A jornada de Duna, do livro ao novo filme
Entre adaptações malsucedidas (e um especial de TV), veja os caminhos que levaram à recente versão deste clássico da ficção científica.
Nesta quinta (21), chega aos cinemas brasileiros Duna, adaptação do livro homônimo do americano Frank Herbert e que é considerada umas ficções científicas mais vendidas (e influentes) de todos os tempos.
Para o filme, que é dirigido por Dennis Villeneuve (A Chegada, Blade Runner 2049), a Warner Bros. investiu US$ 165 milhões. É uma das maiores apostas recentes do estúdio – ainda mais se considerarmos o passado dessa história nas telas.
Pois é: o novo Duna não é a primeira adaptação audiovisual do livro de Herbert, mas sim a terceira (se você nunca ouviu falar das outras duas, pode imaginar o nível de qualidade). Isso sem falar nas tentativas que nunca vingaram. Uma delas, inclusive, foi tão emblemática que rendeu um documentário sobre os bastidores do fracasso.
Mas vamos por partes. Abaixo, você confere uma linha do tempo com os caminhos que levaram ao filme da Warner– para ler antes (ou depois) de assisti-lo:
1965 – O livro
No futuro de Duna, a humanidade se organiza em um império espacial, e há uma disputa entre três famílias pelo controle do planeta Arrakis, única fonte de melange (também chamada apenas de “especiaria”). A substância movimenta toda a economia desse universo, já que permite viagens pelo espaço (e confere certos poderes a quem entra em contato com ela) – uma metáfora de Frank Herbert para a exploração de petróleo.
O protagonista da história é Paul Atreides, que nesta versão será interpretado por Timothée Chalamet. Paul é filho do Duque Leto (Oscar Isaac), líder da Casa Atreides que, por gerações, comandou o planeta Caladan. Em Duna, eles assumem a supervisão das minas de Arrakis (lar dos Fremen, povo que luta pela sobrevivência por lá mesmo com a exploração do império). Mas tudo faz parte da uma conspiração arquitetada pelo imperador Palashan e pela Casa Harkonnen, que querem se livrar dos Atreides.
1975 – Planos frustrados
O primeiro que tentou adaptar Duna foi o chileno Alejandro Jodorowsky. Àquela altura, o cineasta, que vinha do teatro experimental, havia ganhado atenção com El Topo (1970), um faroeste repleto de violência, sexo e simbolismos religiosos. O filme, que havia custado uma mixaria, fez um relativo sucesso – o que o levou ao seu próximo longa, A Montanha Sagrada (1973). John Lennon foi um dos financiadores da produção.
Depois, Jodorowsky colocou na cabeça a ideia de fazer Duna. Mas não seria uma simples adaptação. Ambicioso (e nada modesto), o diretor queria criar algo épico e que entrasse para a história do cinema. Junto a um amigo produtor, ele alugou um castelo na França e começou a trabalhar no roteiro – que acabou ficando bem diferente da história original.
Munido de diversas artes conceituais (como as da imagem acima) e um storyboard de mais de três mil páginas, Jodorowsky queria que o filme durasse mais de 10 horas. Não só isso: seu plano era que parte da trilha composta fosse feita pelo Pink Floyd – e Orson Welles, Mick Jagger e Salvador Dalí eram algumas de suas opções para o elenco.
No fim, ninguém topou bancar o plano ambicioso de Jodorowsky – mas nem por isso ele deixou de influenciar o cinema. Grande parte da equipe que contratou seguiu trabalhando em Hollywood, como Hans Rudolf Giger, que, em 1979, foi um dos responsáveis pelo visual do filme Alien. Além disso, o chileno defende que muitas das artes e ideias do projeto foram reaproveitadas por estúdios em outras produções.
Todos esses bastidores são tão fascinantes que poderiam render um filme. E rendeu: Jodorowsky’s Dune (2013) é um documentário que esmiúça essa tentativa frustrada. Dá para assistir no YouTube.
