Entrevista: “The Last of Us”, da HBO, tem o desafio de replicar a excelência do jogo original
Neil Druckmann, criador do game, é também um dos responsáveis pela produção que estreia neste domingo (15). Veja o que ele e parte do elenco têm a dizer sobre a adaptação da obra.
O histórico de adaptações de videogames para filmes ou séries de TV não é dos melhores. Na primeira vez que isso aconteceu, com o live action Super Mario Bros (1993), o resultado foi desastroso. Nos anos seguintes, não faltaram bombas: Mortal Kombat, Street Fighter, Doom, World of Warcraft, a franquia Resident Evil… Todos esses exemplos levaram os fãs a acreditar que havia uma “maldição” nas produções baseadas de jogos.
Em 2020, os fãs de The Last of Us torceram o nariz quando a HBO anunciou que estava produzindo uma série baseada no game. Lançado em 2013, o jogo se passa em um futuro pós-apocalíptico, no qual um homem e uma garota tentam sobreviver depois que um fungo transformou as pessoas em zumbis.
Achou a trama batida? Não se engane: o jogo é um dos mais elogiados de todos os tempos. Junto com a continuação, lançada em 2020, é considerado um clássico moderno dos videogames – eis o motivo do temor diante uma adaptação para a TV.
Todas as dúvidas serão postas à prova neste domingo (15), quando o primeiro episódio da série estreia na HBO (que vai liberar o sinal para algumas operadoras de TV a cabo) e no HBO Max. Os novos capítulos serão lançados semanalmente.
As críticas que já saíram sobre The Last of Us são positivas. No agregador de reviews Metacritic, por exemplo, a nota da série é 83/100. Mas, se mesmo assim você ainda não se convenceu de que a “maldição das adaptações” passou longe desta vez, talvez valha a pena conhecer quem ficou responsável pela produção.
Neil Druckmann, diretor e criador do jogo, trabalhou ativamente na série como produtor e roteirista. O parceiro de Druckmann nessa empreitada foi Craig Mazin, responsável pela premiada minissérie Chernobyl, também da HBO. Recentemente, os dois participaram de uma coletiva de imprensa para jornalistas brasileiros. O evento também contou com a presença de parte do elenco de The Last of Us. A seguir, você confere os principais pontos da conversa.
When you’re lost in the darkness, look for the light.#TheLastOfUs premieres January 15 on @hbomax. pic.twitter.com/1NUP3FPA2i
— The Last of Us (@TheLastofUsHBO) December 8, 2022
Semelhanças (e diferenças) com o game
Segundo Mazin, um dos grandes desafios da adaptação foi a imersão que o videogame proporciona – e a televisão, não. “Grande parte do jogo é sobre dar à pessoa a chance de jogá-lo; já a TV é uma experiência passiva”, disse. Como resolver esse problema?
“Nos perguntamos quais partes da história eram facilmente traduzíveis para a série e quais partes da experiência de jogo não eram necessárias ou deveriam ser transformadas de maneira mais séria para que fosse uma experiência melhor de assistir”, explicou Mazin.
“Acho que, muitas vezes no passado, as adaptações de videogames tiveram dificuldades porque tentavam replicar a jogabilidade”, continuou. “Nós, não. O que fazemos é nos inspirar na história e nos personagens que Neil criou e levá-los mais longe. Fazemos mais, mostramos mais. Damos às pessoas uma experiência muito mais completa para assistir.”
Durante a coletiva, Druckmann contou sobre uma ocasião em que, no set de filmagens, precisou fazer uma reunião por vídeo com colegas da Naughty Dog, a desenvolvedora de games responsável por The Last of Us. Procurando um lugar reservado, ele ligou a câmera em um dos cenários da série: o quarto de Sarah (Nico Parker), a filha de Joel (Pedro Pascal). Muitos dos funcionários da Naughty Dog que estavam na chamada trabalharam no jogo. Eles ficaram surpresos com a fidelidade dos detalhes do quarto – e contentes pela série ter feito jus ao seu esforço.
Druckmann revelou que volta e meia ligava para o pessoal da desenvolvedora para mostrar algum bastidor da série. “Eu mostrava a eles um clipe, um novo trailer e, quando voltava para a tela do Zoom, podia ver várias lágrimas escorrendo pelos olhos deles”, relembrou.
Velhos conhecidos
E não é apenas na criação que a série reflete a produção do game. Gustavo Santaolalla, responsável pela trilha sonora do jogo, também compôs as músicas da série. Troy Baker, dublador original do Joel nos jogos, terá uma participação como um membro de uma gangue canibal. E Ashley Johnson, a dubladora da Ellie, fará Anna – a mãe de Ellie.
Outro retorno é o de Merle Dandridge, que tanto no jogo quanto na adaptação interpeta Marlene, a líder do grupo de resistência Vagalumes.
“Eu vivo Marlene há 10 anos. Mas, para a série, tive que esquecer muitas coisas que sabia sobre ela”, confessou Dandridge, sobre a diferença entre atuar para o game e para a TV. “No começo, eu me senti insegura. Mas foi maravilhoso ter uma equipe que ama e se importa com essa história e os personagens.” A atriz contou que esse ambiente foi essencial para que ela se sentisse confiante para explorar a personagem em um novo contexto. “Interpretar Marlene para a série foi uma experiência emocionante – mas confesso que um pouquinho assustadora também”, brincou.
O desafio de agradar aos fãs
Como convencer o público que jogou The Last of Us de que a série pode ser tão boa quanto o jogo? Para a atriz Bella Ramsey, que vive a protagonista Ellie, o primeiro passo é entender como essa paixão pela história surge.
“Eu entendo que jogar é uma experiência muito imersiva. Você passa muito tempo com esses personagens, interagindo com eles e, de certa forma, passando pelo que eles estão passando”, disse Ramsey. “Eu entendo o apego que as pessoas têm a esses personagens.”
Ramsey disse estar ciente da preocupação dos fãs – mas que, no fim das contas, não ficará desapontada se eles não gostarem da série. “Acho que nós fizemos um bom trabalho. Não acho que vão odiar The Last of Us; mas, se isso acontecer, tudo bem. Faz parte.”
Mazin defende que é preciso dar uma chance às versões dos personagens da série – afinal, todo mundo que jogou o jogo também precisou dar um voto de confiança no começo. “Quando joguei The Last of Us pela primeira vez, não tive sentimentos por Joel ou Ellie porque não os conhecia”, lembrou o roteirista. “Quando conheci Joel, ele era apenas um cara sentado em um sofá, era seu aniversário e ele estava cansado. E quando conheci Ellie, ela era levemente irritante. É no decorrer da jornada que você se apaixona.”
Druckmann confessou que, não raro, as pessoas o perguntam sobre os motivos que o levaram à adaptação da HBO. “Elas dizem: ‘se jogo era tão bom, por que seguir esse caminho? Você só tem a perder.’”
“Eu vejo isso de uma maneira diferente”, defendeu. “Algumas pessoas não jogam. Portanto, eles não terão a experiência da história. Acho que o que criamos na Naughty Dog vale a pena ser traduzido para este outro meio. Minha maior esperança é que alguém assista à série, se comova com ela e depois diga ‘espere, isso é baseado em um videogame? Tipo Pac-Man?’. Eles vão perceber que existe todo esse outro meio que é rico em narrativas e experiências.”