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Como são feitas as fotos do espaço

Imagens do cosmos muitas vezes nascem a partir de ondas eletromagnéticas que nossos olhos não captam – para, só depois, serem traduzidas para a visão humana. Entenda a ciência por trás dos cliques deslumbrantes da Nasa.

Atualizado em 12 jul 2022, 13h46 - Publicado em
18 fev 2021
13h01

Texto: Guilherme Eler | Design: Juliana Krauss | Fotos: Nasa | Edição: Bruno Vaiano

A

foto acima, atrás do título, mostra um aglomerado de estrelas chamado Westerlund 2. Em seu entorno, há um lençol de poeira e gás com aparência leitosa – a matéria-prima da qual se formarão novos sóis. O lugar é um berçário de astros. Dá um belo cartão-postal. Infelizmente, mesmo que fosse possível encarar a viagem de 20 mil anos-luz até lá, não daria para reproduzir o clique com o celular. O primeiro motivo é que as estrelas avermelhadas no miolo (elas são os bebês do berçário, com “só” 2 milhões de anos de idade) estão em um plano diferente das estrelas azuladas nas bordas – mais antigas e alguns anos-luz mais próximas de nós. Boa sorte para encontrar o ângulo certo.

Depois, porque as estrelas recém-formadas, juntinhas ali no meio, estão na verdade escondidas atrás da nuvem bege que começa no canto inferior esquerdo. Nós só conseguimos espiar o aglomerado de astros por trás do gás e da poeira – como se houvesse uma janela sem névoa – porque a foto foi feita pelo observatório Chandra, da Nasa, que capta raios X. E os astros jovens são tão enormes e quentes que emitem esses raios.

Os raios X são um tipo de luz que os olhos humanos não são capazes de enxergar. Tanto é que você não vê um brilho sair da máquina quando tira uma chapa de um osso quebrado. Mas eles carregam mais energia que a luz que podemos ver – e por isso atravessam a nuvem como se ela não estivesse lá. Do mesmo jeito que o radiologista vê seus ossos sem se preocupar com a pele.

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Assim, a foto é uma montagem: mistura a foto da nebulosa de gás e poeira feita pelo telescópio Hubble (com luz que podemos ver) com a foto das estrelas feita pelo Chandra (com luz que não podemos ver). Praticamente toda foto do espaço que você já viu emprega algum truque desse gênero. Mas não se sinta enganado: sem telescópios com superpoderes, saberíamos muito pouco sobre o que acontece no cosmos. Bem-vindo aos bastidores da fotografia astronômica.

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A luz

Os físicos sabem desde o início do século 20 que a luz é feita de minúsculas partículas chamadas fótons. Então você pode imaginar um raio de sol como um montão de bolinhas de energia entrando nos seus olhos. Acontece que também dá para explicar o comportamento da luz usando equações em que ela age como uma onda – tipo uma onda sonora ou uma onda do mar. Neste caso, a luz é chamada de onda eletromagnética. Toda onda é uma oscilação em alguma coisa; o que oscila, então, é um campo eletromagnético. Era assim que os físicos explicavam a luz no século 19.

Vamos alternar entre a descrição da luz como onda e como partícula conforme seja mais didático para este texto. E, neste momento, a versão onda vem bem a calhar.

Uma onda tem comprimento (que é a distância entre duas oscilações) e frequência (que é o número de oscilações por segundo). As ondas de luz de baixa frequência são supercompridas e carregam pouca energia. Já as ondas de alta frequência são curtinhas e muito energéticas. Há diferentes aplicações práticas para as luzes de cada frequência e comprimento.

As luzes mais longas e preguiçosas são as ondas de rádio, usadas também para o wi-fi. Depois, um pouco mais curtas e energéticas, vêm as micro-ondas que esquentam sua comida. Continue aumentando a energia e entramos no campo do infravermelho – ondas eletromagnéticas que você sente na pele: elas são o calor. Os binóculos infravermelhos veem pessoas no escuro porque pessoas são quentinhas.

Vamos aumentar o quentinho. Quando você aquece o carvão na churrasqueira, ele perde a cor preta e vira brasa vermelha. É porque ele ficou tão quente que parou de emitir só infravermelho e passou a emitir uma onda ainda mais curta e energética: o próprio vermelho. Aqui entramos no campo da luz que podemos ver: as cores do arco-íris, que vão do vermelho ao violeta – passando por laranja, amarelo, verde e azul.

