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Os deuses que se alimentavam de carne humana

Quem eram os deuses maias e astecas?

Por Eduardo Szklarz
Atualizado em 31 out 2016, 18h25 - Publicado em 19 mar 2011, 22h00

O Popol Vuh, o livro que conta a origem do homem na América Central escapou da sanha dos jesuítas espanhóis para chegar aos nossos dias. Depois da conquista do México, os religiosos tentaram levar o cristianismo a um povo que já tinha seus próprios deuses. A política, então, foi destruir tudo o que lembrasse as velhas práticas. Um exemplo físico: a catedral da Cidade do México foi erguida em cima de um antigo e importantíssimo templo asteca. E usou as pedras do antigo templo.

Todos as narrativas e imagens foram destruídas. Mas o Popol Vuh escapou e é a chave para compreender o panteão americano. Obra do povo maia, é uma compilação de seus mitos e cobre vários séculos de história. “Subjacente às diversas nações, línguas e estilos artísticos da região, existe uma surpreendente unidade cultural e religiosa”, registra Nicholas Saunders, no livro World Mythology (“Mitologia do Mundo”).

Os gêmeos

A mitologia maia tem uma árvore do mundo que não fica devendo para sua congênere de Avatar. Ela é o símbolo da concepção do Universo. As suas raízes estão fincadas na Xibalba, o Submundo. Seus galhos mais altos são os paraísos. Os deuses tinham dois filhos gêmeos, Hun e Vucub Hunahpu. Eles gastavam a maior parte do tempo brincando e jogando bola, mas eram tão barulhentos que incomodaram os donos da Xibalba, que enviaram mensageiros desafiando a dupla para uma partida.

É claro que quem fez as regras do jogo foi o pessoal do Submundo. Primeiro mandaram os gêmeos sentar num banco, mas o assento era tão quente que eles pularam dali rapidinho. Depois, os mandaram para uma região de Xibalba chamada Casa da Noite. Eles só tinham dois charutos e uma tocha para iluminar o lugar. Na manhã seguinte, os chefões pediram a tocha e o tabaco de volta. A tocha tinha se apagado e os charutos, bem, os charutos foram fumados. Furiosos, sentenciaram Hun e Vucub à morte. Eles foram trucidados num salão de jogo de bola. Hun Hunahpu foi devidamente fatiado e exibido numa árvore. Nasceram ali 3 frutos, as primeiras cabaças de que se tem notícia. Uma moça chamada Xquic, que vivia na Xibalba, foi dar uma espiada na árvore. Quando tentou colher um fruto, o fino Hun Hunahpu deu-lhe uma cusparada e a engravidou. Seu pai, furioso, a sentenciou à morte também. Mas ela escapou do castigo e foi viver com a sogra. E ali nasceram mais dois gêmeos, Hunahpu e Xbalanque (calma, você não está lendo Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez).

Os gêmeos (parte 2)

A figura mitológica de irmãos gêmeos com poderes mágicos é comum em muitas culturas. Para os maias, os ingênuos e corajosos Hunahpu e Xbalanque, os Heróis Gêmeos, arrumaram o terreno para a chegada dos homens. Outra vez, a luta era contra os Senhores do Submundo, a temível Xibalba. Eles foram obrigados a passar cada noite em um lugar diferente, cheios de perigo, numa aventura mortal, e enfrentaram a Casa da Noite, a das Lâminas, do Jaguar, do Fogo, do Frio e, finalmente, a dos Morcegos. A cada manhã, uma partida de bola ritual contra os donos do pedaço.

Na Casa da Noite, eles se lembraram do destino do pai e do tio, que fumaram o tabaco e se deram mal: usaram pirilampos para iluminar o cenário e se esconderam dentro de cachimbos. Mas, na última noite, Hunahpu botou a cabeça para fora do enconderijo e foi degolado por um morcego. Xbalanque não se apertou. Esculpiu outra cabeça para o irmão e seguiram juntos para o jogo contra as criaturas da Xibalba. E foi um partidaço. Os Heróis Gêmeos usaram a cabeça de Hunahpu como bola no começo. Depois, Xbalanque jogou a cabeça longe. Um coelho a trouxe de volta e ele a colou em cima do pescoço do mano. O jogo seguiu com uma bola de verdade. Os gêmeos ganharam.

