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As estações de metrô de Kiev foram feitas para aguentar ataques militares

Usadas como refúgio ante aos ataques russos, elas são profundas e suntuosas – assim como quase todas as estações construídas durante o regime soviético. Entenda.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 1 mar 2022, 18h03 - Publicado em 1 mar 2022, 18h01

Em abril de 2021, quando as tensões na fronteira do leste da Ucrânia com a Rússia já se intensificavam, o governo de Kiev, capital do país, divulgou um mapa com quase 3 mil lugares que poderiam servir como abrigos antibomba, para o caso de um ataque. Das 52 estações de metrô da cidade, 47 estavam na lista.

Desde a última quinta (24), quando o exército russo começou a bombardear dezenas de cidades ucranianas, milhares de pessoas buscaram abrigo em estações de metrô. Além de Kiev, Kryvyi Rih, Dnipro e Kharkiv possuem sistemas metroviárias. Kharkiv, segunda maior cidade do país, com 1 milhão de habitantes (Kiev tem 2,9 milhões), teve um prédio do governo atingido por um míssil cruzeiro nesta terça-feira (1). Ao menos dez pessoas morreram e 35 ficaram feridas.

O metrô ucraniano é profundo. Em Dnipro, todas as seis estações estão a 70 metros debaixo da terra. Em Kiev, a estação Arsenalna, próxima ao centro da cidade e do rio Dniepre, é a mais profunda do mundo, com 105,5 m de profundidade.

Em comparação, as estações Pinheiros e Paulista da Linha Amarela do metrô de São Paulo têm 30 m e 40 m de profundidade, respectivamente. Nem a futura estação Higienópolis-Mackenzie da Linha Laranja, que será a mais profunda da América Latina, com 69 m, chegará perto.

Não é por acaso. O regime soviético construiu 770 estações em 19 cidades espalhadas pelo bloco comunista, e quase todas compartilham as mesmas características. São profundas e equipadas com exaustores e medidores de radiação (se uma guerra nuclear começasse, elas serviriam de abrigo). São também suntuosas e com uma arquitetura imponente – não ficam devendo para nenhum museu ou hotel de luxo. Vamos entender por quê.

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Mais trilhos, por favor

Como parte da estratégia coletivista, a União Soviética limitou a produção de automóveis e priorizou o transporte de massa. De fato: no auge da URSS, apenas 30 em cada mil soviéticos andavam de carro.

A primeira cidade a receber obras para o metrô foi Moscou. Em 1931, o ditador Joseph Stálin aprovou os planos para a construção das 13 estações iniciais da capital russa (hoje, são mais de 200). 70 mil trabalhadores estiveram envolvidos nas obras. O metrô foi inaugurado em 1935.

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(O metrô de Kiev foi o terceiro a ser construído pela URSS. Ele foi concebido pela primeira vez ainda em 1884, quando a Ucrânia integrava o Império Russo, mas só foi concluído, de fato, nos anos 1960.)

Escadas rolantes da estação Arsenalna, em Kiev
Escadas da estação Arsenalna, em Kiev, a mais profunda do mundo: 105,5 metro debaixo da terra. (John Coletti/Getty Images)

Os trens de Moscou eram lentos, mas o sistema era eficiente. Nos anos 1970, o intervalo entre um e outro era de apenas 80 segundos, e relógios espalhados pelas estações informavam quanto tempo havia se passado desde a última partida.

Em 1974, o jornal The New York Times publicou um artigo tecendo elogios ao sistema metroviário moscovita, que na época atendia 5 milhões de passageiros por dia (o de Nova York, em comparação, transportava 3,8 milhões). O metrô da capital russa, embora mais enxuto que o nova-iorquino, tinha uma passagem cinco vezes mais barata.

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Beleza debaixo da terra

Outra semelhança das estações do período soviético, da Ucrânia à Sibéria, é a arquitetura marcante. Da iluminação aos mosaicos, passando pelos azulejos, mosaicos, escadas e trabalhos em mármore e madeira, é fácil se impressionar.

“São algumas das coisas mais bonitas dessas cidades”, disse à revista Wired o fotógrafo canadense Chris Herwig, que percorreu 15 sistemas de metrô em sete países para fazer o livro Soviet Metro Stations (“estações de metrô soviéticas”), lançado em 2019. Mas por que será que elas são assim?

Estação Komsomolskaya do metrô de Moscou
Estação Komsomolskaya do metrô de Moscou. (CHANG JUNG YU/Getty Images)

“[A União Soviética] construiu estações como monumentos de propaganda, com uma arquitetura que lembra um classicismo modernizado, com elementos art déco e uma decoração inspirada no realismo socialista”, escreve Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em sua coluna na Folha de S. Paulo.

O realismo socialista consistia em exaltar símbolos nacionalistas soviéticos. No geral, as imagens traziam trabalhadores (do campo ou da cidade) ou figuras do exército, sempre valorizando poder e força física. Hoje, as ex-repúblicas soviéticas ainda mantêm boa parte dessa estética em suas estações. Ícones mais marcantes como a foice e o martelo, contudo, foram retirados dos mosaicos.

Essas estações estão sendo redescobertas aos poucos, já que ainda hoje há restrições a fotografias dentro delas – uma vigilância herdada da Guerra Fria, mas que continua ecoando na Rússia e em outros países da região.

“Mais de 50 vezes, dentro de várias estações, me disseram que não era permitido tirar fotos”, disse ao New York Times Frank Herfort, que documentou todas as estações soviéticas para o livro CCCP Underground. Em Tashkent, capital do Uzbequistão, por exemplo, a lei que proibia fotografias no metrô só caiu em 2018.

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