E se o ataque a Pearl Harbor nunca tivesse acontecido?
Em 7 de dezembro de 1941, o Japão cometeu o que muitos historiadores consideram um dos maiores erros estratégicos da história militar. Veja uma análise do ataque e por que ele favoreceu os EUA
Em 7 de dezembro de 1941 o Japão cometeu o que muitos historiadores consideram um dos maiores erros estratégicos da história militar. O ataque–surpresa à base naval de Pearl Harbor, no Havaí, matou 2.403 pessoas, afundou ou encalhou 18 navios e destruiu 188 aviões dos EUA. E também foi um tiro no pé, em vários sentidos.
Primeiro, os japoneses deram prioridade a atacar encouraçados, grandes navios armados com canhões. Vistos ainda como o centro da força naval, na verdade já estavam obsoletos, por causa dos porta-aviões, que atacam a uma distância muito maior e com muito mais precisão – tanto que o próprio ataque a Pearl Harbor foi conduzido a partir de porta-aviões.
O Japão achou que estava incapacitando a marinha dos EUA mas, com os três porta-aviões principais do país intactos, em maio de 1942 já sentiria a pressão na Batalha do Mar de Coral, sua primeira ofensiva repelida pelos aliados com o uso de porta-aviões.
O segundo erro foi que os japoneses achavam que os Estados Unidos se renderiam em pouco tempo. Eles tinham notícia de que o público nos EUA era contra a guerra que se desenrolava na Europa e no Pacífico. Verdade, mas não esperavam que o país mudaria de ideia ao ver seu solo atacado.
Para Pearl Harbor não acontecer, o Japão teria que, de alguma forma, conseguir o que precisava. A principal razão para decidir atacar os EUA foi o embargo estabelecido em agosto de 1941, por conta da invasão japonesa à Indochina Francesa (atuais Vietnã e Camboja).
O embargo cortou o suprimento de petróleo do Japão, sem o qual suas ambições imperiais se esvairiam no ar. Houve tentativas de negociação diplomática pelos dois lados. A última proposta, vinda dos EUA, seria o Japão abandonar não só a Indochina, como a China, parte central de sua ambição, que vinha tentando conquistar desde 1937. Teria também que assinar acordos de não agressão e livre comércio com todos os aliados europeus, incluindo a União Soviética, que o Japão particularmente detestava.
O Japão considerou a proposta humilhante. Significaria não só desistir de sua ambição de criar um império por toda a Ásia, como também trair (na prática) sua aliança recente com a Alemanha nazista e a Itália fascista. Ainda assim, atacar os EUA não era sua única opção.
Pearl Harbor foi uma tentativa de neutralizar os EUA para que o Japão fizesse aquilo que realmente lhe interessava: atacar a Indonésia, colônia holandesa, para adquirir petróleo, e a Malásia, colônia britânica, para ter borracha. Ambos eram insumos fundamentais para equipamentos de guerra. De fato, a invasão de ambas as colônias, junto com Hong Kong (também colônia britânica então) e as Filipinas (um protetorado dos EUA), começou logo após Pearl Harbor.
Se o Japão tivesse optado por apenas invadir as colônias britânicas e holandesas, as tensões escalariam, obviamente. Mas os EUA talvez não entrassem no conflito, nem contra o Japão, nem contra Hitler.
O resultado, aí, não seria necessariamente uma vitória do Eixo. Mas talvez um empate. Em dezembro de 1941, a guerra entre britânicos e alemães já havia sido exportada para colônias, no norte da África, sem que um país tivesse condições de invadir o outro.
No front oriental é que a chapa estava quente: a Operação Barbarossa (invasão da Alemanha à URSS) terminaria em 7 de janeiro de 1942, um mês após Pearl Harbor, sem que os nazistas conseguissem tomar Moscou. Depois disso, os soviéticos passaram a contra-atacar, e acabaram por vencer praticamente sozinhos na Europa, causando 80% das baixas alemãs na Guerra.
O Japão era um regime tão radicalmente anticomunista quanto o da Alemanha, mas não estava interessado em invadir a URSS. Pearl Harbor foi justamente o plano alternativo a invadir a URSS, abandonado após as derrotas contra os soviéticos em duas batalhas sem guerra declaradas: a Batalha do Lago Khasan (Rússia), em 1938, e a Batalha de Khalkin Gol (Mongólia), em 1939. Com os EUA fora da jogada, por outro lado, o Japão estaria livre para ameaçar a URSS.
Assim, soviéticos e alemães seriam forçados à mesa de negociações. A Alemanha nazista, sofrendo com a contraofensiva dos soviéticos, concordaria, assim como a URSS, para evitar um ataque japonês pela retaguarda. Isolado, o Reino Unido também teria de chegar a um acordo. A Segunda Guerra acabaria em 1942 ou 1943, com todos os líderes ainda nas respectivas cadeiras.
Essa paz adiantada não seria exatamente uma boa notícia. Restariam um imenso Império do Japão na Ásia, fazendo fronteira com os britânicos na Índia e os soviéticos ao Norte. Mais uma Alemanha forte, com a Itália como títere e territórios em partes da Polônia e da França. Teríamos uma outra Guerra Fria entre potências coloniais democráticas (exceto a URSS, aliada), versus potências coloniais autocráticas.
Nesse cenário, o imperialismo britânico segue firme e forte: nada de independência da Índia e das colônias africanas e asiáticas. Seriam estratégicas demais para ceder, e acabariam mantidas com ajuda militar dos EUA. O Japão provavelmente preferiria criar estados marionetes no lugar de colônias explícitas, como havia feito na Coreia e na Manchúria (nordeste da China), pois se dizia o “libertador” da Ásia.
Cuba seria um caso curioso: a revolução de Fidel e Che aconteceu quando o ditador Fulgencio Batista perdeu o apoio dos EUA. Fidel então só se dizia nacionalista, e o país se alinhou à URSS depois de os vizinhos do norte tentarem derrubar o governo por conta do confisco de propriedades americanas. A URSS seria, nesse contexto, aliada das democracias europeias ante o nazi-fascismo. Os EUA poderiam então deixar barato, ou aceitar uma compensação, que quem sabe os próprios soviéticos oferecessem. No fim, poderia ter boas relações com o regime de Fidel, como acabaria tendo com a China e a Iugoslávia comunistas nas últimas décadas da Guerra Fria.
Já a China seria um estado-marionete do Japão, e Mao Tsé-Tung possivelmente estaria morto ou no exílio. Ou seja: o comunismo seria visto como uma ameaça menor do que o fascismo. Dessa forma, a ditadura militar no Brasil também seria improvável.
Mas não faltariam problemas. Esse mundo orwelliano, com nazistas e militaristas japoneses mandando provocações para o resto do mundo quase certamente levaria a uma Terceira Guerra. Só que nesta as armas atômicas não terminariam o combate. Abririam.
No fim, seria como aquela frase atribuída a Albert Einstein (mas na verdade de autor desconhecido): “Não sei com que armas lutarão na Terceira Guerra, mas a Quarta será com pedras e paus”.