Claro, os poderosos do Submundo ficaram furiosos com o truque. E a vingança foi uma aula de sutileza: cozinharam os irmãos, enterraram seus ossos e jogaram o que sobrou num rio. Mas não é que 6 dias depois os gêmeos apareceram no pedaço de novo? E se gabando de terem descoberto a fórmula para voltar do mundo dos mortos. Os donos de Xibalba, claro, duvidaram dos espertalhões. Xbalanque não se fez de rogado. Arrancou o coração do irmão na hora e o mandou levantar. Até o povo de Xibalba ficou admirado. E pediu que o gêmeo fizesse a mesma coisa com ele. O pedido foi atendido imediatamente. Os irmãos cortaram a cabeça de todos, mas não os trouxeram de volta à vida. Quando voltaram para a Terra, foram transformados no Sol e na Lua. Agora, sim, o homem poderia ser inventado num cenário mais tranquilo.

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A criação do homem

Os deuses americanos já existiam. Mas de que adianta ser uma divindade se não existe ninguém para acreditar em seus poderes? Com essa ideia na cabeça, dois deuses maias, de acordo com o Popol Vuh, resolveram criar a humanidade. Gucumatz era o deus do mar e conversou com seu parceiro Huracán, o dono do céu. A primeira tentativa foi um fiasco. Eles não conseguiam nem falar o nome dos deuses (ok, as palavras do vocabulário da América Central daqueles tempos são difíceis de pronunciar até hoje). Só grunhiam. Então foram transformados nos primeiros animais sobre a Terra.

A segunda tentativa usou argila. Parecia um pouco melhor, o único problema era que os homens se dissolviam na água, além de serem meio tortos e claudicantes. Os deuses ficaram bem frustrados. Foram procurar ajuda com Xpiyacoc e Xmucane, bons espíritos que eram ainda mais velhos do que eles. A sugestão: façam os homens de madeira e as mulheres de junco. Eles tinham um tremendo defeito: não honravam seus deuses. A solução foi a mais manjada de todas: infeliz com os homens? É só mandar uma inundação e acabar com a raça. E assim foi feito.

Mas Huracán perseverou. Amassou milho branco e amarelo até formar uma pasta. Com ela, criou os primeiros 4 homens, mas percebeu que eles eram inteligentes demais. Então soprou uma neblina em seus olhos para que só enxergassem de perto e nunca tentassem virar deuses. Quando acordaram, deram de cara com 4 mulheres, que se tornaram suas esposas. Desses casais descenderam os povos da América Central. Mas tinha um problema. Eles não sabiam fazer fogo, e foram pedir que os deuses lhes ensinassem o segredo. Eles toparam, mas com uma condição: em retribuição, queriam receber sacrifícios de seres humanos.

Civilização

Se os deuses recebiam corações arrancados do peito, em troca ofereceram para as culturas da América Central civilizações avançadas que se sucederam na região até serem destruídas pelos conquistadores espanhóis no que o médico e antropólogo Jared Diamond chamou de “armas, germes e aço”. O calendário maia tinha 365 dias, divididos em ciclos de 20 dias e foi criado no século 6. Eram capazes de prever eclipses e serviam para marcar dias festivos. E, claro, eram fonte de poder.

As pirâmides também são uma marca em comum. Nesses grandes edifícios religiosos era onde costumavam ocorrer os sacrifícios humanos. A agricultura do tabaco, do milho e do cacau também foi presente divino.

