Choque e terror: o exército do futuro
Mongóis fizeram na Idade Média o que os outros fariam séculos depois.
De um lado, cavaleiros paramentados e protegidos com cota de malha e elmos fechados de aço, escudos longos, lanças pesadas. Do outro, nômades da Mongólia, em cavalos menores e mais lentos, armadura nenhuma ou leve, às vezes de couro, parcialmente de ferro, portando arcos compostos, uma tecnologia já conhecida pelos antigos egípcios.
Os mongóis levaram consigo o que descobriram na China: catapultas, granadas, talvez até canhões primitivos. Mas não parece ter sido decisivo. Não foi a tecnologia que venceu, mas estratégia e conceitos avançados de combate que só voltariam a ser vistos muitos séculos depois. Também nunca estavam em vantagem numérica. A chave da vitória estava em logística, mobilidade, comunicação e entender a psicologia do inimigo.
Ainda que os cavalos mongóis fossem menores e mais lentos que os dos cavaleiros europeus, tinham muito mais resistência. E eram muitos: cada soldado mongol levava consigo de dois a quatro deles. Cada vez que um se cansava, outro entrava no lugar. Os cavalos também conseguiam sobreviver apenas das pastagens, sem precisar de grãos, e os mongóis se alimentavam de leite das éguas, que eram maioria. Ou o sangue ou até a carne dos animais, se não houvesse jeito. Com isso, podiam se mover até 160 km por dia, um feito impensável a outros exércitos. Surpreendiam os inimigos chegando dias, até semanas antes do previsto.
Mongóis mantinham a comunicação entre a vanguarda e a retaguarda com o Örtöö, um serviço de mensagens que consistia em estações espaçadas entre 32 e 64 km pelo caminho, de forma que cavalos e cavaleiro podiam ser trocados, operando dia e noite, atingindo uma velocidade de 300 km por dia. E, ainda em matéria de inteligência, havia os espiões. Batu Khan enviou espiões (ou subornou locais) para estudar a Europa Central anos antes de sua invasão. Quando finalmente chegou lá, pela Hungria, em 1241, tinha mapas da região e fazia ideia das guarnições de cada local e as relações políticas do local, quem iria ajudar a quem.
Tudo isso servia para manter o maior império que o mundo veria em toda a história. Até sua fragmentação entre os próprios mongóis, a partir de 1259, 53 anos após o início das conquistas de Gengis Khan. E entra aqui a parte da psicologia: os mongóis prezavam e dependiam de sua reputação de invencíveis e implacáveis. A cada cidade que desejavam incorporar, eles davam a opção da rendição, que era muito menos perigosa a eles próprios. Isso dependia de as notícias correrem para que, se um local conquistado pensasse em se revoltar, tivesse certeza de que eles voltariam para se vingar fulminantemente.
A outra parte era a tática: as armaduras pesadas dos cavaleiros diminuíam, ao menos em parte, sua vantagem de velocidade. O que os mongóis faziam era protelar ao máximo possível o combate corpo a corpo. Avançavam e recuavam atirando, faziam todo tipo de armadilhas em flancos, através de floresta. Atraíam os inimigos para emboscadas fingindo estar batendo em retirada – às vezes, por dias.
As flechas não eram muito eficientes contra cavaleiros em armadura, mas obrigavam reação, e, no corre-corre, o cavalo europeu, com menos resistência, acabava se cansando, tornando a perseguição ainda mais infrutífera. Com os cavaleiros exaustos e separados da ala principal, finalmente os mongóis acionavam seus lanceiros, que usavam armadura, em combate direto (eram quatro lanceiros para cada seis arqueiros). Aí, era basicamente uma execução, com os europeus oferecendo pouca resistência.
Esses truques todos também dependiam de algo que o inimigo não tinha: comunicação. Mongóis basicamente operavam por “rádio”: eles tinham um sistema de bandeiras, cornetas e flechas para transmitir ordens, passadas pelos generais geralmente posicionados em terreno alto, acompanhando tudo. Os cavaleiros europeus, quando se separavam de seus generais, basicamente estavam por si mesmos.
Em outras palavras, a sofisticação tática e estratégica dos mongóis os colocava à frente de seus concorrentes. Operações militares tão bem organizadas só se tornariam comuns de novo na Era Napoleônica.