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Catapulta: a história da invenção que mudou a história das guerras.

Ela foi uma das mais revolucionárias armas inventadas pela humanidade. Da catapulta em diante, foram as máquinas – e não o homem – que decidiam as batalhas.

Por Fabiano Onça
Atualizado em 30 out 2019, 17h37 - Publicado em 31 out 2007, 22h00

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Em 1304, o rei Eduardo 1º da Inglaterra cercou o castelo de Stirling, na Escócia. Lá resistiam os últimos guerreiros que, anos antes, haviam apoiado a rebelião anti-inglesa promovida pelo escocês William Wallace. Sem conseguir demolir as sólidas muralhas, Eduardo 1º apelou. Ergueu um engenho conhecido como trebuchet – uma máquina de atirar pedras, parente gigante da catapulta.

Por dez semanas, um batalhão de 50 operários cortou 20 grandes carvalhos para construir o monstro, ali mesmo, no local do cerco. O colosso intimidou de tal modo os defensores que, antes mesmo de ser concluído, fez com eles tentassem se render. Mas Eduardo queria testar o brinquedão. Com pedras de 150 quilos, o rei inglês devastou as muralhas e tomou o castelo. Só aí aceitou a rendição.

O terror vivido pelos defensores do castelo de Stirling não era algo novo. O sentimento havia sido experimentado há pelo menos 2,4 mil anos, com a invenção das pioneiras armas de sítio ou de cerco – categoria que tem na catapulta sua representante mais célebre, mas inclui ainda onagros, oxibeles, trebuchets e outras engenhocas construídas de acordo com a criatividade de inúmeros povos da Antiguidade e da Idade Média. No terreno militar, o impacto dessa novidade literalmente não deixou pedra sobre pedra.

Até então, os exércitos eram formados apenas pela infantaria (tropas que avançam a pé) e a cavalaria (tropas que avançavam a cavalo e, hoje, em veículos blindados). A partir das catapultas, eles passaram a contar também com uma terceira arma: a artilharia, especializada no lançamento de projéteis a grande distância.

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Simplesmente não havia mais cidade – não importava o tamanho do muro – que pudesse resistir a um ataque persistente. E, quanto maior, melhor: engenhos gigantescos como os trebuchets fizeram com que o pânico tomasse conta dos defensores como nenhuma outra arma. Afinal, tomar uma pedrada enorme ou ser atravessado por uma superflecha destruía a moral de qualquer um.

Prazer: trebuchet. (ChrisO/CC BY-SA 3.0/Wikimedia Commons)

Pai desconhecido

Em termos técnicos, as armas de cerco aproveitavam os princípios de funcionamento de duas armas muito antigas, mas também muito eficientes: o arco e a funda, espécie de corda para atirar pedras. Em diferentes momentos históricos, foi o aprimoramento e a junção das duas invenções que permitiu o surgimento da artilharia. A partir delas dá para estabelecer duas linhas evolutivas para contar essa história.

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A primeira, que aconteceu no Ocidente, foi a que originou a catapulta propriamente dita. Com significado em grego indicando algo como “jogar contra”, a catapulta foi uma das poucas armas da Antiguidade com local e data de nascimento registrados: a cidade-Estado grega de Siracusa, na ilha da Sicília (atual Itália), por volta de 399 a.C. Mas há um mistério. O artesão que bolou a catapulta permanece desconhecido. Uma das explicações é que, provavelmente, o engenheiro que concebeu a peça era um escravo. E escravos não podiam levar a fama.

O motivo da inovação, como sempre, era a mais pura e simples das necessidades: grana. Alguns anos antes, Dionísio 1º, rei que governava Siracusa, havia negociado muito a contragosto o pagamento de terras e dinheiro para evitar que os inimigos cartagineses invadissem a cidade. Por debaixo dos panos, o tirano resolveu tomar de volta o que julgava ser seu. Para isso, transformou seus domínios em um dos maiores centros de tecnologia militar. Graças ao lucro com o comércio de trigo e azeite, em pouco tempo Dionísio conseguiu arrebanhar os melhores artesãos militares do Mediterrâneo.

“O rei circulava diariamente entre os inventores, conversava em tom ameno com eles e recompensava os mais esforçados com presentes e convites para banquetes”, relatou o historiador grego Diodorus Siculus, ele próprio um siciliano. Da comilança e dos agradinhos resultaram numerosas máquinas de guerra. A catapulta estava entre elas e fez sua estréia no bem-sucedido cerco à cidade cartaginesa de Motya, que caiu em 398 a.C.

Do sucesso veio a multiplicação do espanto. Em sua obra Moralia, o filósofo grego Plutarco descreve o terror do rei espartano Arquidamos 3º (360 a.C.–338 a.C.) quando viu a catapulta demonstrada pela primeira vez. “Ó, Héracles! A bravura em batalha foi destruída!”, teria dito o rei, referindo-se ao fato de que uma arma daquelas poderia acabar com o mais valoroso dos guerreiros, sem que ele tivesse chance de fazer nada.

