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Batucada de bamba

A capoeira veio de Angola e o berimbau, de Benin, também na África, e só se encontraram no Brasil. O pagode, acredite, inspirou-se na Índia. Essas e outras descobertas surpreendentes foram feitas por uma equipe da MTV que rodou 80 000 quilômetros por dezenove Estados, investigando a diversidade musical brasileira.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 Maio 2000, 22h00

Celso Masson

Samba

De umbigada em umbigada

O mais famoso ritmo brasileiro, o samba, só ganhou seu nome e a forma como é conhecido no início do século XX. A fonte foi uma dança africana trazida do Congo, a semba – ou “umbigada”. A metamorfose se completou na casa da tia Ciata, na Rua Visconde de Itaúna, 117, no bairro Cidade Nova, Rio de Janeiro, onde um grupo de músicos negros reunia-se para cantar e brincar. “É a alegria de brincar”, afirma o antropólogo Hermano Vianna, autor do projeto Música do Brasil, da MTV, “que faz todo dia surgir uma música nova no Brasil.”

Lá na Cidade Nova foi composta, para o Carnaval de 1917, o samba Pelo Telefone, que Ernesto dos Santos, o popular Donga (1890-1974), registrou na Biblioteca Nacional, em 6 de novembro de 1916, como seu. Foi o primeiro samba gravado. Sabe-se, entretanto, que o ritmo já estava em gestação em 1893, no Morro da Saúde, onde vivia uma comunidade baiana, fundadora do rancho Dois de Ouro, uma espécie de bloco carnavalesco. O samba surgiu da brincadeira.

Algo mais

O instrumento mais comum na música brasileira, encontrado em quase todos os estilos e todas as regiões, é a caixa de guerra – ou apenas caixa. Tocado com baquetas, o tambor tem como marca registrada o som chiado, gerado por uma esteira vibrante. Sua origem remonta à infantaria suíça do século XIV. De lá foi para Portugal, de onde veio para o Brasil.Pagode

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Botequim oriental

O nome pagode, dado às rodas de samba informais que resultaram no gênero atual de sucesso, vem da palavra indiana “pagoda”. Ela foi adotada há séculos, pelos portugueses, para se referir a qualquer templo oriental. Faz sentido se levarmos em conta que a roda de samba surgiu nos templos da boemia carioca da década de 20 – os botequins – nos anos de ouro do bairro de Vila Isabel. O termo pagode já é encontrado em versos escritos em 1918 pelo compositor Catulo da Paixão Cearense. Em sua canção Terra Caída, a palavra já aparece como sinônimo de samba e festa. Na verdade, antes dos modernos grupos de samba pop adotarem o nome pagode, não havia diferença entre esse gênero e a roda de samba.Capoeira

Casamento africano, batismo tupi

O primeiro registro de um berimbau no Brasil data de 1739 e foi feito na alfândega do porto de Santos. Vindo do Benin, na costa ocidental africana, o instrumento se tornou indissociável da capoeira, a arte marcial praticada pelos escravos bantos, que, por sua vez, vieram de Angola. Tudo indica que a música serviu para tornar a temível capoeira mais palatável, disfarçando-a como dança. Assim, a capoeira e o berimbau só se encontraram em solo brasileiro, em mais nenhum lugar. Outro detalhe: a luta africana foi batizada pelos índios. Segundo o tupinólogo Nicolau Leite, capoeira equivale a “mato arrancado com as mãos”. Refere-se, com algum exagero, às clareiras abertas na mata onde os escravos negros rebelados treinavam os golpes.Reisado

Caretas de Cristo

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A folia do reisado, típica do Piauí, espalhou-se pelo Brasil de maneira epidêmica. Ela acontece sempre na época do Natal, lembrando a visita dos Reis Magos ao menino Jesus. O elemento mais curioso é a presença dos “caretas”, palhaços que oferecem espetáculos teatrais evocando o nascimento de Cristo. A forma musical não é menos interessante: trata-se de derivações de trovas medievais e de modinhas, canções sentimentais do século XVIII. Até hoje ninguém sabe precisar a origem do reisado, perdida em algum ponto da Idade Média portuguesa, entre o Minho e a região do Porto, no norte do país.Bumba-meu-boi

Mistério onipresente

“O mais impressionante em nossas viagens foi descobrir como uma única tradição vai se alterando ao se adaptar aos costumes locais”, contou à SUPER o antropólogo Hermano Vianna. “O melhor exemplo é o festejo do boi. Encontrei tantas variações que desisti de procurar o original”, confessa.

