Papo de gênios: Einstein e Freud trocaram cartas em busca da paz mundial
Há nove décadas, o pai da relatividade convidou o pai da psicanálise a um debate contra a guerra. Mas o homem do divã achava o conflito inevitável.
Agora em 2023, uma das trocas de ideias mais extraordinárias da história fará 91 anos. Foi em 1932 que, numa iniciativa da Comissão Permanente de Letras e Artes da Liga das Nações (órgão que viria a ser substituído pela ONU em 1945), Albert Einstein foi convidado a debater, por carta, com um interlocutor que ele escolhesse, sobre algum tema de interesse geral do planeta.
O físico então quis tratar das razões psicológicas que levam os países a conflitos armados. E, se o assunto passava por motivações da mente humana, passava também, na época, por Sigmund Freud – que, com mais de 70 anos, já era considerado um gigante do pensamento moderno. A psicanálise havia conquistado o mundo desde que o homem dos charutos realizou, em 1909, uma série de palestras nos Estados Unidos, onde suas teorias do inconsciente e a psicoterapia que inventou viraram uma febre.
Juntar dois dos maiores gênios do século 20 para procurar caminhos que evitassem novas matanças entre países rivais fazia todo o sentido naquele período – pois o planeta estava em ebulição.
A Primeira Guerra havia terminado só 14 anos antes, deixando 10 milhões de mortos e uma Alemanha derrotada e humilhada, ansiosa por ouvir discursos populistas que prometessem romper com as restrições do Tratado de Versalhes: pelo acordo imposto, os alemães tiveram de ceder parte de seu território, ficou proibida de possuir Marinha e Força Aérea (com um Exército restrito, quase simbólico) e ainda foi obrigada a pagar uma fortuna de indenização por conta dos prejuízos causados pela guerra. Hitler não surgiu do nada, portanto. Naquele mesmo 1932, o Partido Nazista elegeria 230 deputados e se tornaria o segundo com maior representação no Parlamento.
Freud não era otimista
Nesse período de muito discurso de ódio, revanchismo e instabilidade no cenário internacional, Einstein, um pacifista declarado, foi buscar “esclarecimento psicológico” com o colega investigador da mente.
Sua carta levava as seguintes indagações:
“Existe alguma maneira de livrar a humanidade da ameaça da guerra? É do conhecimento geral que, com o avanço da ciência moderna, essa passou a significar uma questão de vida e morte para a civilização como a conhecemos.
(…)
Meu pensamento não permite discernir os lugares escuros da vontade e do sentimento humanos. Assim, posso fazer pouco mais do que procurar esclarecer a questão e, limpando o terreno das soluções mais óbvias, permitir que você traga à luz seu amplo conhecimento da vida instintiva do homem para lidar com o problema. Há certos obstáculos psicológicos cuja existência um leigo nas ciências mentais pode vagamente supor, mas cujas interrelações e caprichos ele é incompetente para entender. Você, eu estou convencido, será capaz de sugerir métodos educativos.”
A mensagem prosseguiu nessa linha, dizendo que Freud talvez tivesse a resposta para entender a vontade de matar e morrer que sempre existiu entre os homens. Mas a resposta veio impregnada pelo pessimismo que marcava o pensamento freudiano a respeito da felicidade e das relações humanas.
“Vigora no homem uma necessidade de odiar e aniquilar. Tal predisposição, em tempos normais, apresenta-se em estado latente e só vem à tona no anormal. Mas ela pode ser despertada com relativa facilidade e se intensificar em psicose de massa.”
Diante de uma declaração que mais parecia confirmar que a guerra era uma extensão da nossa essência, Einstein pediu mais explicações ao pai da psicanálise. A nova resposta veio em forma de um manifesto político, “Warun Krieg” (“Por que a guerra?”), em que Freud mantinha sua tese de que “não há perspectiva de abolir as tendências agressivas do ser humano”, mas manifestava a teoria de que, se temos uma energia mental voltada à destruição, temos também outra que busca a união dos povos – seu postulado de “pulsão de vida”, que compensaria nossa “pulsão de morte”, autodestrutiva e violenta.
Deixando uma pequena fresta para o otimismo que esse debate público poderia gerar, Freud escreveu que um possível caminho para evitar a guerra passaria por manter internalizada essa energia destrutiva e dar espaço ao impulso que associou a Eros, o deus do amor na mitologia grega. Segundo a psicanálise, é essa pulsão de vida que nos leva a formar laços emocionais com as pessoas e desenvolver a empatia.
Dois antídotos importantes contra a carnificina entre nações.