Ideias perigosas
Teorias que, se provadas, podem revolucionar o mundo, mas também trazer prejuízos.
Quando disse que havíamos evoluído dos primatas, Darwin não imaginou que sua idéia seria usada por Hitler para promover uma disputa entre “raças” humanas. Einstein também não queria dar um passo em direção à bomba atômica quando pensou a Teoria da Relatividade. Mas são problemas pelos quais todas as grandes idéias passam: ao mudar mentalidades, trazem conseqüências não desejadas. Casos assim inspiraram o fórum de discussões entre cientistas Edge a perguntar para 119 cientistas: “Qual é a sua idéia perigosa?” São teorias que, se confirmadas, podem mudar o mundo para o bem e para o mal. E a SUPER separou para você alguns dos melhores trechos.
1. Antidepressivos podem acabar com o amor humano
Por Helen Fisher, antropóloga da Universidade de Rutgers, EUA, e autora de livros sobre amor e sobre as diferenças entre homens e mulheres.
“Antidepressivos que aumentam a produção de serotonina (como o Prozac) podem colocar em xeque sentimentos de amor romântico. Pesquisas mostram que essas drogas suprimem o desejo sexual e os orgasmos em até 73% dos usuários, diminuem a produção de alguns hormônios no ovário das mulheres e, nos homens, podem levar à infertilidade: o clomipramine, outro forte antidepressivo, afeta o volume e mobilidade dos espermatozóides.
O Homo sapiens tem 3 sistemas cerebrais para a reprodução. O primeiro, o desejo sexual, evoluiu para motivar homens e mulheres a ter contato com uma gama de parceiros em busca do ideal. Já o amor romântico surgiu para as pessoas focarem o cortejo em apenas um parceiro, enquanto o amor familiar permite que um casal cuide de seu filho durante a infância. A complexa dinâmica entre esses 3 sistemas cerebrais sugere que qualquer medicação que mude o equilíbrio químico pode alterar a capacidade de cortejar, namorar e de ser um bom pai ou mãe.
Essa idéia é perigosa porque há uma forte indústria de drogas que investe em vender essas drogas. Milhões de pessoas já usam esses remédios no mundo inteiro e, à medida que eles viram genéricos, novas pessoas irão usá-los, inibindo suas habilidades de se apaixonar e continuar amando. E, se os padrões amorosos humanos mudarem, todo tipo de atrocidades sociais e políticas podem aumentar.”
2. Revelar a base genética da personalidade criará conflitos sociais
Por J. Craig Venter, pesquisador de genética e pioneiro na pesquisa do genoma humano.
“Estamos nos aproximando da época em que teremos bancos de dados com milhões de genomas completos. Mas, quando eles estiverem disponíveis, a sociedade – em sua maioria ignorante e com medo da ciência – estará pronta para as respostas que provavelmente obteremos?
Por exemplo, sabemos por experiências com moscas de frutas que muitos genes controlam o comportamento, incluindo o sexual. As diferenças genéticas em cada raça de cachorro levam umas a serem mais agressivas e terem comportamento diferente de outras. Mas quando o assunto são os seres humanos, parecemos gostar da noção de que todos fomos criados de maneira igual, ou de que toda criança é uma folha em branco. À medida que as pesquisas sobre nossos genes avançam, seremos forçados a deixar de lado interpretações politicamente corretas e reconhecer a influência dos genes em nosso comportamento, incluindo personalidade, inteligência, preferências sexuais, memória, força de vontade, habilidades atléticas etc.
O perigo mora justamente no que já sabemos: que não nascemos todos iguais. Um perigo, mais à frente, virá na nossa habilidade de quantificar e medir as variáveis genéticas antes de conseguir avaliar os componentes que o ambiente traz para a existência humana, o que é muito mais difícil. Os adeptos do determinismo genético parecerão estar ganhando, mas não podemos deixá-los esquecer o enorme potencial de conquistas do ser humano a partir de um repertório genético limitado.”
3. O livre-arbítrio está desaparecendo
Por Clay Shirky, pesquisador dos efeitos sociais e econômicos da internet e professor da Universidade de Nova York, EUA.
