O que esperar da COP26
Começa a conferência climática mais importante dos últimos anos. Entenda por que ela é fundamental, e saiba o que vai acontecer por lá.
Iniciou-se neste domingo (31) a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP26. O evento, sediado no Reino Unido, vai se estender por duas semanas, até o dia 12 de novembro. Chefes de Estado e delegações governamentais de 200 países se reúnem na cidade de Glasgow, na Escócia, com o objetivo de atualizar as metas para conter o aquecimento global e a crise climática.
Cerca de 25 mil pessoas são esperadas no evento, entre líderes mundiais, jornalistas e negociadores para as metas que virão a ser definidas. A conferência ocorre todos os anos desde 1995, mas essa edição é particularmente importante, já que marca o aniversário de cinco anos do Acordo de Paris, assinado por 196 países em 2015 (a COP26 deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiada devido à pandemia).
As expectativas para a COP estão altas: trata-se do primeiro encontro desde o lançamento do sexto relatório do IPCC, em agosto deste ano. O documento, que compilou dados de 14 mil estudos, apresenta cinco cenários possíveis (do mais otimista ao mais pessimista) para o aumento das temperaturas globais – e o que precisamos fazer para atingir cada um deles. Ou seja, se há um momento para discutir e decidir ações, é agora.
Em quatro respostas, veja abaixo o que precisa saber sobre a conferência:
O que é o Acordo de Paris?
Assinado em 2015, é o tratado mais ambicioso já feito pela ONU para conter a crise climática. Ele foi ratificado por 196 países e visa manter o aumento da temperatura da Terra abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais até 2100 (a meta é limitar esse aumento a 1,5ºC).
Para atingir esse objetivo, os países se comprometeram a desenvolver estratégias para diminuir (ou compensar) as emissões de gases-estufa, sobretudo dióxido de carbono (CO2) – os principais responsáveis pelo aquecimento global.
Potências como EUA e União Europeia assumiram o compromisso de atingir a neutralidade de carbono até 2050; a China, até 2060. Isso é especialmente importante, já que os três, juntos, representam 46% do total de emissões de gases-estufa do planeta.
O Acordo de Paris prevê que, a cada cinco anos, os países signatários reafirmem o seu compromisso e apresentem metas ainda mais concretas e ambiciosas para conter a crise climática. Esse é o intervalo estipulado para que as nações elaborem uma nova versão do seu plano de ação, ou NDCs (“Contribuições Nacionalmente Determinadas”, em inglês).
Analisar as versões atualizadas dos NDCs é um dos motivos que tornam a COP26 uma conferência tão aguardada por especialistas. Até agora, 140 países já submeteram à ONU uma versão 2.0 desse plano de ação – os envios mais recentes, de China e Austrália, aconteceram na última quinta (28/10).
Vale ressaltar que a meta de 1,5ºC do Acordo de Paris só será alcançada no cenário mais otimista do IPCC, no qual as emissões de carbono estariam zeradas até 2050. Em um segundo cenário, se puxarmos o freio até 2078, daria para fechar o século com 1,8ºC de aumento. A partir daí, só piora. Você pode conferir todas as projeções neste gráfico.
O que será discutido na COP26?
As apresentações irão ocorrer ao longo das próximas semanas, mas dá para ter uma ideia do que será discutido. Uma das principais pautas é o desequilíbrio entre os principais emissores e os que mais sofrem com as mudanças climáticas. Países em desenvolvimento tendem a emitir menos gases de efeito estufa, mas são os mais afetados pelos eventos climáticos extremos.
“Esse é um debate infinito. A mudança do clima atinge todos, sem exceção – e os últimos eventos climáticos extremos deixaram isso bem claro. Mas quem paga a conta?”, diz Lincoln Alves, pesquisador do INPE e autor-líder do Grupo 1 do IPCC. Estados Unidos e União Europeia reconhecem que estão entre os principais emissores, mas também exigem mais ações de países como China, Índia, África do Sul e Irã.
