Roy Cohn: quem foi o mentor de Donald Trump que aparece no filme “O Aprendiz”
O advogado que perseguia comunistas e homossexuais tinha como filosofia de vida jamais admitir derrota. Conheça sua história.
O Aprendiz, filme que chega ao Brasil nesta quinta (17), mostra a vida de Donald Trump entre os anos 1970 e 1980. Antes de virar uma estrela da TV e chegar à presidência dos EUA, Trump era um jovem empresário que tentava expandir os negócios imobiliários do pai e conquistar um lugar entre os mais influentes e poderosos de Nova York.
Dirigido por Ali Abbasi (Holy Spider), o filme estreou no Festival de Cannes deste ano e enfrentou problemas para encontrar um distribuidor. Apoiadores iniciais desistiram do projeto e Trump, em meio à corrida eleitoral, fez pressão para que o filme não saísse por discordar da maneira como foi representado.
Quem interpreta o ex-presidente americano é Sebastian Stan, o Soldado Invernal dos filmes da Marvel. Seu Donald Trump começa o filme com grandes ambições: quer erguer um sem-fim de prédios luxuosos em Manhattan e flerta com a ideia de um dia entrar para a política. Mas ele ainda não tem as ferramentas necessárias para colocar seus planos em prática.
Trump era um jovem padawan em busca de um mestre Jedi para treiná-lo. Até que ele encontra o advogado Roy Cohn (no filme vivido por Jeremy Strong, de Succession), figura emblemática da política americana do século 20 que acaba virando o principal conselheiro do empresário.
Cohn, porém, está mais para um lorde Sith do lado escuro da Força. Ele ficou famoso por, nos anos 1950, ajudar o governo a caçar americanos acusados de serem comunistas, destruindo carreiras, reputações e até vidas em investigações controversas. Além disso, ele defendia políticos, gigantes da mídia e mafiosos, com métodos agressivos e por vezes ilegais.
Ascensão
Roy Cohn nasceu em Nova York em 1927. Morou no Bronx, distrito no norte da cidade, e veio de uma família rica (entre seus parente mais distantes havia donos de banco e fabricantes de brinquedos). Seu pai, Albert Cohn, chegou a ocupar um cargo de juiz da Suprema Corte do estado de Nova York.
Roy seguiu a carreira do pai e se formou em direito na prestigiada Universidade de Columbia. Pouco tempos depois, ele começou a trabalhar no governo como procurador assistente e se juntou à Liga Americana de Judeus Contra o Comunismo.
A luta contra uma suposta ameaça comunista foi uma das principais bandeiras de Cohn e catapultou a sua carreira. Em 1951, ele foi decisivo na condenação do casal Julius e Ethel Rosenberg, acusados de espionagem. Eles teriam enviado informações sobre a bomba atômica à União Soviética na época em que Julius trabalhava num laboratório do exército americano e, por isso, foram executados na cadeira elétrica em 1953.
O julgamento dos Rosenberg, diga-se, rende discussões até hoje, especialmente a atuação de Cohn. Ele e a promotoria teriam ameaçado o irmão de Ethel, David, para dar um falso testemunho para a condenação do casal. Roy também foi quem forçou a pena de morte.
(Em 2024, vale dizer, um relatório confirmou que Ethel não participou do esquema de espionagem do marido.)
O caso Rosenberg fez com que Cohn, na época com 24 anos, chamasse a atenção de pessoas poderosas, como J. Edgar Hoover, então diretor do FBI. Hoover sugeriu que Cohn trabalhasse com o senador Joseph McCarthy, que desde o fim da Segunda Guerra liderava uma investigação contra comunistas americanos.
Cohn aceitou o trabalho e tomou a frente da empreitada, que ficou conhecida como “Macarthismo” – a perseguição de pessoas supostamente ligadas à União Soviética. Cohn liderava os interrogatórios e não raro humilhava e chantageava suspeitos. Era tão implacável que muitas pessoas foram demitidas ou afastadas de seus cargos antes mesmo de um veredito, tamanho era o estrago na reputação dos envolvidos. Segundo o jornal El País, um engenheiro de programa de rádio se matou após prestar depoimento.
Em paralelo à investigação contra comunistas, McCarthy e Cohn perseguiram homossexuais do governo – o que levou à uma lei do presidente Dwight Eisenhower que proibia gays de ocupar qualquer cargo federal. Muitos funcionários homossexuais cometeram suicídio por causa dessa decisão.
