A multinacional da ecologia
Uma das maiores organizações ecológicas dos Estados Unidos, com 1 milhão de membros, o World Wildlife Fund (WWF) mostra aos 30 anos que é preciso ser profissional para defender direito a natureza
Anabela Paiva
O prédio de número 1250 da Rua 24, em Washington, onde fica o World Wildlife Fund, está longe de ser modesto: pavimentado com mármores, debruado por metais e forrado de espessos carpetes, parece perfeitamente adequado a alojar o restaurante yuppie japonês Unkai, do andar térreo, ou a grande construtora Kaempfer Company, do terceiro andar. Por isso mesmo, parece estranho que uma organização ecológica ocupe três andares de tão valorizado endereço na capital dos Estados Unidos. Mas, com 1 milhão de membros e um orçamento de 50 milhões de dólares, essa não é apenas mais um ajuntamento de almas repletas de boas intenções e maus presságios em relação ao futuro do planeta, como tantas outras na coleção de siglas que formam a colorida colcha dos movimentos ambientalistas americanos.
Aos 30 anos de idade, o WWF tem tanto a ver com o estereótipo do ativismo ecologista bicho-grilo quanto Manaus com Manhattan. Terceiro lugar em número de filiados entre as entidades do gênero no país, superado apenas pelo Greenpeace e pelo National Wildlife Fund o WWF que no Brasil se chama Fundo Mundial para a Natureza é um exemplo do que tende a ser o movimento ecológico dos anos 90: profissional, multinacional e conciliador.
Na sua sede, 250 biólogos, zoólogos, geógrafos, economistas, contadores, secretárias e outros funcionários sentam-se todos os dias diante de computadores em pequenos e simpáticos escritórios, invarialvelmente decorados com imagens de araras, jacarés, tigres, sapos e outros ícones do reino animal. Queixam-se dos baixos salários, mas em geral gostam do que fazem a começar pela presidente do WWF, Kathryn Fuller, que ainda por cima é bem paga, recebendo mais de 15 000 dólares por mês.
Kathryn, uma mulher alta e sorridente de 44 anos, mãe de três filhos, é “a quintessência da supermulher”, define Steven Shimberg, um consultor do Senado que trabalhou com ela. Formada em Inglês e Literatura Americana em 1971, cinco anos depois graduou-se em Direito. Ao trabalhar na recém-criada Seção de Vida Selvagem e Recursos Marinhos do Departamento de Justiça do governo americano, percebeu que precisava conhecer melhor o mundo animal e acabou obtendo um diploma também em Biologia Marinha. Em 1985, quando prestava consultoria legislativa para organizações ecológicas, foi convidada para uma vice-presidência do WWF. Dois anos depois, tornou-se vice-presidente executiva. Mais dois anos, assumiu a presidência.A atividade ligada à ecologia nos Estados Unidos atrai milhares de jovens formandos, como a assistente do setor brasileiro do WWF, Sally Adams, 25 anos, diplomada em História, com mestrado em Comunicações Internacionais. “O WWF é exatamente o que eu queria como trabalho. Além de ecologia, você tem que entender de política, economia, falar línguas…”, enumera ela no seu português de Portugal aprendido durante os anos em que morou em Lisboa.
“Antes, ser ecologista era uma paixão. Hoje é uma profissão”, resume a vice-presidente Nancy Hammond, que em 1973 deixou um emprego no departamento de marketing de uma emissora de TV para juntar-se ao WWF.Se o profissionalismo foi construído ao longo dos anos, o perfil multinacional do WWF dos Estados Unidos data da própria fundação, em 1961, como um dos muitos ramos da árvore do WWF mundial Preocupados com o desaparecimento da fauna africana, um punhado de naturalistas decidiu fundar uma entidade capaz de arrecadar fundos para a conservação em escala planetária. Tendo como símbolo o panda e com a sobrevivência assegurada por 13 000 libras esterlinas em doações, os naturalistas reunidos em Londres criaram o primeiro WWF em Zurique, Suíça, pais onde até hoje tem sede a direção do WWF Internacional, o guarda-chuva das 27 organizações afiliadas (nenhuma delas brasileira).No mundo inteiro, a família tem 3 milhões de membros e administra um orçamento anual de 130 milhões de dólares. O WWF-USA (que na Europa adota o nome World Wide Fund for Nature para não ser confundido com a matriz) divide com o irmão britânico o título de peso pesado do clã.
