Nazistas na NASA
Como cientistas alemães que devastaram a Inglaterra foram parar nos programas espaciais dos EUA e da União Soviética.
Todos os anos, desde 1963 até 2012, a Associação de Medicina Espacial concedeu o prêmio Hubertus Strughold para pesquisadores que encontram soluções para melhorar a saúde dos astronautas. O nome escolhido não é casual: Hubertus Strughold é considerado o pai da medicina no espaço.
Pioneiro nos estudos sobre o efeito da falta de gravidade para o organismo humano, ele liderou o desenvolvimento das roupas utilizadas pelos astronautas das missões Gemini e Apollo. Strughold era um carrasco nazista. Vários dos médicos alemães que realizaram experimentos com humanos no campo de concentração de Dachau estavam ligados a ele. Como líder do Instituto da Medicina na Aviação da Aeronáutica alemã, a Luftwaffe, ele orientou médicos que realizaram cirurgias invasivas sem anestesia e mergulharam presos em água gelada, entre outros procedimentos grotescos.
Morreu em paz, no Texas, em 1985, aos 88 anos. Só em 2012 seu passado veio à tona numa reportagem do Wall Street Journal. O prêmio com seu nome deixou de existir. O caso de Strughold não foi isolado. Os americanos disputaram com os soviéticos as mais úteis mentes do nazismo, que foram cruciais para o desenvolvimento do programa espacial dos dois países.
Caça-talentos
Os Estados Unidos coletaram mais mentes do que os russos. Enquanto os soldados de Josef Stalin se aproximavam de Berlim, os americanos despacharam emissários na frente, para negociar com os cientistas alemães. “Nós desprezávamos os franceses, morríamos de medo dos soviéticos e não acreditávamos que os britânicos pudessem bancar nossas pesquisas. Sobraram os americanos”, afirmou, anos depois, um engenheiro de foguetes alemão em entrevista para os historiadores Frederick Ordway e Mitchell R. Sharpe.
Ao longo do primeiro semestre de 1945, à medida que os soviéticos se aproximavam e Hitler cometia suicídio, cerca de 1.600 pessoas, entre engenheiros alemães e seus familiares, fugiram para a área da Europa controlada pelos Estados Unidos. Quando os soviéticos ocuparam a Alemanha, encontraram instalações vazias onde antes ficava o centro de produção do V-2, a fábrica Mittelwerk, na Turíngia.
A ação de busca, convencimento e retirada de cientistas recebeu o codinome Operação Paperclip. Extremamente bem-sucedida, recrutou, entre tantos, Werner Dahm, responsável por desenvolver os revolucionários túneis de vento supersônicos utilizados para criar os foguetes nazistas. Seria chefe da Divisão de Aerodinâmica da Nasa. Konrad Dannenberg, outro engenheiro alemão, assumiu um posto expressivo: gerenciou o Programa Saturn, o foguete lunar.
Mas o nome nazista mais conhecido da Nasa, e também o mais influente dentro do programa espacial americano, foi Wernher von Braun. Como chefe da equipe que desenvolveu o V-2, Von Braun participou de diferentes organizações políticas nazistas, incluindo a SS. Como chefe, foi responsável também por coordenar o trabalho escravo na fábrica que matou mais gente que os próprios foguetes.
Assumiu um posto de chefia na Agência de Desenvolvimento de Armamentos Balísticos, onde criou o foguete Jupiter-C, utilizado para enviar ao espaço, em 1958, o primeiro satélite americano. Nos anos 1960, o departamento foi anexado à Nasa, onde suas contribuições se mostraram cruciais para o sucesso da Apolo 11.
Mudança forçada
Os russos chegaram atrasados, mas também fizeram sua colheita. Ofereceram aos pesquisadores que sobraram algo que os americanos não podiam: a possibilidade de continuar vivendo na Alemanha. O físico Helmut Gröttrup, especializado no desenvolvimento de sistemas de orientação para mísseis, foi um que não aceitou a proposta dos Estados Unidos. Acabaria se arrependendo.
Gröttrup assumiu a direção de um centro de pesquisa e desenvolvimento de foguetes na cidade de Bleicherode. Os russos não tinham a papelada a respeito dos V-2 e contavam com o especialista para lembrar de como ele era fabricado. Em 1946, a instalação já produzia novamente os foguetes nazistas. Até que Stalin resolveu que a equipe, assim como os trabalhadores ligados à produção aeronáutica e nuclear, deveria ser realocada para território russo.
Em outubro de 1946, sem aviso prévio, aproximadamente 7 mil pessoas, incluindo famílias, foram retiradas de casa no meio da madrugada e colocadas em 92 trens rumo à União Soviética. Gröttrup estava entre elas. Sua indústria foi reinstalada na cidade russa de Podlipki. Cercado por técnicos alemães, viveu em terras russas até 1953. Os ex-nazistas, porém, não foram postos na chefia, como nos EUA. Suas ideias eram incorporadas pelas equipes de engenheiros russos, que as adaptavam em projetos próprios.
Em meados da década de 1950, os soviéticos haviam dispensado os alemães. Moscou considerava que já tinha aprendido tudo o que precisava. Gröttrup retornou para a Alemanha e migrou para o lado ocidental. Os profissionais nazistas não receberiam nenhum crédito soviético. Difícil sentir pena deles.