“Em 2002, um grupo de adolescentes processou o McDonald’s por torná-los gordos, acusando, entre outras coisas, a lanchonete de usar técnicas para fazê-los comer mais do que deviam. O processo foi atacado por ir contra o senso de livre-arbítrio, nossa capacidade de decidir o que queremos da vida. O que ninguém viu foi que os garotos estavam dando uma descrição do comportamento humano.
A estratégia do supersize – a oferta irresistível de uma refeição maior por alguns centavos a mais – foi criada para subverter o julgamento consciente. Companhias de fast food descobriram como tirar proveito de fraquezas do nosso aparelho analítico, falhas que têm sido documentadas em estudos psicológicos. A discussão não é importante só para adolescentes gordos. Nosso sistema político, legal e econômico assume que as pessoas são capazes de conscientemente modificar seu comportamento. Como resultado, nós consideramos válidas as decisões – nas eleições, por exemplo – e as julgamos responsáveis pelas ações que tomam.
Sabemos que homens tomam decisões mais agressivas ao ver fotos de mulheres atraentes. E que mulheres têm mais propensão à infidelidade em seus dias férteis, ou que o desenho de uma cédula eleitoral afeta a escolha do eleitor. E ainda estamos começando a entender esses efeitos, quanto mais desenvolver mecanismos – de estratégias de venda a novas drogas – para aproveitá-los. Nas próximas décadas, o nosso livre-arbítrio será destruído. Podemos esperar ou pensar em que sistemas precisaremos.”
4. O Governo é o problema, não a solução
Por Matt Ridley, autor de livros sobre genética e comportamento humano.
“Sempre houve governos demais em toda a história. Hoje sabemos que a prosperidade vem da livre troca de bens e idéias e da conseqüente invenção de novas tecnologias. Esse é o processo que nos trouxe saúde, riqueza e sabedoria numa escala sequer imaginada pelos nossos ancestrais. Ele não só melhora o nosso padrão de vida, mas também favorece a integração social, a justiça e a caridade. Nenhuma sociedade ficou mais pobre ou mais desigual por meio do comércio, de trocas e de invenção.
Pense na Inglaterra do século 18 em comparação com a França de Luís 14, EUA do século 20 contra a Rússia de Stálin, ou o Japão pós-guerra, Hong Kong e Coréia comparados com Gana, Cuba e Argentina. Em todos os casos, governos fracos e descentralizados, mas com um comércio forte e livre, levaram prosperidade a todos, enquanto governos fortes só enriqueceram eles próprios e os clientes parasitas de suas burocracias com impostos altos, poucas inovações, declínio econômico e, normalmente, guerra.
Em todas as épocas, existiram pessoas que disseram que precisamos de mais regulações. Mas governo é um brinquedo muito perigoso. Foi usado para travar guerras, enriquecer governantes. É possível, claro, ter governo de menos, mas esse não tem sido o problema mundial dos últimos milênios. Depois do século de Mao, Hitler e Stálin, alguém pode dizer que o risco de pouco governo é maior que, o risco de muito? A idéia perigosa é que, quanto mais limitarmos o crescimento do governo, melhor todos nós ficaremos.”
5. O fim das escolas
Por Roger C. Schank, psicólogo e cientista da computação da Universidade Trump. Autor de mais de 20 livros sobre educação, memória, linguagem e inteligência artificial.
“Depois de um desastre natural, os apresentadores dos jornais anunciam com empolgação que as crianças já podem voltar às aulas. Coitadas delas. A minha idéia perigosa é uma que muitas pessoas rejeitam de imediato, sem pensar direito: a escola faz mal para as crianças – as deixam tristes e, como mostram as pesquisas, não ensinam muito.
Quando você ouve crianças falar sobre a escola, descobre o que elas pensam quando estão lá: quais colegas gostam delas, quais não gostam, como aumentar a posição social, fazer o professor tratá-las bem ou ganhar boas notas.