Seu campo de atuação é o Terceiro Mundo, com ênfase especial na América Latina e no Brasil (veja quadro ao lado). Uma olhada na contabilidade do WWF em 1989 revela doações de até 99 000 dólares provenientes da companhia petrolífera Exxon, responsável pelo gigantesco vazamento de óleo no Alasca, em março daquele mesmo ano. O vice-presidente executivo do WWF, Curt Freese, biólogo de formação, afirma, contudo, que tais favores financeiros não inibem a entidade de falar grosso com as grandes corporações quando necessário.Não dependemos delas”, assegura.As relações do WWF com o governo americano também vão de vento em popa. Basta dizer que o atual diretor da EPA, sigla em inglês de Agência de Proteção Ambiental recentemente promovida à condição de secretaria do governo federal (o equivalente a ministério no léxico administrativo de Washington) , é ninguém menos do que o ex-presidente do WWF William Reilly. Segundo um analista do setor de ecologia do Departamento de Estado, o WWF está na “ponta mais responsável” do leque de associações ecológicas americanas. Essa aveludada coexistência. que contrasta com o tom estridente das acusações trocadas entre os burocratas do Executivo e os dirigentes das entidades ambientalistas mais radicais, dá o tom do futuro, acredita a mesma fonte: “Assim como as organizações começam a entender que não podem mudar o mundo de um dia para o outro, o governo vai percebendo a importância da preservação do meio ambiente”.
No muro das lamentações ecológico que é o Banco Mundial, com sede em Washington, onde os lobbistas de tudo quanto é organização vão garimpar dólares para as suas causas. o WWF também tem fama de ser competentemente de centro. E uma das organizações mais respeitáveis”, qualifica Robert Goodland, um dos encarregados de analisar o possível impacto ambientar das obras financiadas pelo Banco. “E uma boa fonte de técnicos.” Desde a fundação. o WWF esteve prioritariamente voltado para a preservação da vida. Nossa atitude típica era muito protecionista, recorda a vice-presidente Nancy Hammond. “Queríamos colocar cercas, não deixar o homem entrar nas reservas. A mudança mais notável nessas três décadas foi a compreensão de que nada disso iria funcionar se as pessoas não fossem consideradas.”Isso levou os ecologistas a fiscalizar de perto a atuação de organizações como o Banco Mundial, o Banco, Interamericano de Desenvolvimento e o Fundo Monetário Intemacional, responsáveis pela distribuição das porções mais apetitosas dos recursos destinados justamente a tornar menos indecentes as condições de vida da maioria das pessoas nos países pobres. Apesar da pouca experiência no ramo, os lobbistas do WWF já conquistaram alguns triunfos, como no caso do projeto de reforma da indústria madeireira da Costa do Marfim, na África ocidental, discutido pelo Banco Mundial há um ano.
O projeto teoricamente serviria para frear a devastação das florestas da Costa do Marfim, país cuja taxa de desflorestamento é a maior do mundo. Impedidos, por ordens estritas da direção do Banco, de ter acesso ao plano, eles ainda assim redigiram uma análise crítica do documento, baseados nos relatos de pessoas que o haviam lido. Isso permitiu à economista Jeniffer Smith, do WWF, sustentar que, embora as metas da iniciativa fossem louváveis, o projeto não assegurava que a exploração da madeira passaria a ser feita de maneira racional; não estabelecia meios de fiscalizar nem as madeireiras nem o governo da Costa do Marfim e tampouco oferecia métodos modernos de cultivo que permitissem à população local utilizar as mesmas terras por muitos anos, em vez de periodicamente buscar (e desmatar) novos campos férteis.Trabalhando com os WWFs de dez outros países, o time americano acabou conseguindo que todos os demais empréstimos similares ficassem na geladeira enquanto o Banco empreende uma ampla revisão de sua política para o setor. Além disso, o organismo passou a ser consultado para a elaboracão de novos projetos de financiamento da indústria madeireira ou de reflorestamento. Nada mau para quem estava apenas comecando nessa frente de batalha. Mas café pequeno perto do que o WWF obteve da Casa Branca em fins de 1 999.
Em junho daquele ano, oWWF divulgou um estudo feito em grande parte pela sua agencia internacional que vigia o comercio ilegal de animais, designada apropriademente Traffic. Segundo dados de uma cuidadosa pesquisa, a população de elefantes na África havia sido reduzida pela metade em um decênio e, a persistir o ritmo da matança, eles acabariam extintos em vários países africanos em não mais de vinte anos. Os ecologistas pediram aos 103 países signatários da Convenção do Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas que banissem o comércio de marfim, principal incentivo dos caçadores. Quatro dias depois o presidente americano George Bush atendeu ao pedido, seguido logo pela Comunidade Européia. Depois, o Japão e Hong Kong, dois dos principais compradores de marfim, resolveram reduzir as suas importações. Em três semanas. o WWF havia conseguido acabar pelo menos com o comércio legal de marfim.”Desenvolvimento sustentado”, em ecologuês, é a expressão que resume aquilo que o WWF considera a sua missão para os anos 90: “Deter e eventualmente reverter o processo de degradação acelerada do meio ambiente natural do nosso planeta, e ajudar a construir um futuro no qual os seres humanos vivam em harmonia com a natureza”.
