Apesar de ter surpreendido o mundo, a Covid-19 era algo previsível para a ciência. Prova disso é esta reportagem da Mundo Estranho, que foi publicada em 2012 e voltou a circular recentemente. Nela, pesquisadores montaram o cenário de uma possível pandemia, bem similiar à que estamos vivendo. Confira.
Texto: Cláudia de Castro Lima | Edição de Arte: Bernardo Borges
Design: Andy Faria | Ilustrações: Carlos Fonseca e Bicicleta Sem Freio
O Próximo surto
Montamos, com a ajuda de pesquisadores, o cenário de uma possível pandemia mortal. Acredite: há chances de isso acontecer.
1 – A Ásia é o ponto de partida. Após várias mutações, um novo vírus surge hospedado em morcegos. As fezes que
eles soltam no ar infectam guaxinins. Dos mercados da China, esses animais são levados vivos para serem abatidos
em restaurantes. Estressados, eles arranham e mordem os cozinheiros, espalhando o vírus.
2 – O vírus adquire a capacidade de ser transmitido de homem para homem por via aérea – forma mais fácil de contágio. Além disso, o contágio se dá antes mesmo de o enfermo apresentar os sintomas. Assim, em média, o doente infecta cinco pessoas antes de ter febre, vômito, diarreia, desidratação e falta de ar.
3 – O governo chinês envia uma comissão para avaliar a doença misteriosa que acomete alguns vilarejos. A equipe volta sem resultados e não considera o surto alarmante até que três pesquisadores adoecem e um deles morre. A China não informa a Organização Mundial da Saúde (OMS) para não demonstrar fragilidade.
4 – Os sintomas são comuns e a doença só chama a atenção quando muita gente começa a morrer na mesma região. Ainda assim, demora para que médicos e enfermeiros percebam a ineficiência de antibióticos na cura – o que exclui a maioria das bactérias como agente causador. Testes com vírus comuns também dão negativo.
5 – O governo isola comunidades em que há focos da doença. Ninguém entra nas cidades e nenhum doente pode sair. Mas, como a misteriosa enfermidade demora quatro dias para mostrar seus sintomas, muitos doentes saem dos vilarejos sem saber que estão infectados, alastrando a epidemia.
6 – Doentes viajam de avião para grandes cidades, como Hong Kong. O fervilhante centro comercial, que atrai gente do mundo todo, é um polo de contágio e disseminação. Sem imaginar o risco que correm, pessoas são contaminadas e, ao voltar para seu local de origem, carregam o vírus para todos os continentes.
7 – Com a doença já fora de controle, começa uma corrida entre laboratórios e cientistas de grandes universidades para descobrir o agente causador. Mesmo com o vírus isolado, as vacinas demoram para ser feitas em larga escala, tornando impossível o atendimento à demanda mundial.
8 – Os países se isolam, mantendo esquemas de quarentena. Aeroportos são fechados e o turismo mundial cai a quase zero. A China sofre as piores consequências, com o fluxo de empresários para Hong Kong suspenso – gerando prejuízos de bilhões de dólares – e com o boicote a produtos alimentícios vindos da Ásia.
9 – Além dos 10% de casos letais, os milhões de doentes precisam de atendimento médico. Enquanto hospitais e cemitérios estão lotados, escolas, indústrias e comércio ficam paralisados por falta de profissionais. O transporte público também para e os trabalhadores que podem passam a trabalhar em casa.
10 – Nas nações pobres, quase 20% da população morre – e outros milhões são vitimados mesmo em países ricos. Parte dessa mortalidade ocorre por causa da doença, mas outro fator determinante é a crise financeira global. A produção de alimentos cai por falta de mão de obra.
Fontes: A História e Suas Epidemias e Pandemias – A Humanidade em Risco, de Stefan Cunha Ujvari; Pragas e Epidemias – Histórias de Doenças Infecciosas, de Antonio Carlos de Castro Toledo Jr. Consultoria: Stefan Ujvari Cunha, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; Paolo Zanotto, professor de virologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da USP; Átila Iamarino, doutorando em HIV-1 no ICB da USP.
Esta reportagem integra a matéria de capa da edição 127 da Mundo Estranho, publicada em julho de 2012.