1984 – Debaixo do tapete
Nos anos 1980, David Lynch foi chamado para dirigir Duna. Parecia o casamento perfeito: pelos seus dois primeiros filmes, Eraserhead (1977) e Homem-Elefante (1980), Lynch tinha a dose de surrealismo necessária para adaptar a obra, além de conferir mais segurança do que Jodorowski aos estúdios para entregar um bom filme (Homem-Elefante, além do sucesso comercial, foi indicado a oito estatuetas do Oscar).
Mas não rolou. Sem controle criativo, ele precisou regravar e cortar várias cenas. Resultado: um filme tão confuso que alguns cinemas entregavam um glossário dos personagens e locais da história aos espectadores. Foi um fracasso de crítica e de bilheteria.
(Curiosamente, ele está em boa parte da plataformas on demand disponíveis no Brasil, caso queira conferir.)
Posteriormente, algumas versões de Duna exibidas na TV foram creditadas a Alan Smithee. Não foi um erro, tampouco o reconhecimento de algum braço direito de Lynch. Na verdade, esse cara sequer existe.
Acontece que “Alan Smithee” é um pseudônimo usado quando cineastas renegam uma obra. Ele foi usado pela primeira vez em 1969, no faroeste Só Matando. Desde então, apareceu em diversos longas, como Hellraiser IV (1996) e em alguns episódios da série do MacGyver, nos anos 1980.
Não era qualquer um que podia se aproveitar do pseudônimo. Para usá-lo, o cineasta precisava provar ao Sindicato dos Diretores (DGA, na sigla em inglês) que havia perdido completamente o controle criativo da obra para os produtores ou para o estúdio.
O “esquema” foi revelado ao público no final dos anos 1990, graças ao documentário An Alan Smithee Film: Burn Hollywood Burn. Ainda assim, o pseudônimo continua sendo usado como referência ou piada interna. Ele tem até uma página no IMDb, com mais de 100 filmes creditados.
2000 – Universo expandido
Desde o seu lançamento, Duna já virou jogo de tabuleiro, RPG e videogame. Na virada do século, o filho mais velho de Frank Herbert, Brian, iniciou uma série de livros que complementam a saga original (além do primeiro, de 1965, há outros cinco).
Na mesma época, o canal Sci-Fi investiu US$ 31,7 milhões (valor ajustado pela inflação) para criar uma minissérie da história. Os três episódios são estrelados por Alec Newman, que dá vida a Paul Atreides, e William Hurt (o coronel Ross dos filmes da Marvel) como Duque Leto. Você pode assistir ao trailer aqui.
2016 – Investimento pesado
A produção do novo Duna começou a esquentar em 2016, quando o estúdio Legendary adquiriu os direitos de adaptação do livro. O diretor Denis Villenueve logo entrou na jogada e, de cara, percebeu que seria impossível adaptar a história em apenas um filme.
“O mundo [de Duna] é muito complexo, e é nos detalhes que ele ganha força”, contou o diretor à Vanity Fair em 2020. Ele disse que só toparia o projeto se ele fosse dividido em dois capítulos. A Warner Bros., parceira da Legendary, concordou. Na época, o estúdio havia feito algo similar com It: A Coisa – e arrecadou mais de US$ 1 bilhão com as duas partes da adaptação do livro de Stephen King.
Para filmar as cenas do deserto de Arrakis, a produção de Duna gravou nos arredores de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes – o que explica parte do orçamento de US$ 165 milhões. O resto, provavelmente, se deve ao elenco estelar: Zendaya, Josh Brolin, Jason Momoa e Javier Bardem, só para citar alguns.
Se Duna der certo, Villenueve ganhará sinal verde para filmar o segundo filme, que mostrará os eventos da outra metade do livro (a ideia inicial era gravá-los juntos, mas a Warner decidiu ser cautelosa). Existem ainda planos para uma trilogia: nesse caso, o terceiro longa adaptaria o segundo volume da saga de Herbert, O Messias de Duna. É esperar para ver.