As escolas estão estruturadas hoje da mesma maneira que séculos atrás. Elas são uma má idéia e deveriam deixar de existir da forma como as conhecemos. O governo precisa parar de pensar que sabe o que as crianças têm que saber e desistir de testá-las para ver se regurgitam o que quer que tenha sido ensinado. As escolas precisam ser substituídas por lugares onde a criança possa aprender a fazer o que lhe interessa. Precisamos parar de produzir uma nação estudantes estressados, que agradam ao professor em vez de agradarem a si mesmos. Temos que produzir adultos que amem aprender, não adultos que evitam o aprendizado porque isso os lembra dos horrores da escola. O interesse deve guiar o aprendizado. As crianças não têm que aprender as mesmas coisas. E precisamos criar adultos que possam pensar por si mesmos. Acabem com as escolas. Transformem-nas em apartamentos.”
6. Almas não existem
Por Paul Bloom, Psicólogo da universidade Yale, EUA e pesquisador da linguagem
“Se o que você entende por alma é algo imaterial e imortal, que funciona de forma independente do nosso cérebro, então alma não existe. Isso é dado como certo pela maioria dos psicólogos e dos filósofos. Nada estranho, coisa básica das aulas na universidade. O problema é que a rejeição de uma alma imaterial é não-intuitiva, impopular, e para muitas pessoas, simplesmente repulsiva. Alguns pesquisadores estão certos ao acreditar que desistir da idéia de alma significa ignorar a diferença entre humanos e outras criaturas. Esse conceito teria conseqüências bastante reais. Mudaria o que pensamos de pesquisas com células-tronco, aborto, eutanásia, clonagem, e uma série de outras coisas. Haveria implicações substanciais no meio legal.
A rejeição da alma é muito mais importante do que a polêmica que nos manteve ocupados no último ano, sobre a verdade ou não da teoria da seleção natural. A batalha entre evolucionistas e criacionistas é importante, já que é onde a ciência triunfa sobre a superstição. Mas, assim como a origem do Universo, a origem das espécies é um assunto de grande importância intelectual, mas pouca relevância prática. Se todos fôssemos darwinianos sofisticados, nossas vidas mudariam muito pouco. Em contraste, a rejeição generalizada do conceito de alma teria profundas conseqüências legais e morais. Também obrigaria as pessoas a repensar o que acontece a elas quando morrem, e desistir da idéia (compartilhada por 90% dos americanos) de que a alma sobrevive à morte corporal e ascende ao Céu.”
7. Povos tribais também destróem o meio ambiente e travam guerras
Por Jared Diamond, geógrafo, autor de “Colapso”.
“Por que essa idéia é perigosa? Porque muitas pessoas acreditam hoje que a razão por que não devemos maltratar povos tribais é que eles são muito legais, sábios ou pacifistas para fazer essas coisas ruins que nós cidadãos dos estados organizados fazemos. Se você acredita que essa é uma boa razão para preservar ou não destratar povos tribais, então a prova de que a minha idéia é verdadeira poderia sugerir que, tudo bem, nós podemos deixar de tratá-los bem e dar a eles regalias. Aliás, as provas para apoiar minha teoria – como, por exemplo, a extinção de povos inteiros no passado por terem acabado com seus escassos recursos naturais – parecem extremamente fortes. Mas, no final, a razão pela qual devemos tratar todos bem é ética, e não tem a ver com teorias antropológicas ingênuas que quase certamente se provarão falsas no futuro.”
8. Não devemos punir os humanos “defeituosos”
Por Richard Dawkins, biólogo da Universidade de Oxford, Reino Unido, e autor de “O Gene Egoísta”.
“Pergunte às pessoas por que elas apóiam a pena de morte ou longas prisões e as razões normalmente envolverão retribuição. Elas querem matar um criminoso como troco pelos horrores que fez, ou para dar “satisfação” às vítimas do crime. Mas retribuição como princípio moral é incompatível com a visão científica do comportamento humano. Acreditamos que nossos cérebros – ainda que não funcionem como computadores – são governados pelas leis da física. E, quando um computador não funciona, não o punimos: o consertamos. Será que um assassino não é apenas uma máquina com um componente defeituoso? Ou uma educação defeituosa? Ou genes defeituosos?
Por que é quase impossível aceitar essas idéias? Talvez atribuir culpa e responsabilidade, bem e mal, sejam constructos mentais de milênios de evolução. Minha idéia perigosa é que um dia vamos amadurecer e até rir das punições de hoje. Mas duvido que eu consiga chegar lá.”
Para saber mais
The Edge – World Question Center 2006