Alexandre Mansur, do Rio de Janeiro
Boas notícias. Doze anos depois da proibição da caça aos cetáceos no país, nunca tantas baleias e tantos golfinhos foram vistos nas costas do Brasil. Animais como a baleia-franca, a jubarte e a orca têm aparecido nadando até diante das praias do Rio de Janeiro. Com o mar cheio, biólogos e oceanógrafos de vários Estados reuniram informação suficiente para decifrar o local de moradia e as rotas de migração de quase todas as 34 espécies que passam ou residem por aqui.
Apesar de volumosos, os bichões não são nada fáceis de acompanhar no meio de tanto mar. Para detectá-los, os pesquisadores usam todos os meios disponíveis: desde aviões que sobrevoam o oceano até a observação de encalhes ou capturas acidentais em redes de pescadores. Mesmo assim, os seis animais mais ariscos (quatro tipos de baleia e dois de golfinho) ainda não foram localizados com precisão. Cruzando as informações existentes, a SUPER montou um quadro geral do que já se sabe. Com vocês, pela primeira vez, o mapa de onde residem ou viajam os nossos, às vezes pesados mas quase sempre simpáticos, vizinhos.
Abram alas que elas querem passar
Desde 1986, quando o Brasil proibiu a caça aos golfinhos, e de 1987, quando a proibição foi estendida às baleias, a turma da pesada vem aumentando. Mas como se sabe isso se ninguém, afinal, fez um censo dos cetáceos? “A resposta exige paciência de monge”, diz o oceanógrafo Alexandre Zerbini, do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo. Para inventariar as espécies, os pesquisadores percorrem o litoral de navio, sobrevoam mar aberto, acompanham encalhes e investigam capturas involuntárias de pescadores. O contato visual com o animal, a chamada avistagem, é fundamental. Cada notícia sobre aparecimento de baleias, relatórios de pesca ou observação de navegantes ajuda a montar o mapa. Entre 1975 e 1984 houve cinco encalhes de jubarte em praias brasileiras. Entre 1985 e 1994, o número pulou para trinta. “Esse é um forte indício de que as populações estão se recuperando”, explica o biólogo Salvatore Siciliano, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Das baleias que encalham no Brasil, 31% são jubartes, 30% minkes, 24% francas e 12% brydes.
Grandes indícios
“A quantidade de avistagens no mar também aumentou”, diz Márcio Martins, pesquisador do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars), que uma vez por mês percorre a costa daquele Estado procurando carcaças na praia. “As baleias francas estão indo mais para o norte, expandindo a área de reprodução”, afirma. Recentemente, o Gemars descobriu dois filhotes de franca mortos e encalhados na areia. Tinham cordão umbelical e apenas 5 metros de comprimento. “Eram bebês. Isso indica que mais filhotes estão nascendo na temporada reprodutiva.”
Com exceção da baleia bryde, as baleias misticetas (com barbatanas em lugar de dentes), como a azul, a jubarte e a franca, migram, todo ano. Elas passam o verão austral, de novembro a junho, comendo krill, um pequeno crustáceo da Antártida, enquanto o sol ilumina o Pólo Sul. Quando chega o inverno, buscam águas quentes e rasas para se reproduzir. As jubartes e francas, freqüentemente solitárias, preferem o litoral de Santa Catarina e o Arquipélago de Abrolhos, na Bahia, enquanto a azul, a sei, a fin e a minke nadam em alto-mar. Por isso, os encalhes das espécies de alto-mar nas praias são bem mais raros.
O raro e o comum
Em geral, as baleias e golfinhos odontocetos (com dentes) não migram. São gregários e circulam em grupos, viajando grandes distâncias atrás de cardumes, mas voltando à região de origem. Quando são litorâneos, ocupam áreas restritas, como a já famosa Baía dos Golfinhos, em Fernando de Noronha. Não dá para arriscar um palpite sobre a população de golfinhos. “Eles são muitos e estão por toda parte. Precisaria de um estudo mais aprofundado”, diz Ignácio Moreno, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Há apenas dois tipos de golfinhos de água doce no Brasil: o boto-cor-de-rosa e o boto-cinza ou boto-tucuxi. Ambos vivem na bacia amazônica. “Embora tenha fama de ameaçado, o boto-cor-de-rosa está seguro por enquanto. Sua população é estável”, garante a bióloga Vera da Silva, do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), em Manaus.
