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Menino do Acre voltou – relembre seu grande inspirador

Em uma era de opressão da Igreja Católica, o filósofo italiano afirmou que o universo é infinito – e que cada estrela tem seus próprios planetas

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 mar 2024, 14h42 - Publicado em 5 abr 2017, 18h29

Sexta-feira, 11 de agosto. Bruno Borges, o Menino do Acre, voltou para casa. A polícia já informou que ele só dará depoimento amanhã – hoje ele será deixado em paz com a família. Sua longa ausência ainda não foi justificada.

Relembrando o inesquecível: há quase cinco meses, em 27 de março, o “menino”, que na verdade tem 24 anos, desapareceu. Deixou para a família um quarto repleto de códigos escritos na parede e 14 grossos livros manuscritos. A criptografia era juvenil, extremamente simples de decifrar, e os tais manuscritos, bem… agora você pode vê-los por contra própria. O primeiro volume de Borges, intitulado TAC: Teoria da Absorção do Conhecimento, foi decodificado e está sendo vendido pela editora Arte e Vida por R$ 24,50. Segundo o site especializado Publish News, a obra chegou a alcançar o vigésimo lugar na lista de livros de não-ficção mais vendidos do país entre os dias 24 e 30 do mês passado. 

Parte do hype em torno da história é culpa de um toque especial na decoração do quarto misterioso. No centro do cômodo, o ex-desaparecido deixou uma estátua de 10 mil reais do filósofo Giordano Bruno (1548-1600), por quem tem grande admiração. Mas quem foi, afinal, Giordano Bruno – ídolo e xará do rapaz desaparecido –, e o que seu pensamento tem a ver com o do estudante?

Filósofo, matemático, astrônomo, poeta e teólogo – seu currículo é maior que uma nota fiscal de compra do mês. O frade italiano nascido em 1548 entrou para a história após questionar abertamente crenças fundamentais da Igreja Católica, como a existência de céu e inferno, a danação eterna e a concepção de Cristo por uma mulher virgem.

Bruno também era uma espécie de herdeiro intelectual do heliocentrismo de Nicolau Copérnico, e não se limitou a concordar que a Terra é que dava voltas em torno do Sol – o que na época, por si só, era o suficiente para morrer na fogueira dos tribunais eclesiásticos. Observando o céu, foi além e concluiu que as estrelas não eram só pontos de luz, mas outros “sóis” muito distantes. Cada um teria seu próprio conjunto de planetas girando em torno de si, e qualquer um desses corpos poderia abrigar vida – doutrina visionária que ganharia o nome de “pluralismo cósmico”.  

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Na obra A Causa, o Princípio e o Uno, ele diz: “o universo é, então, uno e infinito (…) Não é possível compreendê-lo e ele não tem limites. Nesse sentido, ele é indeterminável, e consequentemente imóvel.” Em Sobre o Infinito do Universo e os Mundos, Bruno também afirma que outros planetas “não têm menos virtude nem uma natureza diferente da de nossa Terra”, e, como ela, “contêm animais e habitantes.” Por trás de sua visão de infinito estava o panteísmo: a crença de que Deus não é uma figura metafísica separada do universo palpável, mas que ambos estão em completa identificação e são, no fundo, a mesma coisa. 

O filósofo, apesar da perseguição, chegou a lecionar Aristóteles na Universidade de Halle-Wittenberg, uma instituição de ensino alemã luterana – os protestantes, fiéis a seus princípios de livre interpretação da Bíblia, toleraram sua subversão teórica por mais tempo que católicos tradicionais. 

Ele foi queimado em 1600, e se tornou um mártir dos iluministas no século 19. Até hoje é símbolo da liberdade de pensamento e expressão, e suas ideias estão na vanguarda da astronomia contemporânea: o telescópio Kepler, lançado pela Nasa em 2009, já identificou mais de 2,3 mil dos mundos distantes que habitavam os sonhos de Giordano Bruno. No ano passado, o Observatório Europeu do Sul (SEO) anunciou a descoberta de Proxima B, exoplaneta com temperaturas médias de 30º e água líquida – e um forte candidato a abrigar vida como a conhecemos.

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Não bastasse uma Terra 2.0 tão próxima de nós (meros 4,2 anos-luz, um pulinho na escala cósmica), também há uma área de pesquisa interdisciplinar que une biólogos, bioquímicos e cientistas planetários em uma tentativa de imaginar como a vida poderia surgir sem oxigênio, carbono e outros elementos da tabela periódica essenciais para a biologia terráquea. Chamada Astrobiologia, ela já tem até representantes brasileiros, e a Universidade de São Paulo lançou recentemente um e-book gratuito sobre o assunto.

Quanto a Bruno, bem… agora se sabe que ele não está em um exoplaneta. Depois de arrumar o quarto, ele terá que explicar à polícia a troco de quê pregou uma peça capaz de mobilizar um país inteiro. E, talvez, ir à livraria buscar seu primeiro cheque.

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