Sean Baker, do premiado “Anora”, gravou um de seus filmes só com iPhones
Atual vencedor da Palma de Ouro de Cannes, o diretor filmou "Tangerine" (2015) com três celulares – e precisou vender um para pagar o aluguel.
Não deu Francis Ford Coppola, com seu Megalópolis, nem o brasileiro Karim Aïnouz com Motel Destino. Neste ano, o filme vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, um dos principais prêmios do cinema, foi Anora, do cineasta americano Sean Baker. A láurea foi entregue no último sábado (25).
Anora acompanha a atriz Mikey Madison no papel da personagem-título, uma dançarina de uma boate de strip em Nova York que acaba se apaixonando por Vanya (Mark Eydelshteyn), o herdeiro de um rico oligarca russo. É a quinta vez seguida que um filme distribuído pelo estúdio Neon vence a Palma de Ouro. Nos anos anteriores, os vencedores foram Anatomia de Uma Queda, Titane, Triângulo da Tristeza e Parasita.
Aos 53 anos, Baker é um prestigiado artista do cinema independente. Seu filme mais famoso, Projeto Flórida (2017), mostra o cotidiano de uma família pobre da periferia de Orlando, que contrasta com o lado mais conhecido da cidade: seus parques de diversão como o Walt Disney World. O longa rendeu a Willem Dafoe uma indicação do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
Baker, porém, já havia entrado no radar dos cinéfilos dois anos antes, com Tangerine (2015), um filme sobre uma garota de programa transsexual de Los Angeles que descobre estar sendo traída pelo seu namorado (e cafetão), Chester. Assista ao trailer:
Tangerine estreou no Festival de Sundance, nos EUA, um dos principais eventos do circuito independente, e foi um sucesso de crítica. Nas bilheterias, arrecadou US$ 935 mil – quase dez vezes mais que o modesto orçamento de US$ 100 mil.
O longa ficou conhecido por ter sido feito inteiramente com iPhones: Baker comprou três modelos 5S, os mais avançados disponíveis na época das filmagens (final de 2013). A resolução da câmera de um 5S é de 8 megapixels. Em comparação, o modelo de iPhone mais recente, o 15, tem 48 megapixels.
Os iPhones não foram os únicos equipamentos de filmagem, claro. Em um vídeo no YouTube, o cinegrafista Angus Davies destrinchou o método de Baker para Tangerine. Nos celulares, foram acoplados adaptadores nas lentes do tamanho de caixas de fósforos, para que a filmagem se encaixasse nas dimensões do formato cinematográfico. E também steadicams – estabilizadores de câmera, que evitam que a imagem fique tremida (algo comum se você segurar o celular apenas com as mãos).
A produção também não gastou muito com lâmpadas: foram apenas três, movidas a bateria. Baker apostou em bons enquadramentos que aproveitassem a iluminação natural (para as cenas externas) e nas luzes que já existiam nos ambientes fechados em que filmaram.
Com um orçamento enxuto, economizar com luz e câmeras permitiu à equipe pagar por mais atores e figurantes ao longo dos 22 dias de gravação. E também para encontrar locações que conferissem autenticidade à história (como a lanchonete Donut Time em um cruzamento da região de Hollywood, conhecida por abrigar prostitutas que trabalham até altas horas da madrugada).
Finalizadas as filmagens, Baker precisou vender um dos iPhones para pagar o seu aluguel. Mas manteve dois consigo – e um deles, diga-se, foi doado para o Academy Museum, o museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (responsável pela entrega do Oscar) aberto em 2021.
Vários projetos de Baker abordam profissionais do sexo. O cineasta mergulhou nesse tema em Starlet (2012), seu quarto filme, e desde então tem discutido o assunto. Em várias entrevistas, Baker declarou que um de seus objetivos é desmistificar esse mundo e contar as histórias universais que existem nele.
Além disso, Baker prega que esse trabalho deve ser totalmente descriminalizado, porém não regulamentado (pois, segundo ele, quem deve decidir o que é melhor são as próprias pessoas que usam seus corpos como forma de sustento). Baker já confirmou que seu próximo filme também abordará a prostituição.
Tangerine está disponível na plataforma Filmicca. Projeto Flórida está na Max. Quanto à Anora, ainda não há previsão de estreia no Brasil.