A gente é mais criativo sem patrão
A Internet está matando as grandes gravadoras. E isso está fazendo um bem danado para a saúde da música
Texto André Barcinski
Em janeiro, o site do grupo de rock Dispatch anunciou a venda de ingressos para um show no tradicional Madison Square Garden, em Nova York. A venda seria exclusiva para “amigos” da banda inscritos no site de relacionamentos MySpace. Em menos de 30 minutos, os 22 000 ingressos acabaram. No dia seguinte, a banda anunciou um show extra. No total, vendeu 66 000 ingressos para os 3 shows.
O mais surpreendente nessa história toda: o Dispatch é um grupo independente, sem ligação com nenhuma grande gravadora. O show não teve um mísero anúncio em TV ou em jornais. Nenhuma rádio recebeu “jabá” para tocar músicas da banda. E mesmo assim o Dispatch lotou o Madison Square Garden. Foi a primeira vez que uma banda sem contrato com gravadoras tocou lá.
Outra história curiosa: em 2005, depois de vários anos amargando uma carreira errante, a banda de rock americana OK Go tornou-se um fenômeno de vendas. O motivo? Um vídeo caseiro, que mostrava os 4 músicos da banda dançando uma coreografia ridícula para a faixa A Million Ways. O clipe – gravado no quintal da casa de um deles – foi parar no YouTube, onde em pouco tempo foi acessado mais de 10 milhões de vezes e tornou-se o vídeo musical com maior número de visitas já registrado. No ano seguinte, a banda repetiu a dose: lançou no YouTube o clipe de Here it Goes Again, mostrando outra coreografia constrangedora, desta vez em cima de esteiras de ginástica. O novo clipe foi visto mais de 20 milhões de vezes e deu à banda o Prêmio Grammy de 2007 de melhor videoclipe.
Dispatch e OK Go têm uma coisa em comum: as duas bandas se deram bem à revelia da grande mídia e das grandes gravadoras. O Dispatch sempre teve gravadora própria; já o OK Go agora é contratado da Capitol Records, a lendária casa de Beatles, Pink Floyd, Queen e Frank Sinatra. Mas a Capitol só ficou sabendo do fenômeno que o OK Go havia se tornado depois que milhões de fãs conheceram o grupo via YouTube. Ou seja: como em muitos casos, a “grande gravadora” estava atrasada, perdida, demonstrando uma total falta de sintonia com os fãs e com os novos conceitos de marketing que apelam à geração MySpace.
Quem está em crise?
Hoje, fala-se muito em “crise da indústria da música”. As grandes gravadoras tentam barrar o download ilegal, processando sites e, muitas vezes, os próprios fãs. É verdade que o número de discos vendidos cai: em 2006, a venda de CDs nos EUA caiu cerca de 14% em relação a 2005; a previsão para 2007 é de uma nova queda, que pode chegar a 20%. Grandes redes internacionais de lojas de discos, como a Tower e a HMV, faliram e fecharam as portas.
São números reais, mas que escondem outra verdade: a tal “crise” não atinge a indústria da música, mas a indústria do CD, que são coisas bem diferentes. “As gravadoras não estão interessadas em vender música, mas em vender discos de plástico”, diz David Kusek, co-autor de The Future of Music (“O Futuro da Música”, sem edição brasileira). A verdade é que nunca se ouviu tanta música no mundo.
O que estamos vivenciando é uma era de descentralização do controle sobre a música. E, quanto mais as gravadoras perdem o controle sobre as bandas, desde sobre o que elas devem gravar até sobre o que vestir, a cara de bravo que precisam fazer, mais o público gosta do trabalho dos músicos.
Desde 1999, o número de ingressos vendidos para shows nos EUA subiu mais de 100%. Novos meios de distribuição de música – como ringtones para celulares ou trilhas sonoras de videogames – vêm crescendo a cada ano.
Cada vez mais, os artistas percebem que não precisam das gravadoras. Sites como MySpace possibilitam o contato direto com os fãs, sem intermediários. Se antes os músicos reclamavam do privilégio que alguns artistas tinham na programação das rádios, agora qualquer um pode montar a própria rádio na internet e divulgá-la via MySpace ou site próprio.
Nesse turbilhão de novidades, as gravadoras parecem perdidas. “O paradigma da indústria da música sempre foi o de manter total controle sobre os artistas e o público”, diz Gerd Leonhard, que também assina o livro O Futuro da Música. “A indústria está sendo forçada a rever seus conceitos nessa era digital, que claramente tende a dar o controle ao cliente. (…) Muitos executivos da indústria da música achavam que eram donos do mundo. Eles estavam acostumados a se ver como donos de seus feudos e, por extensão, donos do gosto de seus clientes.”
Em um livro chamado The Long Tail – Why the Future of Business Is Selling Less of More (“A Longa Cauda – Por Que o Futuro dos Negócios é Vender Menos de Mais”, sem tradução para o português), o editor da revista Wired, Chris Anderson, vai mais longe: segundo ele, o futuro do mercado de cultura pop – não só da música – está em explorar nichos de mercado, não confiando só nos blockbusters que lideram as paradas de sucesso.
Anderson diz que a oferta ilimitada proposta por sites de compra de música, filmes e livros tem possibilitado ao consumidor ir mais fundo em suas escolhas. “Os sucessos de antigamente aconteciam muitas vezes pela falta de alternativa para o consumidor.” Agora acontece o contrário: todo mundo pode escolher o que ver, ouvir, ler, quando quiser, do jeito que bem entender. Ninguém impõe mais nada. A escolha é do freguês.
Som em altos e baixos
A venda de discos nos EUA não pára de cair: neste ano, a previsão é de uma queda de cerca de 20%. Mesmo assim, nunca se ouviu tanta música como agora – os shows, por exemplo, estão cada vez mais lotados.
Vendas de…
1º TRIMESTRE 2006
…Músicas pela internet – 242 milhões
…CDS – 112 milhões
1º TRIMESTRE 2007
…Músicas pela internet – 288 milhões
…CDS – 89 milhões
Ingressos para shows
1º TRIMESTRE 2005
10,6 milhões
1º TRIMESTRE 2006
13,6 milhões