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A história de 6 santos modernos

Santo não é coisa de passado distante. Estas figuras ajudaram manifestantes na Colômbia, criaram organizações religiosas e resistiram à 2ª Guerra Mundial.

Por Alexandre Carvalho
29 nov 2019, 16h03

As imagens daqueles velhinhos nos vitrais da igreja ou mesmo os cultos milenares desses super-heróis da religião deixam uma impressão persistente, mas equivocada: parece que santo é coisa do passado bem distante. Seriam os eremitas que foram fazer jejum no deserto ou os ex-soldados romanos, massacrados por se converter à palavra de Cristo. Mas a história das canonizações mostra que não é bem assim. Pelo contrário. Em sua obra The Catholic Martyrs of the Twentieth Century (“Os Mártires Católicos do Século 20”, sem edição no Brasil), o estudioso do catolicismo Robert Royal levanta uma questão surpreendente: é provável que mais cristãos tenham morrido por sua fé no século 20 do que naqueles 300 anos de perseguição romana.

Exemplos não faltam: o genocídio de cristãos armênios pelo governo turco, o extermínio de religiosos nos gulags soviéticos e até o assassinato em massa de cristãos por… outros cristãos. Como Hitler, que não queria dividir seu poder com a influência de bispos e padres. E aí, em meio a esse mar de sangue, a Igreja encontrou exemplos recentes de martírio dignos da candidatura à santidade. Exemplo disso foi uma beatificação coletiva, feita por João Paulo 2º na Ucrânia, de 27 pessoas mortas tanto pelo regime soviético quanto pela invasão nazista daquele país.

Martírios à parte, a fábrica de santos da Igreja continua a todo vapor, e isso inclui altruístas, teólogos, aliados do Vaticano e até padres envolvidos com a política. O fundador da Opus Dei – que se encaixa em todos esses critérios – dizia que a busca da santidade deve fazer parte do cotidiano das pessoas – você não precisa ser jogado aos leões para chegar lá. Então, sob essa perspectiva, fique alerta: não é impossível que um santo esteja sentado ao seu lado no metrô, fazendo palavras-cruzadas. Eles estão entre nós.

São José Gabriel del Rosario Brochero

O PADRE GAÚCHO.

1840 – 1914, Córdoba, Argentina
Dia do santo: 16/3

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(Zakuro/Superinteressante)
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Não havia tempo ruim que impedisse esse padre argentino de pregar o Evangelho e, ao mesmo tempo, colocar a mão na massa. Muito ativo, ajudou a construir quilômetros de estradas, fundou povoados e, claro, ergueu igrejas. Rodou longas distâncias pela Argentina, sempre vestido com poncho, chapéu de vaqueiro e montado numa mula – o que lhe rendeu o apelido de “padre gaúcho”. Aliás, gostava mesmo das tradições do Sul. Diz-se que contraiu lepra ao compartilhar seu chimarrão com doentes de hanseníase. Mais de cem anos após sua morte, um conterrâneo, papa Francisco, faria sua canonização, reconhecendo que Brochero “dedicou-se inteiramente ao seu rebanho”.

Santo Ezequiel Moreno Díaz

INCENTIVOU COLOMBIANOS A PEGAR EM ARMAS.

1848 – 1906, Alfaro, Espanha
Dia do santo: 19/8

A Guerra dos Mil Dias (1899 – 1902) foi um conflito civil na Colômbia que opôs o Partido Conservador, que estava no governo, ao Partido Liberal, que acusava seus adversários de se manter no poder graças a fraudes nas eleições. No fim, os conservadores saíram vitoriosos, o que não chega a ser uma surpresa já que tinham um santo ao lado deles. Como os liberais eram considerados anticlericais, o bispo espanhol Ezequiel Moreno Díaz, em missão como voluntário na Colômbia, exortava sua paróquia a mandar chumbo grosso contra esses “inimigos da Igreja Católica”. Para ele, não era dar a outra face que iria resolver alguma coisa. “A guerra, sem dúvida é um mal que tem origem nos pecados dos homens, e é um castigo que Deus permite para a purificação da nação”, escreveu Díaz.

“É preciso, portanto, arrependimento, orações e penitências. Mas é necessário também empunhar as armas, e não dar ouvidos aos liberais pacifistas.” Apesar de gostar de uma boa briga, Ezequiel Moreno Díaz não morreu de tiro, mas de um câncer no nariz. Os fiéis começaram a atribuir muitas curas à sua intercessão, e o bispo acabou canonizado por João Paulo 2º em 1992.

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São Josemaria Escrivá de Balaguer

FUNDADOR DA OPUS DEI.