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Uma das lendas a respeito da engenhosidade dos astecas é sobre a fundação de sua capital. No século 12, quem reinava na região eram os toltecas. Quando a civilização entrou em colapso, os ancestrais dos astecas rumaram para o sul em busca de um novo lugar para viver. Desorientados, receberam a ajuda de Huitzilopochtli, o deus do Sol e da guerra, que acabara de vencer uma batalha contra sua irmã Lua e seus outros 400 irmãos (as estrelas) que queriam matar sua mãe.

A jornada durou 200 anos. Quando eles pensavam que jamais encontrariam um lugar para viver, deram de cara com uma ilha pantanosa no meio do lago Texcoco. Era um lugarzinho bem ruim. Mas eles viram uma águia em cima de um cacto comendo umas frutas vermelhas. A águia representava o próprio deus do Sol. A fruta vermelha, o coração. Huitzilopochtli avisou para sua turma: é aqui que será construída sua cidade. “Mexica será aqui”, disse o deus. E foi lá que ergueram Tenochtitlan, “o lugar do fruto do cacto”.

Era um belo desafio. Construir uma cidade no meio de um lago. Pois foi o que eles fizeram. Imagine Veneza. A cidade asteca era cortada por canais, que serviam de vias de tráfego para os moradores. Calçadas e pontes ajudavam os pedestres a chegar aos templos e aos mercados. Caminhos suspensos levavam a plantações na periferia. Quando os espanhóis liderados por Hernán Cortés chegaram ali, em 1519, Tenochtitlan era uma das maiores, se não a maior, cidade do mundo, com pelo menos 250 mil habitantes. Foi uma surpresa para os visitantes.

Povos dos Andes

A América do Sul conviveu com grandes civilizações nos últimos 3 milênios. A maior parte delas escolheu o território mais inóspito para florescer: a cordilheira dos Andes, na região onde hoje ficam o Peru, o Chile, a Bolívia e o Equador. A primeira cultura a habitar a região, segundo os arqueólogos, foi a chavin, 850 anos antes de Cristo. Novos povos e seus impérios foram se sucedendo na mesma região até chegar ao esplendor dos incas, o reino dominante quando da descoberta da costa sul-americana do Pacífico pelos espanhóis. Os povos andinos desenvolveram colossos arquitetônicos, eram grandes escultores e joalheiros, faziam roupas sofisticadas e abriam estradas, mas não conseguiram criar uma escrita, o que prejudica a avaliação de seus mitos. Restaram aos especialistas analisar as imagens impressas em folhas de ouro e prata. Quer dizer, as imagens que sobraram, pois os conquistadores europeus trataram de derreter tudo o que puderam.

Os incas surgiram como império em 1230, na região de Tiahuanaco, na atual Bolívia. Seus líderes julgavam-se descendentes de Inti, o deus Sol. Outra versão do mito de origem localiza os primeiros incas em Cuzco, no Peru. Ali, surgiram das cavernas 3 irmãos e 3 irmãs, que ensinaram aos reis como deveriam vestir roupas de ouro, casar com as irmãs e erguer templos nas montanhas mais altas da cordilheira. O chefão era Manco Capac, casado com a irmã Mama Ocllo. Foram eles que deram início à dinastia dos incas.

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Inti era o principal deus, mas no panteão inca havia espaço para Viracocha, o deus que deu origem a tudo, a deusa da fertilidade Ilyap’a e a deusa da Lua Mama Kylia. A lenda que mais fascinava os espanhóis, no entanto, era a de El Dorado (“o homem de ouro”). Era uma tradição: os novos reis incas eram cobertos de pó de ouro e levados ao centro de um lago, onde faziam oferendas aos deuses jogando mais ouro na água. No imaginário dos europeus, o homem de ouro deu lugar rapidamente a toda uma cidade dourada, que jamais foi encontrada.

