de leitura (da fórmula anterior ao teste) pela porcentagem de acertos — o menor índice tolerado no campeonato mundial é de 50%