O próximo Superman dos cinemas pode ser negro. E isso é ótimo.
Decisão é reflexo da promessa da DC (e da Marvel) de incluir mais diversidade em seus filmes – na frente e atrás das câmeras.
Na última quarta-feira (5), o site The Hollywood Reporter, especializado em cinema e TV, publicou uma reportagem sobre o futuro filme do Superman, feito pela Warner Bros. A matéria detalha os bastidores do estúdio para escolher o diretor e protagonista do longa – que, ao que tudo indica, será vivido por um ator negro.
Os rumores não são de hoje, e se fortaleceram em fevereiro, quando a Warner anunciou que o roteirista do próximo filme do Homem de Aço será Ta-Nehisi Coates, premiado escritor e jornalista americano. Coates já escreveu para diversas publicações, como The Atlantic e Washington Post, além de livros como Entre o Mundo e Eu, no qual fala sobre racismo e as (duras) vivências dos negros nos EUA. Nos quadrinhos, ele criou histórias para o Pantera Negra e para o Capitão América.
Contudo, fãs mais conservadores têm torcido o nariz para a mudança. Eles defendem que um Superman negro, de certa forma, alteraria a essência do personagem, criado em 1938 por Jerry Siegel e Joe Schuster.
No Twitter, um dos que reclamaram após a notícia foi o deputado estadual Eric Lins (DEM-RS). Com a repercussão negativa, ele deletou o tuíte, mas, horas depois, voltou a publicá-lo, como imagem:
Não demorou para que outras pessoas contra-argumentassem. Este tuíte, por exemplo, citou uma série de versões modernas de super-heróis dos quadrinhos, do Lanterna Verde gay ao Capitão América nativo-americano. Já o site O Fórum lembrou que o Superman já foi até comunista, na história Entre a Foice e o Martelo (2003), escrita por Mark Millar.
Um Superman negro, para dizer a verdade, não seria exatamente novidade. Nas HQs, isso já aconteceu algumas vezes, e o caso mais famoso talvez seja o de Calvin Ellis, que surgiu em 2009 em um dos volumes da saga Crise Final. Ellis, assim como Clark Kent, é um kriptoniano, só que em uma versão alternativa da Terra dentro do multiverso da DC Comics. E olha só: além de super-herói, ele é presidente dos EUA nas horas vagas.
Nos cinemas, a história é outra. Em todas as adaptações cinematográficas da DC, nunca houve um homem negro no papel principal – a exceção fica por conta de Halle Berry em Mulher-Gato (2004). E dar um passo rumo a essa atualização no maior herói da editora é uma excelente ideia.
Mais diversidade
Não é de hoje que mudanças do tipo geram debates na internet. Em 2015, por exemplo, a peça teatral Harry Potter e a Criança Amaldiçoada escalou Noma Dumezweni, uma atriz negra, para interpretar Hermione Granger. Alguns fãs questionaram a decisão – ainda que a própria J.K. Rowling tenha elogiado a escalação.
Naquele mesmo ano, o diretor Josh Trank foi criticado após escolher o ator Michael B. Jordan para interpretar o Tocha-Humana no reboot de Quarteto Fantástico – nos quadrinhos, Johnny Storm (o Tocha) é loiro, com olhos azuis. Na época, Trank se defendeu, e disse que a ideia foi colocar mais diversidade étnica na história da equipe da Marvel. Ótima ideia – pena que o filme foi uma bomba.
(Jordan, aliás, é um dos nomes mais cotados para assumir o manto do Superman. Mas a reportagem do Hollywood trouxe um depoimento do ator que desmente os boatos: “Com certeza, [ser mencionado] é um grande elogio. Mas vou apenas assistir a esse filme.”)
Em 2016, a campanha #OscarsSoWhite (#OscarTãoBranco) escancarou a falta de diversidade não apenas no prêmio em questão, mas em toda Hollywood. Desde então, tanto a Academia responsável pelo troféu quanto os estúdios de cinema têm se esforçado para aumentar a representatividade – na frente e atrás das câmeras.
No campo dos super-heróis, Pantera Negra (2018) foi o primeiro exemplo de que um filme com representatividade só tende a dar certo. Composto por elenco e equipe predominantemente negros, o longa é um marco do Universo Cinematográfico Marvel (o MCU). Faturou US$ 1,3 bilhão (a quinta maior bilheteria do estúdio) e foi indicado a sete Oscars – levou três.
Em 2019, Kevin Feige, presidente do Marvel Studios, afirmou o compromisso da empresa de incluir mais diversidade em seus filmes, “pois eles precisam refletir o mundo como ele é”. Quem acompanha as séries do MCU no Disney+, por exemplo, pode ter notado que há mulheres no comando de WandaVision e Falcão e o Soldado Invernal.
Os próximos lançamentos da Marvel também seguem por esse caminho. Miss Marvel, por exemplo, é uma série do Disney+ que contará a história de Kamala Khan, uma garota descendente de paquistaneses que adquire superpoderes. Já Os Eternos, que estreia em novembro, mostrará o primeiro super-herói surdo e o primeiro super-herói gay do MCU. O filme foi dirigido pela chinesa Chloé Zhao, que venceu o Oscar deste ano por Nomadland.
A Warner não fica muito atrás. Além do novo Superman, o estúdio está produzindo um filme com uma versão latina do herói Besouro Azul – com o porto-riquinho Angel Manuel Soto na direção – e uma série para o streaming HBO Max com um Lanterna Verde gay.
Mas, afinal, e o filme do Super?
Apesar da reportagem do Hollywood Reporter, pouco se sabe sobre o futuro filme. Ta-Nehisi Coates deve terminar o roteiro em dezembro, e alguns supõem que será, novamente, uma história de origem, com o Superman chegando à Terra. Mas há a possibilidade do enredo se passar no século 20, e não nos dias de hoje.
Quanto ao ator, a procura continua. Com a declaração de Michael B. Jordan, fãs levantaram a hipótese do personagem ser interpretado por um rosto desconhecido. Faz sentido: Brandon Routh, de Superman: O Retorno (2006) e Henry Cavill, que vive o Super desde Homem de Aço (2013) não eram famosos antes dos filmes.
A produção do novo Superman está, por ora, a cargo de J.J. Abrams, o responsável pelos novos Star Wars. Para a direção, vários nomes já foram sondados: Steven Caple Jr. (Creed II), J.D. Dillard (O Mistério da Ilha), Regina King (Uma Noite em Miami) e Shaka King (Judas e o Messias Negro).
O problema? A Marvel também está interessada nesses nomes para o futuro filme do Blade, que será estrelado por Mahershala Ali (Moonlight, Green Boon) e começará a ser gravado em julho de 2022. Resta saber quem vai bater o martelo primeiro.
Vale lembrar que a Marvel fez, recentemente, uma mudança parecida com a que pode acontecer com o Superman. Meses depois do assassinato de George Floyd, que reacendeu o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), Sam Wilson (Anthony Mackie), o Falcão, assumiu o manto do Capitão América.
E não, não é uma versão alternativa, de algum canto do multiverso do MCU. É pra valer. Tanto que um quarto filme do Capitão já foi confirmado – com Sam atrás do escudo.
No fim, ter um Capitão América e um Superman negros é uma questão de representatividade – algo que pessoas brancas, como este repórter que vos escreve, jamais entenderão completamente. Mas que significa o mundo para crianças que verão um cara igual a elas voando por aí de capa vermelha.