A cruzada de Cohn contra a comunidade LGBTQIA+ fica ainda mais sem sentido quando levamos em conta que ele próprio mantinha relacionamentos homossexuais fora dos holofotes. O advogado, porém, jamais admitiu ser gay – para Roy, seria como demonstrar fraqueza.
A parceria com Donald Trump
Cohn acabou se tornando um poderoso advogado em Nova York. Sua cartela de clientes tinha políticos, cardeais, celebridades e mafiosos. Ele frequentava restaurantes caros e organizava festas. Seus amigos iam de Andy Warhol ao ator (e futuro presidente dos EUA) Ronald Reagan.
Roy não cobrava alguns de seus clientes – ao melhor estilo Don Corleone, ele preferia cultivar amizades com pessoas influentes para que elas lhe devessem favores no futuro. Com Donald Trump, não foi diferente.
Trump procurou Cohn em 1973. A empresa da família estava sendo processada pelo Departamento de Justiça dos EUA por não conceder aluguéis a pessoas negras. Cohn aceitou representá-lo e logo de cara contra-atacou e processou o departamento em US$ 100 milhões, sob a justificativa de que a acusação não tinha fundamento.
Donald lutou por dois anos na justiça – e perdeu. A família chegou a um acordo: não foi preciso admitir formalmente culpa no caso de discriminação, mas a empresa precisou se adequar a pedidos do governo e a anunciar na mídia que, sim, negros poderiam alugar apartamentos em seus condomínios.
Apesar da derrota nos tribunais, o processo de US$ 100 milhões fez com que Trump começasse a aprender o estilo de Cohn. O advogado seguia uma cartilha de negociação agressiva, que o filme de Ali Abbasi resume em três lições:
1 – Atacar, atacar, atacar;
2 – Não admita nada e negue tudo;
3 – Não importa o que aconteça, declare vitória e nunca reconheça derrota.
Trump abraçou o estilo de Cohn, que passou a representá-lo em outros processos e atuar como uma espécie de conselheiro. “Roy cultivava influência. Isso permitiu que ele se sentisse elevado acima da multidão – e ele viu algo de si próprio em Donald”, disse ao jornal New York Times Jeremy Strong, que interpreta Cohn em O Aprendiz.
Cohn atuou para fortalecer a imagem pública de Trump. Arranjava reuniões com políticos, para conseguir isenções fiscais nos empreendimentos pela cidade, e também com magnatas da mídia, caso de Rupert Murdoch, dono de diversos veículos nos EUA e no resto do mundo.
O método de Cohn, claro, envolvia muita dissimulação. Em 1976, por exemplo, ele mentiu sobre o real patrimônio de Trump e pressionou os editores da revista Forbes para que Donald aparecesse na lista de pessoas mais ricas dos EUA. Tempos depois, os jornalistas reconheceram que Trump não deveria ter entrado no ranking.
A parceria com Trump elevou também a fama de Cohn. E 1978, a popular revista Esquire publicou uma capa intitulada “Não mexa com Roy Cohn”. A reportagem mergulhou na vida privada do advogado e descobriu, entre outras coisas, que ele quase não pedia nada nos restaurantes caros que frequentava – alimentava-se do prato dos outros, sem pudor algum. O perfil o descreveu como “o advogado mais duro, cruel, leal, vil e brilhante da América”.
A morte de Cohn
Roy foi diagnosticado com AIDS em 1984, mas jamais admitiu a doença em público. Em segredo, ele participou de testes com drogas e tratamentos experimentais – mas, para a imprensa, dizia ter câncer de fígado.
Em 1986, Cohn teve sua licença de advogado cassada pela Suprema Corte de Nova York. Ele foi acusado de conduta antiética e antiprofissional, falsificar documentos e roubar clientes. A luta na justiça, aliada à saúde debilitada, fizeram suas aparições públicas diminuírem.
Trump chegou a depor a favor de Cohn – mas a verdade é que a relação de ambos estava estremecida. Donald já havia conquistado grande reputação no ramo imobiliário e passou a depender cada vez menos dele. Na verdade, ele parecia desprezar o antigo mentor.
Na época, Roy pediu a Trump que reservasse um quarto de um de seus hotéis para hospedar seu namorado, que também tinha AIDS. Trump atendeu ao desejo de Cohn – mas mandou a conta da hospedagem depois. Um dos últimos presentes que Donald deu a Roy foi um conjunto falso de diamantes.
Cohn morreu em 2 de agosto de 1986, aos 59 anos. Ele estava falido e devia milhões de dólares à Receita Federal, que confiscou todos os seus bens.