Qual é a origem da palavra “gringo”?
Conta-se que ela teria surgido no século 19, a partir de uma expressão em inglês. Mas não é bem assim.

Ouvi essa história mais de uma vez durante minha viagem ao México: a palavra “gringo” teria surgido em meados do século 19 e vem de “green, go home” (“verdes, vão embora”). Trata-se de uma expressão dita pelos mexicanos aos soldados americanos durante a guerra entre o país e os EUA.
“Green, go” logo virou “gringo” – e pegou. Ao contrário dos brasileiros, que usam a palavra para se referir a qualquer tipo de estrangeiro, os mexicanos a empregam sobretudo para pessoas que vêm dos EUA.
Só tem um problema: essa história é mentira.
Para entender a confusão, precisamos de um pouco de contexto histórico.
Os EUA conquistaram a independência da Inglaterra em 1776. A área do país se resumia a alguns estados na costa leste da América do Norte. Mas não demorou muito para que a expansão territorial começasse (via acordos comerciais ou na força bruta, mesmo).
Em 1803, por exemplo, os americanos compraram o território da Louisiana da França e dobraram de tamanho. Já a Flórida e outras regiões a oeste foram cedidas anos mais tarde pela Espanha, como parte de um acordo de fronteiras com os americanos.
Em 1810, o México conquistou a independência dos espanhóis. Na época, o território do país latino era bem maior que o atual – mas isso estava prestes a mudar.
Em 1836, o Texas, que fazia parte do México, declarou independência e demonstrou desejo de se anexar aos EUA – o que se concretizou em 1845. Americanos e mexicanos, no entanto, discordavam sobre as fronteiras texanas. O México dizia que ela acabava no Rio Nueces; os americanos, no Rio Grande, mais ao sul – o que conferia a eles uma fatia maior.
Essa discordância escalou para um conflito armado: a Guerra Mexicano-Americana (1846-1848).
Foi uma guerra rápida – os EUA venceram praticamente todas as batalhas mais importantes. Estima-se que 25 mil mexicanos tenham morrido, o dobro do número de baixas americanas. Já em 1847 o Tio Sam conseguiu chegar até a capital Cidade do México, o que acelerou a rendição.
Na derrota, os mexicanos não apenas tiveram que se conformar com o desenho de fronteiras para o Texas como também perderam a região da Califórnia, que pertencia a eles àquela altura.
Certo, mas o que “gringo” tem a ver com isso tudo?
A real origem
No coração da Cidade do México fica o Bosque de Chapultepec, um dos maiores parques urbanos do mundo. No topo da colina mais alta há o Castelo de Chapultepec, construído pela Espanha no século 18 e que, na época da guerra contra os americanos, era usado como colégio militar.
“É dali de cima que eles gritavam para os gringos irem embora”, disse a minha amiga mexicana quando nos aproximávamos do terraço do Castelo, que dá vista para um bom naco da cidade. Ela conta que o “green” (“verde”) era uma referência ao uniforme dos soldados (outras versões da história dizem que era uma alusão às cédulas de dólar).
Os americanos bombardearam o castelo em setembro de 1847. Mas é bem provável que os mexicanos que ali estavam ouviram a expressão “gringo” bem antes disso.
Segundo reportagem da NPR, essa palavra era usada pelo menos desde o século 18. O Dicionário Castelhano de 1786, de Esteban Terreros y Pando, explica que ela está associada a quem não fala espanhol (ou a quem fala, mas com um sotaque forte).
A teoria mais difundida é que “gringo” teria vindo de “griego”– “grego” em espanhol. Sabe a expressão “isso aí é grego para mim”, usada quando queremos dizer que não entendemos bulhufas do que está sendo escrito ou dito? Pois é: nossos hermanos têm o seu equivalente.
O escritor Sérgio Rodrigues, sumidade quando o assunto é etimologia, explicou na Veja que havia um popular ditado em latim durante a Idade Média: “não se consegue ler, é grego”. A Igreja Católica fez campanha para que a língua de Sócrates fosse associada a algo incompreensível – o que reforçou a difusão do latim mundo afora.
O México é o segundo país com o maior número de católicos (só perde para o Brasil). O novo Papa Leão 14 é americano, mas também tem cidadania peruana. E aí, o pontífice é gringo ou não?