Lágrimas do deus

O deus que criou os homens foi Com Tiki Viracocha. Ele emergiu das águas do lago Titicaca e criou uma raça de gigantes. Como acontece na maioria dos mitos de origem, ele não ficou feliz com a invenção e mandou uma inundação para, literalmente, acabar com a tal raça. Depois, usou alguns seixos do lago para criar a humanidade. No lugar de um só povo, fez vários. Cada um falava uma língua, tinha seus próprios costumes e comidas. Viracocha os espalhou pelo mundo. Uma variação da lenda de Viracocha diz que ele, depois de criar os incas, resolveu dar uma olhada na invenção. Se fantasiou de mendigo e ficou em meio ao povo, ensinando a melhor maneira de viver e fazendo alguns milagres. Mas muita gente não dava bola para o deus e assim ele voltou para sua casa nas estrelas cheio de lágrimas nos olhos. E afirmou que um dia suas lágrimas causariam uma nova inundação, tal qual a que matara os gigantes, para destruir toda a humanidade.

Entre os deuses prediletos dos incas estão Mama Cocha (a deusa do mar) e Paca Mama (a Mãe Terra). Paca era casada com Inti, o deus Sol, e costumava ser representada nua, por vezes com um bebê na barriga. Em outra lenda, mais atual, Paca Mama se casa com Pachacamac, o deus do fogo e do raio. Juntos eles criaram as estrelas, o Sol, a Lua e o mundo. A conexão entre os deuses e os mortais era feita pelo simpático deus Chuichu, o arco-íris, representado por um dragão de duas cabeças. Ele era uma espécie de mensageiro entre o céu e a terra.

Quetzalcoatl e Tezcatlipoca viviam em guerra. Mas Tezcatlipoca, o deus da escuridão e da bruxaria, levou a melhor: embriagou o rival e lhe mostrou seu reflexo malvado num espelho fumegante. Quetzalcoatl, o protetor da humanidade, convencido de que era sua própria imagem refletida, considerou-se um ser desprezível e libidinoso. De tão envergonhado, foi embora pra bem longe. Algumas fontes dizem que ele acendeu uma fogueira e entrou nas chamas. Ou que subiu ao céu como um pássaro quetzal – daí o nome Quetzalcoatl (“pássaro- serpente”). Os astecas sempre aguardavam a sua volta.

SACRIFÍCIOS HUMANOS

Os sacrifícios humanos estão presentes em todas as culturas pré-colombianas da América Central. Os astecas e todas as culturas que os precederam acreditavam que as divindades precisavam de sangue para se alimentar ou para compensar os deuses, que tinham usado o próprio sangue para criar os humanos. E haja sangue. O Templo Maior, dedicado ao deus Sol e hoje encravado no coração da Cidade do México, no Zócalo, a praça que abriga o palácio do governo e a catedral católica, serviu 60 mil corações humanos na festa de inauguração. A técnica consistia em furar o peito da vítima com uma faca de obsidiana. O coração era então arrancado, oferecido ao deus de plantão e queimado num vaso. O corpo rolava escada abaixo da pirâmide ritual. Os guerreiros inimigos que morriam no altar de sacrifício tinham um consolo: os astecas achavam que, depois eles viviam para sempre, na forma de beija-flores.

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OS DEUSES:

 

HURACÁN
O deus do céu e o deus do mar, Gucumatz, resolveram criar os homens. Tentaram com argila e madeira até acertarem a mão com o milho. Só que eles eram inteligentes e Huracán soprou uma névoa em seus olhos para que não tentassem virar deuses.

CATEQUIL
Deus inca do raio e do trovão, tem mais a ver com fertilidade do que com o clima. Era responsável pelo nascimento dos gêmeos. Podia se introduzir numa mulher quando ela fazia amor com o marido e gerar dois embriões.

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IXTAB
Deusa maia do suicídio, costumava ser representada com um anel preto sobre a bochecha, símbolo da decomposição. Seus seguidores acreditavam que o suicídio era uma forma honrada de morrer. Quem escolhia esse caminho subia ao Paraíso.

VIRACOCHA
O deus inca Viracocha surgiu das águas do lago Titicaca para criar uma raça de gigantes. Mas a tentativa fracassou. Depois, usou seixos para criar a humanidade. Resolveu dar uma espiada na criação e não gostou do que viu. Por isso, chora até hoje.

 

 

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