Em todo o país, a narrativa encenada com música e dança é sempre parecida: uma rês morre e é ressuscitada por um curandeiro. A partir daí, vale tudo. O boi maranhense é tocado com pandeirões e roncador (uma cuíca enorme, de som grave). Já os catarinenses usam acordeão.

O que se tornou, nos últimos anos, o mais popular de todos – o boi-bumbá, de Parintins, no Amazonas – evoca a rivalidade e a grandeza das escolas de samba cariocas, em pleno Rio Negro. Dois blocos, o Garantido e o Caprichoso, competem pela encenação mais vistosa e animada da lenda e a festa, que dura três dias todo final de junho, chega a atrair 50 000 pessoas.

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Já o pesquisador José Ramos Tinhorão garante que a folguedo deve-se a uma contribuição do holandês Maurício de Nassau. Para inaugurar a ponte sobre o Rio Capiberibe, em Recife, no dia 28 de fevereiro de 1644, o conquistador da cidade teria mandado empalhar um boi que, amarrado por cabos, criava a ilusão de voar pelos ares. A atração teria sido criada por razões econômicas, já que a travessia da ponte exigia o pagamento de pedágio. A mesma história é narrada no capítulo O Boi de Palha, do livro Geografia do Brasil Holandês, do folclorista Luís da Câmara Cascudo.Lundu

Indecência brasileira, tristeza portuguesa

O lundu foi mais um presente africano à música brasileira, trazido pelos escravos do Congo e de Angola. O ritmo surgiu apenas como batuque, mas foi se transformando em uma modalidade de canção – exatamente como aconteceria com o samba. Os cronistas do século XVIII descreviam a dança como indecente – mas hoje admite-se que nessas canções está a origem do fado lusitano. Esse estilo melancólico, que se tornou a típica música portuguesa, teria sido criado a partir do lundu por portugueses residentes no Brasil. Com o regresso de D. João VI a Lisboa, em 1821, o fado teria finalmente desembarcado em Portugal. Para José Ramos Tinhorão, a prova está no livro Memórias de um Sargento de Milícias (1852), de Manuel Antônio de Almeida, em que a dança do fado é descrita como um lundu-canção “mais inspirado”.Maxixe

Cabaré globalizado

O maxixe, ritmo que fazia estremecer os cabarés cariocas no final do século XIX, nasceu da desvairada fusão do lundu afro-brasileiro com o tango argentino, a dança habanera cubana e a polca européia. Essa, aliás, teve influência tão forte no Brasil que gerou mais um filho: o chorinho. De origem polonesa, a polca estreou no Rio em 1845, introduzida na corte de D. Pedro II por músicos portugueses e, junto com a valsa, passou a dominar os bailes da elite. A palavra maxixe – o apelido de um famoso boêmio da época – era então sinônimo de coisa barata, vulgar, de baixa qualidade. Em 17 de abril de 1883, o ator e bailarino Francisco Correa Vasques, incumbido de interpretar no Teatro São Pedro um malandro carioca, criou o quadro Maxixe, dançando de maneira lasciva aquilo que, para a orquestra, era uma polca-tango. Os passos da nova dança se popularizaram e passaram a ser praticados por casais nos cabarés da Lapa, onde o maxixe era descrito pela crônica de costumes como “enlace impudico de dois corpos”. A brejeirice do novo estilo conquistou os republicanos, que se esforçavam para apreciar a cultura popular e achavam a polca uma europeização excessiva. Mas quem mais contribuiu para a aceitação do maxixe na sociedade foi a pianista e maestrina Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Até então, a polca e o piano eram bem-vistos, mas o violão e ritmos como maxixe e lundu eram coisa de marginais. A mania dos ritmos erotizados – como a lambada ou a dança da garrafa – vem de longa data no Brasil.Zambiapunga

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Ritmo de enxada, melodia de búzio