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Não era pouca coisa o momento histórico que Arquidamos presenciava: pela primeira vez, o homem podia usar algo que ia muito além da própria força física para guerrear. Quem vencia a guerra, a partir de então, era a máquina, não mais o homem.

Os gregos curtiram a brincadeira. Por volta de 330 a.C., ou seja, apenas 70 anos após a invenção da catapulta, o arsenal de Atenas já incluía uma variedade de requintados modelos impulsionados por sistemas de torção que ampliavam o alcance do projétil. Armas como o oxibele nasceram a partir do mesmo mecanismo. Capitalizado pelos romanos, o surto inventivo grego foi copiado e melhorado. Mudanças nos materiais, no design e no próprio uso tornaram a artilharia mais do que uma arma selvagem.

O passo definitivo para transformar o uso das catapultas em uma ciência foi o desenvolvimento da balística – a arte por meio da qual os artilheiros conseguiam, graças a cálculos matemáticos, direcionar com razoável precisão os projéteis que saíam de suas máquinas.

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Catapultas e similares continuaram a ser utilizados até o início da Idade Média. Isso até os europeus tomarem contato com a segunda linha evolutiva das armas de cerco, desenvolvida no Oriente, mais precisamente dentro da tradição chinesa. Utilizando o mesmo princípio da alavanca, os chineses, desde 400 a.C. (a mesma época do desenvolvimento da catapulta na Grécia), faziam uso de uma espécie de gangorra gigante com uma funda na ponta para atirar pedras. O invento, chamado de hseun fang (“furacão”), utilizava a força de cerca de 10 homens, que puxavam um dos braços da alavanca com cordas.

Com o tempo, os chineses se ligaram que não era necessário ter pessoas puxando um dos lados da gangorra. Bastava colocar um contrapeso para que o efeito fosse o mesmo. Ao longo dos séculos, o poderoso engenho atravessou a Ásia. No ano de 1169, o estudioso islâmico al-Tarsusi descreveu em um manual militar uma máquina que usava o mecanismo do contrapeso, chamada entre os árabes de manjaniq.

GIF ilustrando o funcionamento de um trebuchet (também chamado de “trabuco” em português). (NathanStodola/CC BY-SA 2.5/Wikimedia Commons)

Queridinhos do rei

Na mesma época, o invento, que ficaria conhecido no Ocidente com o nome de trebuchet, foi construído por forças cristãs que combatiam na Palestina durante a 3a Cruzada (1189-1192). O comandante da expedição, o rei inglês Ricardo Coração de Leão, tinha uma adoração especial por dois enormes trebuchets apelidados por ele de “Catapulta de Deus” e “Vizinho Mau”, que abriram enormes brechas na fortaleza da cidade (veja bem, não é estado) de Acre.

A partir das Cruzadas, o trebuchet cresceu e apareceu por toda a Europa, onde participou de alguns dos momentos mais criativos da Idade Média. Utilizando as enormes máquinas de cerco, os atacantes jogavam animais e cadáveres infectados com peste para dentro das muralhas, uma guerra biológica primitiva. Há também relatos de negociadores sendo enviados vivos – via trebuchet – de volta às cidades sitiadas, numa demonstração de que as negociações haviam falhado.

O predomínio do engenho só seria ameaçado com a chegada do canhão. O primeiro surgiu em 1325. Por cerca de 100 anos, eles foram secundários em relação ao trebuchet. Não era fácil carregá-los, e seu grau de imprecisão era alto. Conforme a tecnologia foi se aprimorando, a relação se inverteu. “O marco foi o ano de 1449, data de criação de um canhão gigantesco chamado Mons Meg, que enviava uma bola de 150 quilos a 266 metros de distância.

A partir de então, o poder de fogo do canhão e do trebuchet se equipararam”, afirma o especialista em catapultas Michael Farnworth, autor do ensaio Inventive Steps in Trebuchet Evolution (“Passos Inovadores na Evolução do Trebuchet”).

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Daquele ponto em diante, a importância do trebuchet foi gradualmente diminuindo. Em 1550, gravuras medievais ainda mostravam o engenho operando ao lado de canhões. O último uso documentado é bem posterior, de 1779, durante uma batalha em Gibraltar. Na ocasião, o Exército inglês aproveitou a trajetória de parábola dos projéteis lançados do trebuchet para atingir alvos inacessíveis aos canhões.

A evolução das armas de fogo aposentou as catapultas. Isso não impediu sua última glória. Durante a 1a Guerra Mundial (1914-1918), em meio à batalha de trincheiras, os homens que arriscavam suas vidas atirando granadas rumo às posições inimigas reinventaram a roda. Utilizando molas e madeira, construíram pequenas catapultas, capazes de lançar as granadas sem que fosse preciso se expor ao fogo inimigo. Uma demonstração de que a simplicidade e eficiência das armas de cerco ainda podiam causar o que sempre causaram: terror nos inimigos.

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