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Segredo: Aqui entre nós

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Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 30 set 1988, 22h00

Ninguém resiste à tentação de ouvir um segredo. Ele faz parte do cotidiano das pessoas, do sucesso das indústrias e da política internacional. Desvendá-lo significa ter à disposição alguma espécie de poder.

“Psiu, vou te contar um segredo. Mas você tem de jurar que não vai falar para ninguém!” Quem resiste a um apelo desses? Qualquer pessoa jura por todos os santos do calendário que manterá a boca fechada até o túmulo e praticamente implora para saber o segredo tão bem anunciado. E não é raro que, alguns dias depois, às vezes até horas, se repita a mesma história: “Vou Ihe contar um segredo. Mas você tem de jurar que não vai dizer a ninguém!” Novamente, ouvidos atentos aguardam a revelação para a seguir passá-la adiante.

Todo mundo já foi protagonista de uma cena como essa ou já a presenciou. Pior, quem trabalha num escritório onde encontra sempre as mesmas pessoas sabe que não passa um dia sem que esse rotineiro ato de troca-troca se repita. O ser humano, com uma tendência irresistível para a dramatização e o romantismo, está sempre se imaginando um herói, carregado de tesouros e saboreando a escolha de quem será digno de partilhar sua glória.

Quando se pensa cinicamente no assunto, fica-se imaginando se o segredo não seria apenas uma sofisticada forma de comunicação, que pode até ser manipulada em causa própria. Todos conhecemos aqueles tipos linguarudos que basta se dizer a frase mágica “não conte a ninguém” para acionar os mecanismos que colocam a novidade nos ouvidos de todos. Há quem imagine que esse defeito é característico das mulheres. Mas o poeta e fabulista francês La Fontaine (1621-1695) se encarregou de desmentir essa afirmação: “Nada pesa tanto quanto um segredo”, disse. “E, nesse particular, um bom número de homens age como mulheres.”

Mas nem tudo é jogo em matéria de confidências. Na vida de todas as pessoas existe uma parcela encoberta, momentos embaraçosos, sentimentos, lembranças de infância, experiências que não podem ser compartilhadas com ninguém. “Certos fatos são um segredo até para nós mesmos”, diz o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg. “Desconhecemos os mecanismos profundos que desencadeiam as respostas aos estímulos da vida.” Segundo o psicólogo. “desde criança elegemos um esconderijo para nossos tesouros, que não pode ser bisbilhotado por ninguém”. Na adolescência escondemos nossos sentimentos nos diários e, mais tarde, aprendemos a compartilhar o que consideramos importante.

No lado oposto à discrição existem aqueles que têm uma espécie de compulsão em contar a própria vida. As vezes, numa festa, ou numa viagem de ônibus ou de avião, um estranho senta-se ao nosso lado e começa a desfiar um rosário de fatos que Ihe aconteceram, os quais, muito provavelmente, não interessam a ninguém além dele mesmo. É fácil entender que a solidão leva a essas confidências. E, para valorizá-las aos ouvidos de quem foi escolhido compulsoriamente para escutá-las, o confidente procura elevá-las à condição de segredos importantes.

Nessas horas, qualquer pessoa se questiona sobre o que significa na realidade o segredo. Há sessenta anos, o psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) esteve no Sudoeste americano, onde procurou conhecer alguns povoados indígenas. Conta-se que ele teria ficado frustrado com a resistência dos índios em abrir-se sobre seus costumes. Só mais tarde, Jung compreendeu que eles queriam desesperadamente manter o mistério como uma forma de preservar a integridade cultural ameaçada pelos brancos.

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As sociedades industrializadas modernas não correm esse perigo. Sentimentos e emoções são explorados, analisados e expostos sem muitos pudores. Nesse contexto, não é de admirar que, muitas vezes, as pessoas apenas brinquem de segredos. Sintomaticamente, dois dos grandes entretenimentos modernos são o enigma e o romance policial. A escritora inglesa Agatha Christie (1890-1976) conquistou multidões de leitores no mundo inteiro, ávidos em desvendar, junto com o famoso personagem Hercule Poirot, a identidade dos assassinos.

O professor Roberto Romano, da Faculdade de Filosofia da Unicamp, cita o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), ao afirmar que “no seu cotidiano, o ser humano é promiscuamente público, reduzindo sua vida a relação com e para os outros, alienando-se da tarefa de ser ele mesmo. Cada um vigia o outro para observar como se comporta e o que diz. Vida em comum significa um modo inquieto e equívoco de se espiar reciprocamente”.

