Texto: Maria Clara Rossini | Ilustração: Guilherme Asthma | Design: Carlos Eduardo Hara | Edição: Bruno Vaiano
Houve um tempo em que as mulheres só podiam ver o céu com as cores ao contrário: um fundo branco pontilhado por estrelas negras. Tudo começou no final do século 19: com o advento da fotografia, os astrônomos começaram a atrelar câmeras aos telescópios e registrar imagens da abóbada celeste. Esses pioneiros apontavam o equipamento para as estrelas e, em vez de colocar o olho na outra ponta, posicionavam uma placa de vidro revestida com uma emulsão esbranquiçada, sensível à luz.
Quando o brilho de uma estrela atinge esse gel na superfície do vidro, ocorre uma reação química e aparece um pontinho queimado. O resultado é um negativo em preto e branco: o que está escuro é a luz, e o que está claro é a ausência de luz. Até duas horas de exposição eram necessárias para pintar as estrelas com precisão. Por mais rudimentar que pareça a técnica, ela gerava imagens muito mais nítidas que uma foto da Lua feita com o celular.
No começo, cada observatório montava seu próprio laboratório para fazer as placas in loco. Era caro e difícil. Depois, surgiram as chamadas placas secas. Elas eram do tamanho de uma folha A4 e já vinham com o material fotossensível aplicado de fábrica; bastava desembalar e encaixar no telescópio. Pela primeira vez na história da civilização, tornou-se possível mapear o céu em larga escala. Essa era uma tarefa especialmente cara ao Observatório de Harvard, que gerou o maior acervo de placas de vidro do mundo. A universidade guarda, até hoje, mais de meio milhão de imagens produzidas entre 1885 e 1992.
Edward Pickering se tornou diretor do observatório em 1876. Ele liderava uma equipe de assistentes responsáveis por determinar cuidadosamente a posição de cada estrela por meio das placas. Era um trabalho repetitivo de processamento de dados, que hoje seria automatizado por um computador. Astrônomos gabaritados não queriam perder tempo com isso; o jeito era contratar rapazes recém-saídos do colégio. Eles eram tão incompetentes que, reza a lenda, Pickering disse: “até minha empregada faria um trabalho melhor”. E ela fez.