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As mulheres não terão saudade de João Paulo II

Nesse sentido, o pontificado de João Paulo II passará à história um triste legado. É verdade que ele pediu perdão pelo sofrimento histórico causado à população feminina e possibilitou sua presença em várias das grandes reuniões promovidas pelo Vaticano.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 dez 2003, 22h00

Maria José Rosado Nunes

O que nos deixa Wojtyla, o papa João Paulo II? Podemos utilizar vários critérios para avaliar seu pontificado. Um deles, de grande importância, é o tratamento dispensado pelo Vaticano àquelas que são maioria entre os católicos: as mulheres. Nesse sentido, o pontificado de João Paulo II passará à história um triste legado. É verdade que ele pediu perdão pelo sofrimento histórico causado à população feminina e possibilitou sua presença em várias das grandes reuniões promovidas pelo Vaticano. Mas não se pode esquecer que, sob seu governo, a Igreja Católica foi dura com as mulheres.

Quando outras igrejas abriram-se à participação das fiéis como pastoras, ordenando-as e sagrando-as bispas, João Paulo II ignorou o imenso trabalho realizado pelas mulheres no catolicismo por todo o mundo, declarando uma oposição intransigente ao sacerdócio feminino. Tampouco se pode esquecer o quanto a Igreja foi implacável com aquelas que engravidaram em conseqüência de estupro, condenando-as a gerar o fruto da violência. Sem falar da teimosia irracional do Vaticano, que, contra as evidências científicas, nega-se a aceitar o preservativo como o método mais eficiente de evitar a aids.

Para muita gente, Wojtyla passará à historia como um papa carismático, apesar de seu conservadorismo. Esportivo, tendo até sido ator na juventude, é o papa da comunicação e das viagens internacionais, além de ser o primeiro papa eslavo da história.

Inúmeras vezes deixou o Vaticano e visitou países em todos os continentes, restabelecendo relações inimagináveis, como no caso de Cuba, pregando a paz e demonstrando sua preocupação com a eliminação da pobreza. Hoje, debilitado pela doença, é a imagem do sofredor que emociona as multidões aglomeradas em praças e ruas à sua passagem.

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Mas sua forma de comandar a Igreja demonstrou o centralismo autoritário de suas posições. Exemplo disso foram os vários episódios em que nomeou bispos contra os pareceres das comunidades, que desejavam líderes com outra linha de pensamento. A doença não arrefeceu seu caráter controlador. Um dos seus últimos documentos, Ad Tuendam Fidem (“Em Defesa da Fé”), insiste na obediência irrestrita dos católicos, em particular de teólogos, sacerdotes e professores de instituições católicas, aos princípios morais da Igreja, atingindo em cheio a liberdade de pensamento e de expressão, tão cara à mentalidade contemporânea.

Publicou ainda documentos assustadores, como aquele em que a Congregação para a Doutrina da Fé (instância da Igreja que promove e defende a moral católica) qualifica a homossexualidade como “anomalia desordenada”, não reconhecendo a validade moral do amor entre pessoas do mesmo sexo. Na mesma linha, João Paulo II mostrou-se insensível à situação real de mulheres e homens divorciados que desejam participar da vida litúrgica católica, proibindo-os de receberem a eucaristia.

Em nome de princípios morais católicos, João Paulo II desqualificou a ordem democrática, quando considerou leis sobre o aborto, democraticamente votadas em alguns países, “completamente desprovidas de uma autêntica validade jurídica” (Encíclica Evangelium Vitae, 1995).

Sob sua autoridade, emissários da Santa Sé atuaram ao lado das forças religiosas mais reacionárias nas Conferências da ONU no Cairo (População e Desenvolvimento – 1994) e em Beijing (Conferências das Mulheres – 1995), em tentativas constantes de reafirmar normas restritivas e controladoras, especialmente no campo da sexualidade. Invariavelmente, esses emissários assumiram essa postura retrógrada para impedir legislações e políticas públicas que garantissem a vivência livre e responsável do sexo.

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Mesmo a liberdade de consciência, parte incontornável da tradição cristã, invocada para garantir o direito de se opor ao Estado e de desobedecer às suas leis, quando estas não seguem as prescrições morais católicas, é negada quando se trata de afirmar a possibilidade de divergência com certas posições romanas.

Por todas essas razões, para muitas mulheres católicas, um balanço melancólico e triste resulta da avaliação deste pontificado. Sob inúmeros aspectos, João Paulo II revelou-se portador de um projeto sexista, contrário à afirmação dos direitos das mulheres e de sua dignidade humana, rejeitando os grandes movimentos contemporâneos de emancipação feminina. Resta a esperança de que, para o bem da mesma Igreja, o sucessor de João Paulo II ouça os apelos das mulheres, que tanto têm contribuído para manter viva a fé católica.

* Socióloga, coordenadora da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, professora convidada na Harvard University, em 2003.

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