Em 2009, países desenvolvidos se comprometeram a investir US$ 100 bilhões por ano em fontes de energia limpa em países em desenvolvimento. No entanto, essa meta ainda não foi atingida. Nos últimos anos, países desenvolvidos dedicaram entre US$ 52 bilhões e US$ 79 bilhões anualmente à agenda.
Outro foco de discussão será a meta de 1,5ºC. O relatório do IPCC mostrou que, se as emissões continuarem subindo até 2100, a temperatura global atingirá um aumento de 3,6ºC em comparação a níveis pré-industriais. Se os países reduzirem suas emissões de carbono em 45% até 2030, e então zerarem até 2050, pode ser possível reverter a situação.
Um relatório da ONU publicado este ano mostrou que as atuais NDCs resultariam em uma diminuição de 16% nas emissões de carbono até 2030 – bem abaixo dos 45% ideais. Daí a importância de revisar e atualizar os planos de ação.
Além de reduzir as emissões de gases, as lideranças internacionais ainda devem discutir a restauração de florestas, pantanais, entre outros mecanismos naturais que absorvem carbono do ambiente. Nesse contexto, o desmatamento da Amazônia também estará em pauta.
Ao final do evento, espera-se que os países assinem uma declaração com os principais pontos discutidos. O documento pode incluir compromissos específicos e metas climáticas a serem atingidas, como foi o caso do Acordo de Paris.
Quem irá participar?
A maioria dos países irá mandar representantes do governo à convenção. No entanto, alguns chefes de Estado também estarão presentes, como os presidentes da França, Coréia do Sul, Suíça, República Democrática do Congo, Argentina, Nigéria, Ghana, Turquia e Colômbia. Os primeiros-ministros de Israel, Índia, Canadá, Itália, Suíça, Austrália e Reino Unido também irão participar.
O maior destaque, no entanto, é a presença do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que deve comparecer nos primeiros dias do evento. Donald Trump tinha tirado os EUA do Acordo de Paris. Uma das primeiras ações do mandato do atual presidente americano, porém, foi reintroduzir o país no Acordo. Os Estados Unidos são o segundo país que mais emite gases de efeito estufa no mundo, ficando atrás apenas da China.
Entre outras presenças importantes está a ativista sueca Greta Thumberg, de 18 anos. A rainha Elizabeth II cancelou a presença no evento devido a problemas de saúde, mas outros membros da família real britânica, como os príncipes Charles e William e a duquesa Kate Middleton irão participar.
O Brasil enviará o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto; o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite; e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Bolsonaro não deve participar do evento – ao invés disso, o presidente comparecerá ao encontro do G20, que acontece em Roma entre os dias 30 e 31 de outubro.
Quais são as expectativas em relação à participação do Brasil?
A comitiva nacional que irá a Glasgow não chegará com a melhor das reputações. Segundo o Observatório do Clima, as emissões de gases-estufa por aqui cresceram 9,5% em 2020, impulsionadas pelo desmatamento da Amazônia. O país andou na contramão do resto do mundo, cujas emissões caíram 7% devido à pandemia.
“A participação do Brasil na COP26 ainda é uma incógnita”, diz Alves. Além do cenário do desmatamento, a nova versão da NDC brasileira não agradou especialistas – tanto que, na última semana, o Observatório do Clima entrou com um processo contra a União e o Ministério do Meio Ambiente por “pedalada climática”.
A entidade defende que a NDC atual altera a base de emissões usada para calcular as reduções prometidas – sem atualizar, também, as metas. Em resumo: a nova NDC permitiria ao Brasil emitir o equivalente a 400 milhões de toneladas de CO2 a mais do que o proposto em 2015.
Durante a COP26, as ações do Brasil deverão se concentrar, sobretudo, nas discussões do Forest Deal (“Acordo Florestal”, em inglês), que será anunciado com destaque no dia 2 de novembro. Trata-se de um novo e importante acordo sobre proteção florestal. Espera-se que ele estabeleça como meta até 2030 deter (e reverter) a destruição das florestas a nível mundial, bem como a degradação do solo. À BBC News Brasil, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, secretário de Assuntos Políticos Multilaterais, afirmou que o Brasil vai assiná-lo.