Um dos estilos menos conhecidos investigados pela equipe da MTV vem do litoral sul da Bahia. Os pescadores dos vilarejos da região costumavam anunciar sua chegada do mar apitando em grandes búzios, furados em uma das extremidades. Esses instrumentos de sopro marinhos passaram, então, a animar as festas locais, como se fossem pífanos. Mais tarde, um grupo de mascarados juntou-se aos apitos, tocando instrumentos igualmente inusitados: enxadas, percutidas com pequenas barras de ferro. Assim se formou a estranha zambiapunga. A data exata de sua introdução é desconhecida, mas os mascarados são citados no livro O Negro Brasileiro (1934), de Artur Ramos Pereira.Siriri

Carnaval em domicílio

O siriri é uma peculiar versão mato-grossense do Carnaval: acontece na mesma época do ano, com um desfile de rua que, sem a menor cerimônia, vai invadindo as residências. O primeiro registro data de 1919, no livro O Folclore, de João Ribeiro Fernandes. A origem de seu batismo brinca com o gesto de fisgar com anzol, conhecido como “siriricar” – é assim que os cavalheiros vão de casa em casa, para siriricar e pescar as damas. O ritmo lembra o samba.

Para saber mais

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Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, Ediouro, São Paulo, 2000.

Na Internet

https://www.bn.br/musica

Mário de Andrade, pioneiro inspirador

A música popular brasileira começou a ser escarafunchada para valer nos anos 30, quando o escritor Mário de Andrade (1893-1945) empreendeu a pioneira Missão de Pesquisas Folclóricas, percorrendo 28 cidades do Norte e Nordeste. Em sete meses, a equipe liderada pelo autor de Macunaíma gravou 168 discos, e suas anotações resultaram em livros como Música do Brasil (1941) e Dicionário Musical Brasileiro (iniciado em 1929, mas só publicado postumamente, em 1989).

Metódico ao extremo, o escritor organizou todas as anotações em 3 754 envelopes, que correspondiam aos verbetes do Dicionário. A pesquisa não descobriu nenhum gênero desconhecido, mas deu a cada um deles uma classificação definitiva, corrigindo vários erros de estudos anteriores.

Um exemplo é o baião, verbete em que Mário confrontou dezesseis acepções diferentes, para concluir que o termo era uma fusão das palavras “baile” e “baiano”

Foi inspirado por essa investigação que o antropólogo Hermano Vianna decidiu fazer um novo censo musical do país. O material foi reunido em uma série de quinze programas exibidos pela MTV brasileira de março até este junho. Os quatro CDs e um livro, tudo sob o nome Música do Brasil, já estão à venda.

Outro empreendimento que visa mapear as tradições musicais brasileiras, registrar amostras e disponibilizar tudo para o grande público também é o objetivo do Núcleo de Música do Instituto Itaú Cultural, que em maio lançou uma “rede de relacionamentos” entre os pesquisadores do tema, conforme definição do autor do projeto, o músico Benjamin Taubkin. Essa rede oferece documentos, depoimentos e gravações e foi precedida de apresentações que incluem aulas-espetáculo de danças como o xondáro, dos índios guarani.

Onde ouvir gravações históricas

A expedição pioneira de Mário de Andrade não tinha caráter comercial, por isso suas gravações nunca chegaram ao mercado. Mas as obras podem ser consultadas no acervo da discoteca do Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000, São Paulo, SP). Alguns volumes foram copiados para o catálogo fonográfico da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

A gravadora americana Rykodisc lançou um CD em 1997 com parte do material coletado nos anos 40 pelo compositor e pesquisador carioca Luís Heitor Corrêa de Azevedo. O disco

L. H. Corrêa de Azevedo: Music of Ceará and Minas Gerais pode ser comprado no site https://www.rykodisc.com.

Nos anos 70, o publicitário Marcus Pereira fez outra incursão pelos cafundós do Brasil, gravando quatro LPs que se tornaram antológicos.

A série, batizada Música Popular…, foi reeditada em CD pelo selo ABW, mas é dificílima de ser encontrada. Mais fácil de adquirir é a coleção Documento Sonoro do Folclore Brasileiro, com oito volumes, produzida pela Funarte e relançada em CD pela gravadora Atração Fonográfica.

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