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Por que as crianças perguntam ‘por que?’ — e como responder

Porque sim, Zequinha!

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 mar 2017, 00h13 - Publicado em 2 mar 2017, 19h29

“Por que o prédio que está lá longe fica menor quando a gente vê daqui e cresce quando a gente chega perto?”, “Como é que a cobra ouve se ela não tem ouvidos?” e até o temido “Como nascem os bebês?”. Pergunta após pergunta, qualquer criança capaz de falar também é capaz de enlouquecer seus pais — principalmente se eles não são professores universitários de física ou biologia.

Em 2009, um grupo de pesquisadores liderados por Brandy Frazier, da Universidade de Michigan, analisou gravações da interação diária de seis bebês que tinham entre dois e quatro anos com seus pais, irmãos e outras pessoas que visitaram suas casas. Foram mais de 580 transcrições de conversas, e ao longo delas foram registrados mais de 3 mil (!) pedidos de “Por que isso?” “Por que aquilo?”. Pais de bebês que recebiam enrolações em vez de explicações convincentes ficaram até duas vezes mais suscetíveis a receber a mesma pergunta após algum tempo — ou seja, uma hora você precisará entrar na Wikipedia e descobrir porque o céu é azul, caso contrário seu filho não vai te deixar em paz.

Não pense, porém, que saber a resposta correta te salva do interrogatório: os voluntários que explicaram tudo direitinho (37% da amostra) tinham até quatro vezes mais chances de ganhar outra pergunta com a palavra “por que”. E aí outra. E aí mais uma. Segundo os pesquisadores, é bem provável que haja um ponto de equilíbrio entre curiosidade e a complexidade das explicações subsequentes — se a explicação for muito difícil de acompanhar, a criança desiste.    

Na segunda fase do experimento, eles testaram, dessa vez em laboratório, a satisfação de cada bebê com as respostas. Quando elas eram corretas, mais de 30% deles davam sinais claros de aprovação, como balançar a cabeça ou dizer “oh!”. Quando eram enroladas, só 13% engoliam a lorota. As outras 87% refizeram a pergunta em 20% das vezes, contra só 1% das que tiveram a dúvida sanada de primeira. Moral da história? eles podem não saber as respostas, mas sabem que você está mentindo (e vão insistir!). O motivo de tantas perguntas, é claro, é coletar cada vez mais informações sobre o mundo e como ele funciona. Ou, em alguns casos, prender a atenção dos pais pelo maior tempo possível — mas a hipótese de que as perguntas sejam só uma forma de provocação é considerada cada vez menos provável.

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A psicologia hoje sabe que crianças fazem considerações probabilísticas, buscam repetições na natureza e gostam de situações em que suas expectativas são quebradas. Seu método de apreensão do mundo é muito próximo do científico. Elas estabelecem leis que parecem razoáveis com base na observação de seu cotidiano e ficam fascinadas quando algo foge dos padrões previstos: como as cobras, que, em uma avaliação superficial, não parecem ter ouvidos.

O fato é que tanto a ciência como a filosofia já se debruçaram sobre a receita para uma explicação perfeita, e o que cada pensador entende por uma boa resposta para um “porquê” reflete bem sua visão de mundo e sua postura acadêmica. Na década de 1960, o filósofo, físico e matemático alemão Carl Gustav Hempel bolou um modelo para responder perguntas de cientistas (e crianças) chamado “dedutivo-nomológico”. A palavra “nomológico” saiu do grego “νόμος“, que significa “lei”. Quanto a parte do “dedutivo”, bem… você pode deduzir o que ela significa.

Em outras palavras, na visão dele uma boa explicação é um argumento que aplica as leis gerais da ciência a um fenômeno particular para tirar conclusões lógicas e inescapáveis sobre ele: sua sombra fica mais longa ao entardecer que ao meio dia porque essa é a única consequência possível para uma situação em que a luz do Sol incide em tal ângulo sobre o ponto da superfície da Terra em que você se encontra. E a física já sabia de tudo isso.  

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Parece um método infalível (e monótono) de explicar mundo, mas ele tem suas falhas. Em 1981, por exemplo, o filósofo da ciência britânico Philip Kitcher publicou um artigo em que ele considera o modelo de Hempel ultrapassado. Entre outras razões, porque ele abre espaço para argumentos irrelevantes ou até estapafúrdios, mas que preenchem todos os requisitos do método.

Vamos supor que alguém que não entende nada sobre a reprodução humana levante a hipótese de que um homem não ficou “grávido” porque ele tomou anticoncepcionais. Para passar pelo crivo aparentemente infalível de Hempel, ela precisará se encaixar em quatro critérios:

  1. Ela é válida do ponto de vista dedutivo: pílulas evitam gravidez, o usuário delas não teve um bebê.
  2. Ela se baseia em uma lei já conhecida e reconhecida: anticoncepcionais evitam uma gravidez.
  3. Ela passará facilmente por um teste empírico feito quantas vezes for necessário: nenhum homem que tomar pílulas aparecerá com um bebê na barriga no dia seguinte.
  4. Ela é verdadeira: e quem pode negar?

Bingo, está provado. E é assim que algo óbvio deixa de ser… tão óbvio assim. Uma falha como essa não é problema quando lidamos com as abstrações absurdas usadas por filósofos para encontrar brechas no raciocínio alheio. Mas isso é só porque nós já sabemos de antemão que homens não têm útero. Se um cientista estivesse em uma situação real de laboratório em que ele não tivesse conhecimento prévio sobre o assunto pesquisado, uma conclusão falsa poderia passar facilmente por verdadeira.

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É por isso que compreender a estrutura das explicações e a maneira ideal de tirar uma conclusão é essencial para o avanço da ciência — e também essencial para dar respostas convincentes aos bebês curiosos. De qualquer forma, é sempre bom lembrar: explicar algo para alguém com eficiência é mais uma questão de tato do que a capacidade de preencher certos pré-requisitos com um argumento sólido. É, antes de mais nada, um ato de comunicação, e nessa hora, como você diz é tão importante quanto o que você diz.

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