1902 – 1975, Aragão, Espanha
Dia do santo: 26/6

Um monge psicopata tenta impedir que um especialista em símbolos religiosos solucione os mistérios do Santo Graal e descubra a intimidade amorosa de Jesus com Maria Madalena. No roteiro de O Código Da Vinci (2006), esse vilão é membro da Opus Dei, organização religiosa que, na ficção, parece sedenta de poder e disposta a matar para preservar seus segredos. Só que, apesar de todo o exagero de que depende um filme blockbuster, não foi essa a primeira vez que o grupo católico foi ligado a práticas heterodoxas. Ex-integrantes falam em incentivo ao autoflagelo medieval como penitência e ainda sugerem manipulações para que os membros da organização assumam postos importantes no governo e na sociedade.

No Brasil, o político Geraldo Alckmin é tido como simpatizante do grupo, tendo recebido formação cristã de um numerário – um membro da organização que vive 100% do tempo em dedicação plena, com celibato, penitência e obediência aos seus superiores.

O fato é que a Opus Dei – cujo nome significa “obra de deus” – conquistou uma posição privilegiada dentro da Igreja Católica, tornando-se uma Prelazia Pessoal: seus membros são autorizados a seguir diretamente as ordens do líder da Opus, em vez de obedecer a outras instâncias da Igreja. Só devem satisfação ao papa, e olhe lá. Bento 16, membro da organização, até abençoou uma estátua junto à Basílica de São Pedro com a imagem do fundador da Opus: Josemaria Escrivá de Balaguer.

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Foi no fim dos anos 1920 que esse sacerdote espanhol teve a ideia de criar uma instituição que revolucionasse a ideia de santidade: ela não deveria ficar restrita ao interior dos conventos ou a grandes feitos heroicos, mas buscada no dia a dia, especialmente por meio do trabalho. Essa pregação da perfeição espiritual no cotidiano logo agradou, a ponto de que hoje a Opus Dei tem cerca de 100 mil membros espalhados pelo mundo. Mas as críticas ao seu idealizador também vêm de longa data. Seus detratores nunca perdoaram a proximidade do espanhol com o regime fascista do ditador Francisco Franco – o sacerdote ouvia pessoalmente as confissões do general. E, quando ficou claro que Josemaria Escrivá de Balaguer iria ser canonizado, ex-membros da Opus Dei enviaram uma carta ao papa, acusando o novo santo de indiferença com os pobres. Sua santíssima trindade seria o poder, o luxo e a ostentação.

São Nicolau Velimirovic

O SÉRVIO QUE VENCEU HITLER.

1881 – 1956, Valjevo, Sérvia
Dia do santo: 5/3

Não confunda com o outro São Nicolau, que o mundo passou a conhecer como o Papai Noel. Este aqui foi um importante líder e porta-voz da Igreja Ortodoxa Sérvia, praticamente um embaixador dessa doutrina no Ocidente, especialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos – países onde esteve diversas vezes, formando alianças com a Igreja Anglicana e a Episcopal. Mas seu pacto com Deus começou de forma curiosa: Nikolaj prometeu que dedicaria a vida à religião se sobrevivesse a uma disenteria terrível, que teve aos 28 anos. Duro na queda, também sobreviveu ao nazismo: foi prisioneiro de Hitler de 1941 até 1945, sendo seu último ano de cárcere no campo de concentração de Dachau, onde morreram pelo menos 32 mil pessoas. Liberado pela infantaria americana, passou o resto dos seus dias nos EUA, nação que compartilhava de seu sentimento anticomunista.

Santa Teresa Benedita da Cruz

UMA FREIRA JUDIA NA 2ª GUERRA.

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1891 – 1942, Breslávia, Polônia
Dia do santo: 9/8

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(Zakuro/Superinteressante)

Assim como sua inspiradora, Teresa de Ávila, esta santa polonesa também foi uma judia que se converteu ao catolicismo. Com uma diferença: em tempos de 2ª Guerra Mundial, sua origem não passou batido pela Gestapo. Em 1942, quando bispos católicos se manifestaram nas igrejas holandesas contra a deportação de judeus – na época, a Holanda estava sob jugo nazista –, os alemães decidiram fazer uma represália: passaram a prender também todos os católicos de ascendência judaica. E entre esses cristãos-novos estava Edith Stein, que vivia na Holanda nesse período.

Antes, porém, de cair nas mãos da polícia política de Hitler, Edith teve uma vida rica em experiências – braçais e intelectuais. Na 1ª Guerra Mundial, ganhou uma medalha de honra como enfermeira voluntária para a Cruz Vermelha. Depois, tendo estudado filosofia e psicologia na universidade, trabalhou dois anos com Edmund Husserl, o criador da fenomenologia – corrente filosófica segundo a qual tudo que podemos conhecer são os fenômenos captados pela consciência. Seu doutorado foi publicado em 1917: “Sobre o Problema da Empatia”.

