Como vivem os políticos na Suécia: sem mordomia
Eles ganham salários modestos (ou, no caso dos vereadores, salário nenhum), andam de transporte público e levam vidas frugais. E a raiz disso é antiga: uma lei de transparência radical aprovada em 1766
Texto originalmente publicado pela Super em 2015
Luciano Astudillo, 41, vai e volta do trabalho de metrô. Mora num apartamento bem pequeno, que nem quarto tem. Dorme na sala, num sofá-cama – que ele é obrigado a dividir com a filha quando recebe a visita dela. Ele mesmo limpa a casa e lava suas roupas na lavanderia coletiva do prédio, onde há apenas duas máquinas (é preciso agendar horário para usar uma) e algumas tábuas de passar. Luciano tem a própria tábua, um de seus raros luxos, pois prefere passar as roupas em casa.
Apesar da rotina modesta, ele é uma das pessoas mais importantes em seu país. Desde 2006, é deputado no Riksdag, o Parlamento sueco. Assim é a vida de um político na Suécia: o terceiro país menos corrupto do mundo, atrás apenas da Dinamarca e da Nova Zelândia (no ranking, que é organizado pela ONG Transparência Internacional, o Brasil está em 72º. lugar). Os suecos são famosos pelas regalias que não dão a seus representantes.
O Riksdag, que é o equivalente da Câmara e do Senado, tem 349 deputados. Alguns deles, cujas bases eleitorais ficam longe (pelo menos 50 km) da capital Estocolmo, têm direito a morar em apartamentos funcionais – mas com no máximo 45 metros quadrados. Dezenas de deputados vivem em quitinetes ainda menores, com 18 metros quadrados cada. E parecem não se importar muito com isso. “Não acho que os políticos daqui estejam preocupados com esses detalhes. Temos que lidar com assuntos que afetam o país, isso sim é importante”, diz o deputado Amir Adnan, do Partido Moderado.
Os políticos suecos levam uma vida frugal porque o país foi o primeiro do mundo, em 1766, a criar uma lei de transparência. Tirando os registros médicos dos políticos, e informações do exército, todo o resto pode ser acessado pela população. Qualquer pessoa pode ver a declaração de Imposto de Renda dos parlamentares e ler seus e-mails e correspondências oficiais.
Dá até para saber onde cada um almoçou, o que comeu e quanto gastou, tudo devidamente documentado com notas fiscais. Algo difícil de imaginar na realidade brasileira. “No Brasil, há a sensação de que os políticos não representam o cidadão, que fazem as coisas por interesse próprio”, diz a jornalista Claudia Wallin, que mora na Suécia há nove anos e está lançando Um País sem Excelências e Mordomias, livro sobre a vida dos políticos suecos.
Os vereadores, que elegem os prefeitos, nem salário ganham. Eles recebem apenas US$ 30 por mês, uma ajuda de custo para telefonemas. “Eu uso meu próprio celular. Não custa tanto assim”, conta no livro Christina Elffors-Sjödin, que é vereadora em Estocolmo. Os deputados recebem salário, pouco mais que o dobro de um professor. No Brasil, essa diferença é de 15 vezes. Isso sem contar os benefícios extras que os deputados brasileiros têm, como assistência médica, assessores particulares, carro, telefone e combustível.
Na Suécia, os políticos não têm direito a nada disso. Para se locomover, eles usam transporte público ou seus próprios carros. O Parlamento tem apenas três veículos oficiais, que estão disponíveis para seu presidente e seus três vice-presidentes – mas só em eventos oficiais. Os juízes do Supremo Tribunal da Suécia não têm direito a carro oficial. Um dos magistrados mais famosos por lá, Göran Lambertz, vai e volta do Supremo usando bicicleta e trem.
Por ocupar o cargo mais alto do Estado sueco, o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt é uma exceção. Ele tem direito a um carro oficial e mora em um palácio de 1.195 metros quadrados, com faxineira uma vez por semana.
Mas esse serviço não sai de graça: é descontado de seu salário, equivalente a US$ 22.500. Fredrik nunca deixa o gabinete sem antes colocar a própria xícara na lava-louças. Todos os dias, ao chegar à residência oficial, ele cozinha o jantar. E, antes de virar primeiro-ministro, tinha o hábito de limpar a própria casa. Colocava fones de ouvido para escutar música ou ouvir no rádio as partidas do seu time de futebol, o Djugården.