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Acima do violeta há o ultravioleta, que entra novamente no campo das luzes invisíveis para nós. É contra ele que atua o protetor solar. Nessa altura, já estamos falando de ondas eletromagnéticas muito pequenas, com energias bastante altas.

Os próximos passos da escala são os raios X (a exposição prolongada é muito perigosa) e os raios gama (você vira o Hulk, rs). Existem telescópios, tanto em órbita quanto no chão, capazes de captar todos esses tipos de onda. E existem fenômenos cósmicos que emitem todos eles. O fato de que nós enxergamos um espectro tão limitado dentro dessa grande seleta de ondas é decorrência da seleção natural: as cores que conhecemos são justamente as ondas que o Sol produz em maior abundância. Se vivêssemos em torno de uma estrela maior, ela seria mais quente, emitiria mais ultravioleta. Provavelmente, teríamos evoluído para ver a cor ultravioleta, porque ela seria útil para nós.

“Os olhos humanos estão muito bem adaptados à vida na Terra, onde somos banhados pela luz do Sol todos os dias”, diz Joseph Depasquale, desenvolvedor de ciências visuais do Space Telescope Science Institute. “Mas, para ver os detalhes do espaço profundo, tivemos que inventar tecnologias que pudessem estender nossos poderes de visão.” Vamos entender como funciona o mundo das imagens do espaço. Começando com um telescópio que vê luz comum, e depois expandindo os horizontes eletromagnéticos.

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O Hubble

O telescópio Hubble não vê raios X: é especialista em trabalhar com luz no mesmo comprimento de onda que é visível por nós. Com uma diferença: só fotografa em preto e branco. Gerar a cor são outros quinhentos – que explicaremos a seguir.

Quando a luz de uma paisagem cósmica atravessa as lentes do Hubble, ela atinge uma placa de silício chamada CCD, sigla em inglês para “dispositivo de carga acoplada”. O CCD é dividido em um montão de quadradinhos minúsculos. Cada quadradinho corresponde ao que será um pixel da foto quando ela estiver na tela do computador.

Cada vez que um fóton (uma partícula de luz) bate em um quadradinho da CCD, ele fornece energia a uma outra partícula, o elétron – que fica ouriçado e pula para fora. Quanto mais fótons batem em um quadrado, mais elétrons são ejetados. O nome desse fenômeno é bem literal: efeito fotoelétrico. Assim, o Hubble sabe exatamente quanta luz bateu em cada quadradinho da CCD: é só contar quantos elétrons cada um soltou.

Agora, imagine que o CCD no telescópio está enquadrando uma galáxia brilhante na frente de um fundo escuro. Os quadradinhos no centro vão captar muita luz e liberar muitos elétrons – sinal de que aquela região da foto é mais clara, com pixels esbranquiçados. Assim se forma a imagem da galáxia. Já os quadradinhos das pontas vão receber pouca ou nenhuma luz – liberando poucos elétrons e deixando o pixel preto ou cinza escuro. Esse é o vazio em torno da galáxia.

Toda foto em preto e branco é isso: um gráfico de quantos fótons – quantos pacotinhos de luz – contribuíram com cada pixel. Ele não leva em consideração a cor desses fótons. Para dar esse passo além, é preciso usar filtros.

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Imagine que você passou papel celofane vermelho na frente da lente do Hubble. Agora, toda a luz de outras cores será barrada – só a vermelha vai passar. Se você tirar uma foto com o celofane na frente, ela sairá em preto e branco, claro.

Mas é um preto e branco diferente, porque dessa vez os astrônomos sabem que todos os fótons que entraram no Hubble são vermelhos. Mesmo que o próprio Hubble não saiba. Ou seja: a imagem, na verdade, é vermelha. Podemos pintá-la
artificialmente.

O próximo passo é repetir esse processo com outros dois filtros, o verde e o azul. É difícil entender o passo a passo explicando só com texto, então acompanhe o gráfico abaixo – que mostra a montagem de uma foto de Júpiter. Com três filtros, ficamos com três fotos do planetão: cada uma representa todos os fótons que ele emitiu em cada uma das três cores.

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Por que azul, verde e vermelho? A razão é principalmente biológica. As células que diferenciam cor, nas nossas retinas, são chamadas cones. Existem três tipos de cones: um capta a luz visível de alta frequência (a região da cor azul), outro a luz de média frequência (a região da cor verde) e por fim um terceiro se dedica à luz de baixa frequência (a região da cor vermelha). Pense nelas como cores primárias: como elas englobam todo o espectro, ao misturar as três em diferentes doses você consegue obter quase todas as outras cores. De fato, sua TV e o seu celular usam pixels azuis, vermelhos e verdes. Se você aproximar suficientemente os olhos da tela, será capaz de vê-los. O nome disso é sistema RGB (red, green, blue).

