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Como é passar o Ramadan no Brasil?

No mês santo, muçulmanos ficam sem comer ou beber entre o nascer e o por do sol. E cada vez mais, a ação é comum no nosso país.

Por Felipe Germano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 dez 2016, 18h10 - Publicado em 6 jul 2016, 22h15

Sabe aquele exame de sangue que te pede 12 horas de jejum? Pois bem, imagine repetir isso por 30 dias, de segunda a segunda, sem nenhuma folguinha. Impossível? Não só é possível, como durante o último mês milhares de pessoas aqui no Brasils estavam fazendo exatamente isso, provavelmente sem que você percebesse. Neste ano, o Ramadan terminou no dia 6 de julho, o mês sagrado dos muçulmanos – período esse em que, além de não manterem relações sexuais, entre o nascer e o pôr do sol eles não comem nem bebem nada. Nem uma migalhinha, nem uma gota d’água. Um mês.

O Ramadan é um movimento tanto religioso quanto social. “Existe um trecho do Alcorão em que o profeta Mohammed fica durante o mês sem comer. Porém, o que a gente mais ressalta é o fato da igualdade“, afirma Rodrigo Rodrigues, sheik da Mesquita do Pari. A ideia é que, independentemente da classe social, todos os muçulmanos jejuem, de modo que – ao contrário dos outros meses do ano – todos sofram as mesmas dificuldades frente a fome. A ação é sentida em ambientes predominantemente islâmicos e desiguais, como Dubai. “Ao ficar sem comer durante o dia, você coloca em pé de igualdade ricos e pobres. Alguém com dinheiro é posto no lugar de uma pessoa de rua que não pode sem se alimentar. Esse sentimento fica para além do mês”, explica.

O mês sagrado não é praticado só no Oriente Médio. O Ramadan rola na América do Sul, no Brasil. Muito provavelmente na sua cidade. É incerto o número de muçulmanos vivendo no nosso país – o Censo de 2010 apontava que existem pouco mais de 35 mil deles, mas essa ideia é contestada. A Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS) já afirmou que o número real deve ultrapassar o um milhão, e está crescendo. Além da chegada de refugiados, brasileiros têm se convertido ao Islã. “A gente costuma receber uma conversão por semana”, afirma Rodrigues. “Eu mesmo sou um exemplo. Sou o primeiro sheik nascido no Brasil. Depois do 11 de setembro resolvi me informar melhor sobre a religião, me apaixonei pelo Islã e acabei indo estudar na Arábia Saudita, onde me formei sheik”, continua. “A gente acredita que a conversão é uma questão muito pessoal, então não contabilizamos, mas conseguimos facilmente percebemos que o interesse tem crescido muito nos últimos tempos – até por isso comecei a ministrar orações em português”, completa.

Quem passa o Ramadan no Brasil enfrenta, basicamente, dois desafios: 1- o preconceito 2- o fato de vivermos em um país tropical, onde ficar 12 horas sem beber água tende a ser difícil. “Ano passado a sede apertou. Sou professora de literatura, falava 50 minutos sem parar e tinha uma carga horária grande”, afirma Érica Paiva, curitibana que mora em São Paulo. “Além disso, a escola nunca ofereceu pausas para minhas orações (que não demoram mais que 4 minutos). Fora a sede, minha maior dificuldade era cumprir as cinco orações – só o fazia quando chegava em casa, mas Allah sabe das nossas dificuldades e creio que serei ouvida mesmo fora do horário, já que fui impedida por motivo profissional”, afirma Érica. A dificuldade aparece justamente porque quem deixa de comer não é maioria. Sair na quarta-feira na rua te ocasionará um encontro inevitável com o cheirinho de feijoada. Se você fizer isso em um país majoritariamente muçulmano, o dilema não é tão grande. Praticamente ninguém vai estar comendo um salgadinho no metrô, não dá tanta vontade. “Na Turquia, durante o Ramadan, o país muda horários, funcionários podem cumprir suas orações, na quebra do jejum até cristãos distribuem água e tâmaras para muçulmanos”, afirma. Mas nada disso é feito com pesar, “O Ramadan não é um problema, uma dificuldade. Esse não é o sentido para nós muçulmanos. É um período esperado durante todo o ano, ficamos até com saudade da data – porque é uma oportunidade de crescimento”, diz Érica.

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Mesmo por aqui, o jejum começa cedo. As meninas tendem começar a seguir o costume após a primeira menstruação, os meninos seguem a onda mais ou menos na mesma época – tudo por volta dos 10 anos, às vezes ainda antes. “O difícil é que você chega em casa, liga a televisão e só está passando coisa de comida”, afirma Hamude Alali, de 11 anos. “Não adianta mudar de canal!”, brinca o menino, que estuda na Escola Islâmica Brasileira, em São Paulo, instituição voltada justamente para crianças muçulmanas. “Na primeira vez que eu fiz o jejum eu ficava bebendo água escondido. Aí minha mãe falou que não adiantava fazer isso, então, no dia seguinte, quando fui beber um copo d’água, lembrei e joguei ele no chão. Foi o mesmo dia em que minha mãe brigou comigo porque eu quebrei um copo”, conta rindo Mohamed Echum, de 11 anos.

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Outro grupo de participantes do Ramadan brasileiro é composto justamente pelos muçulmanos que não nasceram no Brasil. De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), até abril deste ano o maior número de refugiados que vieram para o nosso país é da Síria. Ainda no top five, temos os palestinos. Há ainda os muçulmanos que vieram para as terras tupiniquins trabalhar, ou curtir um tempo no nosso país. Mohammed Wadwani se encaixa justamente nessas características. Indiano de 33 anos, veio para o Brasil viver com sua esposa e trabalhar como técnico de informática. E ele não reclama. “Não vou dizer que para mim é pior do que na Índia, porque não é. É diferente, por conta de o resto da população não seguir também, mas ainda sim nós jejuamos entre o início e o fim do dia do mesmo jeito”, afirma enquanto quebra seu jejum na mesquita do Pari, em um auditório com dezenas de muçulmanos falando algumas dúzias de línguas ao mesmo tempo. “A maioria nem sabe o português”, afirma o sheik Rodrigues. Na mesma mesa de Wadwani está sentado Abdul Ahad Nasser, um sheik de 40 anos, nascido na Arábia Saudita, que veio passar o mês no Brasil. “Eu gosto do Brasil, se estivesse em Londres talvez fosse mais difícil. Lá o sol está se pondo depois das oito da noite”, afirma. Afinal, é o por do sol que sinaliza o fim do jejum. O discurso de dever cumprido e, sobretudo, de felicidade só ganha mais força. Seja aqui ou em qualquer outro canto. “Não importa o lugar onde você está, o que importa é seu objetivo”, afirma Wadwani. “A fé não tem nacionalidade, você pode fazer isso em qualquer país. O importante é seguir o que você acredita”, finaliza.

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