Estrogonofe original leva creme azedo – e nada de ketchup
O prato é a junção do amor da elite russa pela culinária francesa com os hábitos alimentares dos camponeses. Veja como preparar a receita.
Durante o reinado do czar Pedro, o Grande, entre 1696 e 1725, começou um caso de amor crônico da elite russa com a cultura francesa. Se hoje os brasileiros de classe média estudam inglês, vão à Disney e comem costela com molho barbecue, os russos da época passaram a falar francês, viajar à França e a comer como franceses.
Para os pobres, porém, a coisa continuava (com o perdão do trocadilho) russa. “Uma dieta de pão, mingau e sopa, suplementada pelo que quer que conseguissem coletar na natureza”, escreve a historiadora Darra Goldstein no livro O reino do trigo: uma breve história da culinária russa.
“Camponeses que tinham uma vaca consumiam uma variedade de laticínios (…) como smetana, ou creme azedo.” O mingau, feito com trigo-sarraceno, não era doce: era comum temperá-lo com cebola e cogumelos selvagens.
O estrogonofe nasceu na encruzilhada desses hábitos. Goldstein o define como uma versão de um guisado de carne – que chegou da França com o nome de ragôut (no Brasil, é “picadinho”, mesmo. Mas você já deve ter ouvido a palavra ragú, aportuguesada).
Os cogumelos são algo russo; substituem cenouras ou batatas usados nos guisados de outros países. Também é de origem eslava o creme azedo que se põe no molho ao final (o creme de leite da versão brasileira não tem o mesmo gostinho de iogurte). Por fim: o normal, na terra da vodka, é servi-lo com purê de batata – o arroz não é um carboidrato comum na Rússia.
A história mais comum – não há evidências conclusivas – reza que o prato foi criado pelo cozinheiro francês Charles Briere, um funcionário no palácio da riquíssima família aristocrática dos Stroganov, em São Petesburgo (capital russa, na época). Um livro de receitas russo de 1871 já contém “carne a la Stroganov, com mostarda”.
Flambar as tiras de carne com conhaque e temperá-las com mostarda são influências francesas. Ketchup ou molho de tomate não eram parte da receita original; entraram no rolo só no século 20, quando o prato desembarcou nas Américas. É provável que o prato tenha chegado ao Brasil indiretamente, com escala nos EUA, já que a imigração russa não foi numerosa aqui.
Há dezenas de variações da receita na Rússia e mundo afora. A versão abaixo é próxima dos hábitos russos. Nós testamos em casa – e o dito-cujo não deve em nada ao brasileiro: os cogumelos frescos têm sabor para valer, ao contrário dos champignons em conserva, e o creme dá um azedinho bem-vindo.
Este post é mais um da série da Super sobre comidas estrangeiras favoritas dos brasileiros (leia outros aqui nos links relacionados):
A receita
Rendimento: 4 porções, aproximadamente.
Ingredientes
500 g de filé mignon em tiras;
250 g de cogumelos frescos (no Brasil, é fácil encontrar o portobello ou o paris);
1 shot (60 ml) de conhaque;
1 xícara de creme azedo;
1 ou 2 colheres (conforme preferir) de mostarda. Prefira as “rústicas”, com grãos;
½ xícara de caldo de carne;
1 cebola roxa;
Manteiga ou óleo para refogar;
Sal e pimenta do reino conforme necessário.
Como fazer
1. Refogue a cebola (em anéis) com manteiga. Depois, adicione os cogumelos com sal e pimenta e dê uma fritadinha. Tampe a frigideira até os cogumelos amolecerem ligeiramente e soltarem um caldo saboroso. Reserve.
2. Refogue a carne já temperada com sal e pimenta. Pré-aqueça a frigideira e não fique mexendo as tiras: espere elas ficarem com regiões marrom-escuro e se descolarem do fundo. Esse queimadinho no fundo da panela, resultado do chamado “efeito Maillard”, é essencial para o sabor. Só depois é hora de virar.
3. Adicione o conhaque – e flambe se souber a técnica. Ponha de volta os cogumelos e as cebolas. Adicione a mostarda e o caldo de carne. Misture o creme azedo e ajuste o sal. Sirva com purê de batatas e picles.
Dica do chef: Não encontrou creme azedo para comprar? Normal. Iogurte natural com um pouquinho de limão ou iogurte grego sem açúcar são bons substitutos.
Outra dica do chef: estrogonofe da Super é baseado no do blog e canal do YouTube Vikalinka, que tem muitas receitas russas. Vale checar.