Agora, é só empilhar as três fotos de Júpiter: a azul, a verde e a vermelha. Onde há só uma cor, a imagem fica só dessa cor. Mas nos pontos em que essas cores aparecem ao mesmo tempo, elas ficam sobrepostas, se misturam e dão origem a novas cores. Surge a imagem do gigante gasoso que você conhece, com faixas beges e marrons.

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(Nasa/Reprodução)
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Elementar

Nem só de RGB vive o Hubble. Fotos da Nasa não são feitas para você pendurar na parede. Elas são objeto de investigação dos astrônomos. As cores podem revelar, por exemplo, a composição química de uma nuvem de gás e poeira. Isso é possível porque cada elemento da tabela periódica tem uma cor característica. Tons avermelhados indicam a presença de hidrogênio. Verde, oxigênio. E o enxofre tem cor de ferrugem. Usando filtros dessas cores, é possível saber quanto de cada elemento existe na nebulosa.

Um artifício comum para transformar uma imagem estritamente científica em algo agradável para os olhos é pegar imagens filtradas de três elementos – no nosso exemplo, vermelho, verde e ferrugem – e trocar esta última por azul para formar uma paleta que englobe todo o espectro visível, agora com as três cores primárias do sistema RGB. “Existem algumas escolhas subjetivas, como converter os valores registrados pelas câmeras para limitar a quantidade de brilho da imagem ou ajustar as cores para dar uma aparência mais equilibrada”, explica Zoltan Levay, especialista em visualização de dados que trabalhou por 30 anos no Space Telescope Science Institute – a instituição que opera o Hubble.

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Vendo o invisível

Complicado mesmo é quando uma imagem só combina ondas de vários cantos do espectro eletromagnético. Ondas que não podemos ver: rádio, infravermelho, ultravioleta… Aí não tem jeito: os astrônomos precisam escolher cores para representar cada tipo de onda, porque não existem cores reais ali.

A imagem da Nebulosa de Caranguejo que você verá a seguir é o exemplo perfeito para observarmos esse método. Essa estrutura cósmica, resultado da implosão de uma estrela grande e idosa localizada a 6,5 mil anos-luz da Terra, emite radiação de todo tipo. Em vermelho, estão indicadas as ondas de rádio flagradas pelo observatório Very Large Array. A contribuição do Spitzer, telescópio que capta ondas na faixa do infravermelho, está em amarelo, enquanto o espectro visível, especialidade do Hubble, aparece em verde. Por fim, o ultravioleta, alvo do XMM-Newton, está em azul (ele foi o único que captou as estrelas) e os raios X, captados pelo do Chandra, aparecem em roxo. No gráfico abaixo, você vê cada contribuição isoladamente.

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(Nasa/Reprodução)

Há uma lógica na atribuição das cores: como os raios X são a radiação mais energética, eles ficam com o violeta, que é a cor de frequência mais alta que podemos ver. Vale o contrário para o rádio: por ser a onda mais preguiçosa, ele fica com o vermelho, que é a cor de onda mais longa.

É uma reação natural sentir-se enganado pelas imagens – como se os astrônomos fizessem o equivalente a tirar a celulite de uma modelo com o Photoshop.

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Mas é o contrário: as luzes invisíveis são informação a mais, e não a menos. “Telescópios são uma janela para um mundo que não podemos ver com os olhos”, diz Joseph Depasquale. “Exatamente como um microscópio, que nos dá acesso ao mundo invisível, mas também real, das coisas muito pequenas.

Créditos das fotos: 1. Nasa, ESA, STScI, A. Simon (Centro de Voos Espaciais Goddard), M.H. Wong (Universidade da Califórnia, Berkeley) e time OPAL; 2. Nasa, ESA, Hubble Heritage Team (STScI/AURA), A. Nota (ESA/STScI), e time científico da Westerlund 2; 3. Nasa, ESA, G. Dubner (IAFE, CONICET-Universidade de Buenos Aires) et al.; A. Loll et al.; T. Temim et al.; F. Seward et al.; VLA/NRAO/AUI/NSF; Chandra/CXC; Spitzer/JPL-Caltech; XMM-Newton/ESA; e Hubble/STScI.

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