Isso expIica a curiosidade mórbida em descobrir os segredos dos outros, principalmente daqueles que se destacam de alguma forma. A imprensa sensacionalista vive da intromissão na intimidade alheia. Um bom exemplo ocorreu no ano passado, quando o então candidato à presidência dos Estados Unidos, Gary Hart, casado e com 52 anos, teve truncada sua carreira política ao serem reveladas as suas relações com a modelo Donna Rice, de 29 anos. O público tomou conhecimento de um segredo tanto mais saboroso porque tinha a ver com a vida sexual do político, um dos aspectos mais íntimos e, portanto, mais bem guardados de nossa existência.

Em vista disso, comerciar com segredos tornou-se um negócio milionário. O fotógrafo americano Ron Gallella foi um persistente paparazzi ao infernizar a vida de Jacqueline Onassis atrás de fofos reveladoras de uma das mulheres mais famosas do mundo. Até 1959, paparazzi na gíria dos romanos se referia aos mosquitos que infestam o verão italiano e são temidos por suas picadas. Foi com A doce vida, filmado pelo cineasta italiano Federico Fellini em 1960, que o termo se espalhou para o mundo e começou a designar fotógrafos que perseguem gente famosa. No caso de Jacqueline, uma revista italiana conseguiu, em 1972, flagrá-la nua tomando banho de sol.

O cantor americano Frank Sinatra é outra vítima da curiosidade alheia. Depois de ameaçar vários autores que tentaram contar a sua história, Sinatra foi derrotado pela escritora Kitty Kelley, que assinou o livro Sinatra — his way, uma escandalosa biografia, não autorizada pelo cantor, que o pinta com as cores de um tremendo mau-caráter. Outras personalidades também não resistiram à curiosidade alheia. E, junto de modestos anônimos, ajudaram a alimentar repórteres, escritores e detetives particulares que se orgulham de descobrir casos de adultérios, desfalques em empresas e bancos, concorrência desleal, espionagem industrial e crimes.

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Curiosidade pública e respeito à vida alheia não se combinam. A comoção provocada pela doença que matou o ex-presidente Tancredo Neves é um bom exemplo desse conflito. Todos queriam saber o verdadeiro estado de saúde do presidente, mas a família e os médicos se recusaram a revelá-lo. Durante a lenta agonia de Tancredo, chegou-se a enganar o público com uma doença que ele realmente não tinha. O código de ética obrigava os médicos a guardar segredo sobre os fatos por não terem autorização da família. Segundo o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, o pediatra Gabriel Oselka, “essa prática se estende a todos os pacientes, inclusive às figuras públicas. Mas o médico não pode, por estar atendendo um paciente famoso, fazer parte de uma encenação”.

Silêncio sepulcral também devem guardar outros profissionais, como psiquiatras, juízes e padres. Estes últimos tratam do sigilo não apenas do ponto de vista profissional mas também religioso. A rigor, o segredo do confessionário não se destina aos ouvidos do confessor, mas de Deus. Este tema é mostrado no filme Tortura do silêncio (1953), do cineasta Alfred Hitchcock (1899-1980), quando o personagem interpretado por Montgomery Clift ouve a confissão de um assassino, mas, preso por seus votos, não pode revelá-la às autoridades.

No passado, tinha-se a ilusão de que o segredo era mesmo para quatro paredes, como diz a canção de Herivelto Martins. Ou, pelo menos, estava bem guardado nas torres de um mosteiro medieval. Em O nome da rosa, livro do erudito italiano Umberto Eco, um mosteiro guarda a maior biblioteca da cristandade, construída em forma de labirinto e composta por milhares de pergaminhos praticamente inacessíveis a leitores. Só o bibliotecário conhece o segredo de como penetrar nas salas onde se alinham as estantes. Ao situar seu livro no século XIV, Eco mostrou que o segredo sempre foi associado ao poder.

Na Idade Média, a própria escrita era uma espécie de segredo reservado apenas à Igreja. Mesmo , assim, com restrições a determinados livros. Toda a trama de O nome da rosa gira em torno das tentativas dos personagens de ler um exemplar da segunda parte da Poética de Aristóteles, no qual o filósofo grego discorre sobre o humor, o riso, a comédia, a arte que nasce dos “simples”, isto é, do povo. A leitura desse livro causou a série de assassínios e o incêndio que destruiu o mosteiro.

Os escribas, intelectuais do Antigo Egito, que conheciam os segredos dos hieroglifos, também não tinham nenhuma intenção de passar o seu conhecimento adiante. O fato de serem os únicos a conhecer a escrita tornava-os privilegiados: não pagavam impostos e exerciam autoridade comparável à dos ministros.

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O privilégio de alguns também está na origem das sociedades secretas. A maçonaria, por exemplo, teve sua origem nas corpo rações de construtores e pedreiros na Idade Média, que mantinham em segredo certos processos técnicos de seu ofício para garantir o trabalho a seus associados.