“Não há nada de estranho em fazer isso”, diz no livro. “A sensação de andar pela casa depois de uma faxina é fantástica”, continua. Fredrik, que foi eleito em 2006, chegou a dar dicas de limpeza em um jornal local: “A parte de trás das camisas velhas é excelente para polir espelhos e vidros”.
Para quem não é sueco, a postura do primeiro-ministro pode soar demagógica. E talvez seja mesmo, até certo ponto. Mas como na Suécia praticamente inexistem empregados domésticos, é comum que cada pessoa faça as próprias tarefas. Quando era primeiro-ministro, o político Göran Persson disse que passava a própria camisa social em apenas um minuto. Foi o suficiente para ser convidado a provar a façanha ao vivo, em um programa de TV. Conseguiu (confira o vídeo em bit.ly/1AsuNGW).
O próprio Estado sueco financia as campanhas eleitorais, investindo cerca de US$ 63,3 milhões por ano. Cada partido recebe uma verba para cada vaga que ocupa no Parlamento. Isso cobre a maior parte dos gastos de campanha – e as doações privadas são apenas 4,3% do total. No Brasil, as campanhas também recebem verbas públicas, do Fundo Partidário (este ano, serão R$ 364 milhões), mas 70% do dinheiro é privado. Há quem diga que isso fomenta a corrupção, pois estimula a troca de favores entre doadores e políticos.
O ESCÂNDALO DA BOLSA
Na maioria dos países, os escândalos políticos envolvem muito dinheiro. Na Suécia, não é assim. Pouca coisa já é o suficiente para causar furor. Em 2010, a líder do Partido Social-Democrata, Mona Sahlin, escandalizou a sociedade ao ser fotografada portando uma bolsa Louis Vuitton no valor de 6 mil coroas suecas – o equivalente a cerca de US$ 900. A indignação foi tamanha que Mona acabou leiloando a bolsa e doando a renda a uma instituição.
Outro caso polêmico foi o da ex-deputada Mikaela Valtersson, que, mesmo morando perto de uma estação de trem, resolveu pegar táxi: foram 43 vezes ao longo de um semestre, em 2011. “Tive que trabalhar até tarde muitas vezes. Foi um período extenuante, em que me senti obrigada a pegar táxi para dar conta de trabalhar”, disse Mikaela, acuada pela mídia, à época.
Um episódio que ficou famoso no país foi o nannygate, ou escândalo das babás. Em 2006, descobriu-se que, uma década antes, a ministra Maria Borelius havia empregado uma babá sem pagar os devidos impostos – ela dava o dinheiro “por fora”. Questionada, Maria disse que tinha quatro filhos e seu dinheiro não era suficiente para ter uma babá com carteira assinada. Era mentira. Graças à Lei da Transparência, jornalistas descobriram que a família Borelius faturava US$ 2 milhões por ano. Resultado: Maria durou apenas oito dias no cargo.
A modéstia material dos políticos também é uma questão cultural. A Suécia é um dos países mais igualitários do mundo. Já na Idade Média, os camponeses tinham lugar no Parlamento, fato inédito na Europa da época.
Hoje, os impostos são bem altos (a maior alíquota de Imposto de Renda é 57%, contra 27,5% no Brasil), e o PIB per capita também: US$ 41 mil, contra US$ 12 mil no Brasil. Essa combinação permite que o Estado arrecade dinheiro suficiente para fornecer excelentes serviços públicos a toda a população – e isso aproxima as pessoas. Claudia, que é casada com um sueco, conta que seus filhos estudam na mesma escola (pública, claro) que os filhos de médicos e de motoristas de ônibus. “Não existe a divisão que temos no Brasil”, diz.
Mas comparar o Brasil com a Suécia pode ser injusto. O país escandinavo é muito menor, e tem uma democracia muito mais antiga e sólida. “O combate à corrupção tem avançado no Brasil, mas lentamente”, afirma Claudio Weber Abramo, fundador da ONG Transparência Brasil. Para ele, cortar os benefícios que os políticos brasileiros recebem, tornando sua vida mais parecida com a dos deputados suecos, seria atacar apenas a ponta do iceberg.
Também é preciso aproveitar mecanismos como a Lei de Acesso à Informação, que desde 2012 permite consultar dados de todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal), para fiscalizar as ações dos políticos no Brasil. “É preciso que haja gente buscando [essa] informação. Em primeiro lugar a imprensa, depois a academia e entidades empresariais. Mas a imprensa faz muito pouco isso, e o resto, menos ainda”, diz Abramo. Colocar os políticos na linha é uma questão de vontade. E não só deles.