Os pesquisadores sofrem, mesmo, é com as espécies misteriosas. O golfinho pontopória é tão arisco que, embora freqüente em águas rasas, quase nunca é visto. “Ele tem a cor do mar, preferem regiões turvas, não salta e se alimenta de peixes no fundo”, lamenta-se o biólogo Eduardo Secchi, do Laboratório de Mamíferos Marinhos do Museu Oceanográfico Professor Eliezer Rios, em Rio Grande (RS). O pesquisador que o avista vibra como um acertador da loteria.
Da terra para o mar
Como mamíferos terrestres viraram baleias e golfinhos.
Há 65 milhões de anos
Com o fim dos dinossauros, os mamíferos proliferaram. Um bicho como este, da ordem condylarthtra, foi o ancestral dos cetáceos (baleias e golfinhos), artiodáctilos (hipopótamos e vacas), perissodáctilos (cavalos), probossídeos (elefantes) e sirênios (peixes-boi). Um verdadeiro curinga da Evolução.
Há 50 milhões de anos
Os mesonichideos, descendentes dos condylarthtra, perderam os pêlos e adaptaram o corpo para caçar peixes em rios e lagos. Ao nadar para o mar, viraram archaeocetos. Tinham dentes, como mamíferos terrestres, e narinas no topo da cabeça. O rabo virou uma potente nadadeira.
Há 28 milhões de anos
Surgiram os cetáceos modernos, divididos em duas subordens: os misticetos (que têm barbatanas em vez de dentes) e os odontocetos (com dentes).
O primo ágil
Cachalotes (baleias com dentes) e golfinhos (também conhecidos como botos) são odontocetos. Sua principal característica é o tamanho pequeno e a extrema agilidade.
Pane no sonar
Por que baleias e golfinhos encalham nas praias?
Além de emitir sons para se comunicar – estalos, assobios e cliques – os cetáceos usam-nos para ecolocação: os sons refletem em objetos e retornam como eco, orientando a rota. Têm, também, a capacidade de detectar o campo magnético da Terra, deduzindo a direção norte-sul para migrações. Os encalhes em massa não são suicídios coletivos. Resultam de falhas no sistema de eco, que geram erros fatais de navegação. Pôster
O mar dos mamíferos
Os 7 400 quilômetros da costa do Brasil são habitados por 32 espécies de cetáceos – baleias, golfinhos, todos mamíferos. Além dessas, há mais duas espécies de golfinhos fluviais, que são os botos da bacia amazônica. Neste pôster inédito, preparado com exclusividade pela SUPER, você pode conhecer todas. A área exata do hábitat de cada espécie está indicada nos mapas menores. Acompanhe também o roteiro anual das baleias migratórias.