Da mesma forma, lembra a antropóloga Liana Trindade, da Universidade de São Paulo, “seitas ocultistas e grupos religiosos têm segredos que não podem ser revelados a pessoas de fora do grupo, para conservar o poder mágico dos objetos e o controle sobre os leigos”.

Ao longo do tempo, foi sobretudo o poder econômico que pesou, quando povos e empresas aprenderam que “o segredo é a alma do negócio”. Quem detém a técnica de exploração de uma matéria-prima ou de produção de uma manufatura rodeia o seu trabalho de sigilo absoluto. Por exemplo, desde 1886, quando foi lançado o refrigerante Coca-Cola, a fórmula química desse produto permanece um segredo preservado a sete chaves.

Esse rigor na guarda de segredos só faz estimular a sua contrapartida. Não é à toa que nos tempos recentes a espionagem se tornou um negócio altamente rentável e sofisticado. Desenvolveram-se os mais sutis aparelhos para bisbilhotar a vida e o trabalho alheios. Microfones, lunetas, gravadores, máquinas fotográficas são capazes de vulnerar qualquer defesa. Mais recentemente, desenvolveram-se técnicas para penetrar em segredos guardados na memória de computadores (leia reportagem na página 32). Em nível de países, a lista dos equipamentos inclui satélites que vigiam do céu, dia e noite, as modificações da paisagem onde se situam aeroportos, complexos industriais, militares etc.

Mas pode ser que a descrença atual nos segredos esteja ligada à própria origem da palavra. Segredo vem do latim secretu, que significa separado, afastado. E ai está o seu ponto fraco. Afinal de contas, um segredo que não pode realmente ser contado a ninguém não tem graça nenhuma — nem valor. Como dizia o falecido presidente Tancredo Neves, quando alguém vinha contar-lhe uma história, pedindo segredo: “Não conte, não, meu filho. Se você, que é dono do segredo, não consegue guardá-lo, que dirá eu!”

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Para saber mais:

Por favor, leia este texto

(SUPER número 6, ano 2)

Sabe da última?

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(SUPER número 1, ano 3)

A guerra pela informação

O nome de Mata Hari geralmente evoca a figura de uma sedutora espiã, capaz de matar seus amantes sem hesitar, em troca de segredos para os inimigos. Na verdade, Mata Hari era o apelido da dançarina holandesa Margaretha Geertrude Zelle (1876-1917), filha de um chapeleiro, que se casou cedo com um militar escocês para escapar da pobreza. Separada do marido, fez sucesso distraindo os oficiais franceses em Paris, até ser presa no final da Primeira Guerra Mundial e julgada por espionagem. Foi fuzilada aos 41 anos, embora nunca ficasse provado que ela realmente passava documentos secretos aos alemães.

Essa é apenas uma das muitas histórias sobre espiões que tiveram suas vidas enfeitadas por lendas bem ao estilo do personagem James Bond, o agente 007 do escritor lan Fleming (1908-1964). Mas houve casos de verdadeiros espiões que realizaram seu trabalho com tanta eficiência que se tornaram lendas. Entre eles, o russo Richard Sorge (1895-1944) que morreu enforcado pelos japoneses em Tóquio, onde dirigiu durante nove anos uma rede de espionagem soviética. Sorge chegou a avisar a Moscou a data exata da invasão alemã ao território russo. Suas informações foram desprezadas pelo ditador Joseph Stálin. No entanto, o governante não cometeu o mesmo erro duas vezes. Em 1941, Sorge informou que os japoneses tinham removido suas tropas das fronteiras soviéticas para o Sudeste asiático, onde era iminente a guerra com ingleses e americanos. Stálin fez o mesmo, reforçando seu exército na frente contra os alemães.

Merece destaque também o coronel soviético Rudolf Ivanovich Abel (1903-1971), trocado em 1962 pelo piloto americano Gary Powers, abatido quando voava sobre território soviético em trabalho de espionagem. Abel foi enviado à Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, onde pertenceu à Orquestra Vermelha, organização comunista infiltrada na Força Aérea alemã. Terminado o conflito, viveu durante oito anos nos Estados Unidos, onde se supõe tenha dirigido toda a rede de espiões na América do Norte.

Mas o maior de todos os espiões russos foi certamente o aristocrata inglês Kim Philby (1912-1988), que pertenceu ao serviço secreto britânico, onde quase chegou a ser diretor. Mesmo depois de afastado da organização, devido às suspeitas de que fazia jogo duplo, ninguém conseguiu provar nada contra ele. Philby ainda trabalhou como jornalista e agente secreto no Oriente Médio até ser desmascarado. Foram trinta anos de jogo duplo, que ele se encarregou de contar após a sua fuga para a União Soviética em 1963. Philby morreu no começo deste ano.

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