Brasil abaixo de zero: onde se esconde o curling nacional?
Não há uma pista de curling por aqui. Mas 40 brasileiros praticam o esporte em Vancouver, no Canadá. E nossa seleção já jogou contra os melhores do mundo
Os Jogos Olímpicos de Inverno começaram hoje (9) na Coreia do Sul. Mas os jogadores de curling brasileiros – sim, eles existem – encararam um dos maiores desafios de suas vidas um mês antes, em London, no Canadá. Ao longo da segunda semana de janeiro, uma equipe de quatro atletas liderada pelo gaúcho Marcelo Mello encarou um melhor de cinco contra a seleção do Canadá – a melhor do mundo – por uma vaga no campeonato mundial de equipes masculinas, que começa em Las Vegas em 31 de março deste ano.
Os canarinhos da vassoura não passaram das eliminatórias, e dificilmente passariam: só há duas vagas reservadas a países das Américas na disputa. Os EUA, por sediarem esta edição do evento, tem a primeira garantida. Resta o Canadá, campeão mundial de 2016 e 2017, para disputar a segunda conosco.
Mello – que, além de jogar, comenta esportes de inverno na SporTV – afirmou à mídia internacional que nunca teve a pretensão de ganhar. Para ele, jogar contra o Canadá, além de uma honra, era uma maneira de chamar a atenção da mídia brasileira para seu esporte. “Se eu não continuar até as próximas gerações começarem, o curling vai morrer no Brasil. Nos últimos dez anos, nos esforçamos muito para divulgar o esporte no país.”
O curling, de fato, não é um sucesso de audiência no Brasil – mas ganha alguns seguidores fiéis de quatro em quatro anos, graças ao jogos de inverno. É praticado em uma pista de 45 metros de comprimento e 5 de largura, revestida de um gelo preparado para ter pebbles (pequenas gotas de água que, ao congelarem, tornam a superfície rugosa). Duas equipes se alternam para lançar pedras de granito lisas, com alças, de uma extremidade à outra. A ideia é fazer com que elas parem o mais perto possível do centro de um alvo – acompanhe abaixo.
As pedras não são lançadas com força. Pelo contrário: deslizam lânguidas rumo ao alvo, cumprindo uma estratégia traçada com cuidado pelas equipes. Às vezes batem nas pedras adversárias, para afastá-las do centro do alvo e evitar que o oponente pontue. Às vezes estacionam no centro, e fazem o placar pular. A velocidade que a pedra alcança e a trajetória que percorre não são só responsabilidade do lançador. Depois do arremesso, outros membros da equipe usam vassouras especiais para atritar o gelo na frente da pedra – medida que altera as características da superfície e manobra sutilmente o monolito.
E põe monolito nisso: cada pedra, perfeitamente lisa, pesa algo entre 17,24 kg e 19,96 kg. Elas são feitas de granito maciço, que idealmente deve ser retirado de uma pedreira na ilha de Ailsa Craig, no litoral da Escócia. Tradição é tradição: pedras de curling de 1511 já foram encontradas na região. O outro motivo pelo qual Ailsa Craig é um lugar legal é que ela é repleta de puffins, os pássaros extra-simpáticos desta matéria. Na década de 1990, as autoridades proibiram a exploração econômica da ilha, que estava afastando os bichinhos. Não faz mal: a Kays, principal fornecedora do curling, diz que já acumulou matéria prima por um bom tempo.
Um conjunto de pedras tem 16 delas – oito para cada equipe, diferenciadas pela cor das alças. Se você vive no Brasil, sua única oportunidade de ver uma é pela TV, mesmo. Segundo Tiago Wisnevski, gerente esportivo da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), um jogo de 16 gordinhas sai, com sorte, 20 mil dólares. O resto do equipamento também não sai por cifras muito agradáveis.
“As vassouras custam por volta de 300 dólares”, afirmou à SUPER. “Quase todas são de fibra de carbono. A parte que entra em contato com o gelo é feita de uma esponja sintética, regulada pela federação internacional. Só entram as aprovadas”. Um par de sapatos especializado, que sai por no mínimo 80 dólares, não é simétrico: um dos calçados, usado para escorregar na pista, têm uma sola lisa, de Teflon. O outro é de borracha, para dar aderência quando necessário.
Mesmo que você adquira todos os itens da lista acima, ainda precisará de uma pista. Más notícias: não há nenhuma no Brasil. Os pioneiros do curling brasileiro foram quatro estudantes de pós-graduação da Universidade de Sherbrooke, na província de Quebec – que formaram uma equipe em 2009. A iniciativa foi tão inesperada que foi até parar no New York Times. Hoje, só em Vancouver, há mais de 40 imigrantes brasileiros se dedicando ao esporte – mais do que o suficiente para eles organizarem um campeonato entre si, que já está na sua terceira edição. A competição é disputada por duplas mistas – equipes formadas por um homem e uma mulher.
No Brasil de fato, implantar o curling é mais difícil. Wisnevski ainda não vê como instalar uma pista de gelo em território nacional seguindo todos os parâmetros oficiais. São muitas exigências técnicas, e o preço é alto. O mais próximo disponível é uma pista de street curling – uma espécie de simulação do esporte, feito em uma pista mais curta, de material sintético, com rodinhas embaixo das pedras. Ela serve para divulgar o esporte, não para prática profissional. E já saiu caro. “Foram US$ 12 mil, e só o desembaraço no porto custou R$ 30 mil. Taxas, impostos, transporte.”
Não importa, Tiago está esperançoso. “O curling de duplas a gente tende a crescer. Em breve a gente terá resultados esportivos muito bons. Quem sabe Beijing, em 2022?” O local dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno já está definido. O Brasil ter quatro anos para chegar lá. Afinal, se a Jamaica conseguiu no bobsled, por que não?