Até que tudo mudou no dia 1º de janeiro de 1922. Após ler a autobiografia de Santa Teresa de Ávila, a fundadora das Carmelitas Descalças, decidiu que o cristianismo trazia a verdade que ela tanto procurava, e se converteu. A partir dali, combinou suas investigações filosóficas com a teologia, publicando um estudo comparativo entre Santo Tomás de Aquino e seu mentor, Edmund Husserl. Fez conferências na Europa sobre a questão feminina e, em 1932, conseguiu um emprego de docente no Instituto Alemão de Pedagogia Científica.

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No ano seguinte, essa estudiosa virou também freira, adotando o hábito e um novo nome, mais cristão: Teresa Benedita da Cruz. Até que, impressionada com a Noite dos Cristais, quando judeus sofreram ataques generalizados na Alemanha, Edith mudou-se para um convento na Holanda – solução apenas temporária, porque Hitler logo passaria a controlar o país. Presa no dia 2 de agosto de 1942, pegou o trem da morte para Auschwitz, morrendo na câmara de gás.

São Maximiliano Maria Kolbe

UM SANTO NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO.

1894 – 1941, Wola, Polônia
Dia do santo: 14/8

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(Lambuja/Superinteressante)

Este santo teve três nomes em vida. O primeiro, de criança, era Rajmund Kolbe, filho de tecelãos poloneses. O segundo ele ganhou já adulto, quando virou frade franciscano: passaria a ser Maximiliano Maria Kolbe – sendo o nome do meio uma homenagem à Virgem, que teria aparecido a ele numa visão quando ainda era um molecote de 10 anos. Aliás, a devoção à mãe de Jesus foi o combustível das realizações desse frei. De espírito prático e empreendedor, fundou, junto com um pequeno grupo de religiosos, a chamada Milícia da Imaculada, uma associação de fiéis cujo objetivo era converter ateus, pecadores, hereges e, principalmente, maçons e judeus.

Kolbe entendia que para isso precisava contar com os meios de comunicação de massa e, em 1922, lançaria o primeiro número de Cavaleiro da Imaculada – uma revista mensal, de caráter evangelizador, que chegaria a tiragens impressionantes de 60 mil exemplares, com distribuição até no Japão e na China. A revista fez tanto sucesso que o frade logo estenderia esse trabalho para o rádio também – daí ser considerado pela Igreja como “padroeiro da imprensa”.

Mas foi seu terceiro “nome” que levou Maximiliano Kolbe a ser conhecido no mundo todo como o “mártir da caridade”. Aliás, “nome”, no caso, é licença poética, já que em 28 de maio de 1941 o frei passaria a ser identificado por um número: 16.670. Era esse o seu código de prisioneiro no campo de concentração de Auschwitz, para onde foi levado após ser preso pela Gestapo. Aceitando tudo com santa resiliência, Kolbe era responsável por carregar os cadáveres, e sempre doava metade de sua parca ração para os companheiros mais enfraquecidos.

Mas o ato que lhe renderia um lugar de honra entre os mártires modernos veio no fim de junho daquele ano. Quando um preso do mesmo bloco conseguiu fugir, os nazistas escolheram dez prisioneiros dali para uma sentença de morte: os escolhidos ficariam num bunker privados de comida e bebida, até que morressem por inanição. Kolbe não estava entre os dez condenados. Porém, quando um deles começou a chorar em desespero, porque nunca mais veria sua mulher e filhos, o frei não teve dúvida: dirigiu-se calmamente ao oficial que comandava a ação e começou o diálogo a seguir:

– Queria morrer no lugar de um daqueles… O que tem mulher e crianças.
– Mas quem é você? – berrou de volta o nazista.
– Sou um padre católico.

Após 14 dias de agonia daqueles condenados na cela subterrânea, os nazistas julgaram que já era hora de esvaziar o local dos cadáveres. Mas três deles teimavam em sobreviver. Dois estavam inconscientes no chão, só pele e osso. Maximiliano Maria Kolbe estava sentado, esperando seu fim, já sem forças depois de ter passado duas semanas rezando e consolando os companheiros. “Logo estaremos ao lado de Nossa Senhora.” Uma injeção letal, com ácido carbólico, finalizou o serviço que a fome e a sede não conseguiram.

Quatro décadas depois, em 1982, o ex-sargento polonês Franciszek Gajowniczek foi convidado de honra do Vaticano para assistir à canonização de São Maximiliano Kolbe. Com quase 81 anos (teria uma vida longa, até os 95), esse militar foi o homem poupado pelo heroísmo do frei.

 

 

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