Golfinho-comum (Delphinus delphis)
Tamanho: 2,3 metros
Peso: 75 quilos
Boto-cinza (Tucuxi) (Sotalia fluviatilis)
Tamanho: 1,7 metros
Peso: 40 quilos
Boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis)
Tamanho: 2 metros
Peso: 140 quilos
Baleia-de-bryde (Balaenoptera edeni)
Tamanho: 13,7 metros
Peso: 18 toneladas
Golfinho-cabeça-de-melão (Peponocephala electra)
Tamanho: 2,4 metros
Peso: 160 quilos
Golfinho-flíper (Tursiops truncatus)
Tamanho: 2,5 metros
Peso: 300 quilos
Boto-cinza marinho (Sotalia fluviatilis)
Tamanho: 1,7 metros
Peso: 40 quilos
Falsa-orca (Pseudorca crassidens)
Tamanho: 5 metros
Peso: 2 toneladas
Golfinho-pintado-do-atlântico (Stelenna frontalis)
Tamanho: 2 metros
Peso: 90 quilos
Golfinho-pontopória (Pontoporia blainvillei)
Tamanho: 1,3 metro
Peso: 45 quilos
Orca (Orcinus orca)
Tamanho: 8 metros
Peso: 7 toneladas
Boto-de-burmeister (Phocoena spinipinnis)
Tamanho: 1,5 metro
Peso: 60 quilos
Golfinho-rotador (Stenella longirostris)
Tamanho: 2 metros
Peso: 75 quilos
Golfinho-de-dentes-rugosos (Steno bredanensis)
Tamanho: 2,4 metros
Peso: 140 quilos
Baleia-piloto-de-aleta-longa (Globicephala melas)
Tamanho: 6 metros
Peso: 3,5 toneladas
Baleia-bicuda-de-cabeça-plana-do-sul (Hyperoodon planifrons)
Tamanho: 7 metros
Peso: 3,5 toneladas
Cachalote-anão (Kogia simus)
Tamanho: 2,3 metros
Peso: 200 quilos
Golfinho-clímene (Stenella clymene)
Tamanho: 2 metros
Peso: 79 quilos
Baleia-piloto-de-aleta-curta (Globicephala macrorhynchus)
Tamanho: 5,5 metros
Peso: 3 toneladas
Golfinho-de-risso (Grampus griseus)
Tamanho: 3 metros
Peso: 600 quilos
Cachalote (Physeter macrocephalus)
Tamanho: 16 metros
Peso: 45 toneladas
Cachalote-pigmeu (Kogia breviceps)
Tamanho: 2,7 metros
Peso: 300 quilos
Baleia-bicuda-de-cuvier (Ziphius cavirostris)
Tamanho: 7 metros
Peso: 3 toneladas
Baleia-bicuda-de-gray (Mesoplodon grayi)
Tamanho: 4,5 metros
Peso: 1 tonelada
Baleia-bicuda-de-blainville (Mesoplon densirostris)
Tamanho: 4 metros
Peso: 1 tonelada
Golfinho-pintado-tropical (Stenella attenuata)
Tamanho: 2 metros
Peso: 100 quilos
Golfinho-listrado (Stenella coeruleoalba)
Tamanho: 2,3 metros
Peso: 120 quilos
Golfinho-de-fraser (Lagenodelphis hosei)
Tamanho: 2 metros
Peso: 170 quilos
As migrações
As baleias franca e jubarte passam o verão na Antártida e o inverno nas costas de Santa Catarina e do Nordeste. As baleias azul, fin, sei e minke também saem da Antártida, no inverno, em busca de águas mais quentes, mas nadam no meio do Oceano Atlântico.
Baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae)
Tamanho: 14 metros
Peso: 30 toneladas
Baleia-franca (Eubalaena australis)
Tamanho: 15 metros
Peso: 100 toneladas
Baleia-azul (Balaenoptera musculus)
Tamanho: 30 metros
Peso: 140 toneladas
Baleia-minke (Balaenoptera acutorostrata)
Tamanho: 8 metros
Peso: 8 toneladas
Baleia-sei (Balaenoptera borealis)
Tamanho: 17 metros
Peso: 25 toneladas
Baleia-fin (Balaenoptera physalus)
Tamanho: 22 metros
Peso: 75 toneladas
A SUPER usou dados e informações de vários institutos e pesquisadores para elaborar este mapa. Contribuíram para este trabalho: Alexandre Zerbini, do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo; Salvatore Siciliano, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Márcio Martins, do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul; Ignácio Moreno, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Vera da Silva, do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia; Eduardo Secchi, do Laboratório de Mamíferos Marinhos do Museu Oceanográfico Professor Eliezer Rios, em Rio Grande (RS); Bia Hetzel e Liliane Lodi, autoras do livro Baleias, Botos e Golfinhos: Guia de Identificação para o Brasil (Editora Nova Fronteira, 1993). Ilustrações Newton Verlangieri.