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Flecha pré-histórica suíça foi feita com ferro de fora da Terra, importado da Estônia

Arqueólogos em Berna analisaram o metal usado em uma ponta de lança de 6 mil anos, extraído de um meteorito, que demonstra a extensão das redes comerciais da Europa pré-histórica.

Por Caio César Pereira
Atualizado em 7 ago 2023, 15h29 - Publicado em 3 ago 2023, 10h04

No universo Marvel, um dos metais mais importantes é o Vibranium. Esse é o material do qual são feitos o escudo do Capitão América e o uniforme do Pantera Negra, e chegou à Terra a bordo de um meteorito há mais ou menos 10 mil anos. É claro que, no mundo real, não há nenhum metal indestrutível ou capaz de absorver a energia de um impacto. Mas um grupo de arqueólogos acaba de encontrar uma arma feita com um material extraterrestre mais banal: ferro. 

Pesquisadores da Universidade e do Museu de História Natural de Berna, na Suíça, encontraram a ponta de uma flecha forjada com ferro proveniente de um meteorito. O artefato não foi escavado: já estava devidamente limpo e guardado, desde o século 19, na coleção do museu. Só foi preciso identificá-lo.

O item data de aproximadamente 6 mil anos atrás, e é apenas um de vários objetos da época feitos com material extraterrestre. Ferro puro, afinal, é algo difícil de se obter na natureza (o comum é minerar seus óxidos, e só depois isolar o metal). Para nossos ancestrais, que não eram a Vale, era mais fácil pegá-lo de pedrinhas que caíram do céu. 

“Meteorito” é o nome que se dá às partes de um meteoro que conseguem sobreviver ao calor gerado pelo atrito durante a entrada na nossa atmosfera. O ferro é um dos componentes que melhor aguentam o desgaste da entrada, e por isso, ele perfaz um percentual grande da maior parte dos meteoritos encontrados juntamente com um pouco de níquel e outros metais em quantidades residuais.

Você pode estar se perguntando: como eles sabem que o ferro da flecha vem do espaço e não da Terra? É que o ferro extraterrestre tem em sua composição o alumínio-26. Esse é um isótopo radioativo do alumínio que só pode ser encontrado lá fora, no cosmos. (Isótopos são versões de um elemento da tabela periódica. Nelas, o número de nêutrons no núcleo do átomo muda, o que torna o átomo mais ou menos passível de liberar radiação.)

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Mas o mais surpreendente nessa descoberta nem foi ter encontrado um metal alienígena, e sim que essa matéria-prima, de alguma forma, foi “importada” pelos suíços. A composição química da amostra, quando analisada mais detidamente, mostrou que o metal tem a mesma origem de peças encontradas normalmente na República Tcheca ou na Estônia (cuja distância da Suíça é de mais ou menos 1.750 km).

Analisando a data e o formato da flecha, eles chegaram a conclusão de que, provavelmente, ele veio da Estônia, mais especificamente, da região de Kaalijarv. Isso indica que essa amostra de ferro viajou por uma das rotas comerciais da época, conhecida como “rota do Báltico”.

No recente livro O despertar de tudo: Uma nova história da humanidade, os autores David Graeber e David Wengrow explicam que tais redes de troca eram comuns do que imaginamos na pré-história, ainda que não tenha ficado registradas formalmente pela falta de documentação escrita (podem apenas deduzir sua existência a partir da distribuição dos artefatos encontrados hoje).

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Isso altera um pouco a percepção que se tinha sobre a dinâmica dos povos da pré-história: aparentemente, eles mantinham relações de longa distância entre si e não eram grupamentos majoritariamente familiares e estáticos. Isso vale tanto para os primeiros agricultores como para os caçadores-coletores, que podiam ter formas razoavelmente complexas de organização política sem se organizar em torno de plantações. 

Descobertas como essa nos ajudam a entender como os povos de antigamente se organizavam e se relacionavam entre seus iguais, e como trocas entre populações distantes já aconteciam e foram essenciais para o desenvolvimento da cultura e da tecnologia na nossa espécie.

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