A adoção de formas de exploração econômica de acordo com esse princípio é um dos dois caminhos imaginados pelo WWF para chegar ao futuro harmonioso. O outro é a preservação da biodiversidade. A organização tem procurado pôr em prática o que prega em projetos como o das Montanhas Kilum, na República dos Camarões. Para impedir o completo desaparecimento das florestas locais até o ano 2000, o WWF vem ajudando os agricultores da região a utilizar novas técnicas de cultivo e a desenvolver o artesanato com madeiras extraídas da floresta de forma planejada. Ao mesmo tempo, tenta encontrar mercado internacional para tais produtos. Tudo isso, obviamente, requer dinheiro.A entidade vive em primeiro lugar das contribuições de seus membros, o que cobre perto de 70% de seu orçamento. Segundo, dos dólares amealhados com a venda de lenços, cartões, toalhas, livros, brincos, braceletes (em formato de golfinho), calendários, papéis para presentes (reciclados, é claro), sacolas e quinquilharias ecológicas em geral. Os campeões de vendas são as camisetas e os bichos de pelúcia que representam espécies ameaçadas, como o panda e o mico-leão. Mas, para a diretora de marketing, Ann McClellan, o objetivo desse comércio não é o livro caixa: “É uma maneira de educar as pessoas. Com cada produto, o comprador recebe um cartão com informações sobre o WWF e o animal representado”.
Nos últimos cinco anos, a venda de bichos de pelúcia (fabricados por firmas no sistema de licenciamento) já engordou em mais de 1 milhão de dólares a conta bancária do WWF. Outra fonte de ingressos são as doações de membros especialmente abonados. É o caso de Ralph Lauren, que vende em suas exclusivas lojas gravatas de seda estampadas com minúsculos pendas e remete os lucros para o WWF.A organização percorreu uma longa trajetória. A vice-presidente Nancy Hammond lembra que quando entrou para o WWF, há dezessete anos, as instalações se resumiam a um minúsculo escritório e a equipe somava onze pessoas. A virada, segundo ela, começou quando o ex-secretário da Agência de Proteção Ambiental, Russel Train tornou-se presidente da organização. “Ele percebeu a necessidade de contratar profissionais para gerir os programas”, diz Nancy. “E isso resultou na expansão dos anos 80.”Em pelo menos dois aspectos o WWF desbravou caminhos no movimento ecológico. Como reconhece Steve Schwartzmanl da organização Environmental Defense Fund, “foi o primeiro a se dar conta da importância de fortalecer os movimentos ecológicos locais”.
Assim, em vez de financiar as pesquisas de americanos em países do Terceiro Mundo, o WWF hoje prefere financiar grupos autóctones, como o brasileiro S Mata Atlântica. O segundo caminho foi aberto em 1984 pelo então vice-presidente do WWF,, Thomas Lovejoy, especialista em Amazônia. Ele foi o pioneiro da idéia dos debt-for-natureswaps, literalmente, permutas de dívida por natureza. A transação, já realizada com dez países, e também por outras entidades, consiste na compra de títulos da dívida externa de um país, a preço reduzido, pela organização ecológica estrangeira. Depois, os títulos são doados a entidades ambientalistas do país beneficiado, que os vão repassando para o governo à medida que este libera recursos para projetos ecológicos. Assim, em vez de dólares, o governo gasta a sua própria moeda.Essas operações ocupam boa parte do tempo da presidente Kathryn Fuller. Mas os problemas ecológicos dos outros países não a impedem de criticar o que a seu ver está errado no pedaço do mundo em que vive. “Os Estados Unidos deveriam consumir menos energia. Usamos demais coisas descartáveis e já não temos onde colocá-las”, denuncia. Seu prognóstico para a Terra é moderadamente otimista. “O planeta é capaz de se recuperar”, acredita. “Mas desde que deixemos de agredi-lo com tamanha intensidade.”
Para saber mais:
(SUPER número 3, ano 5)
Matizes de green
Na Califórnia, cidadãos martelam longos pregos em árvores para quebrar as serras elétricas que as ameaçam. Na Virgínia, do outro lado dos Estados Unidos, advogados assinam cheques de 18 milhões de dólares para comprar um rancho no Novo México e reservá-lo à pesquisa e à preservação do hábitat. Em tese, marteladores e causídicos, membros da Earth First! uns, e da Nature Conservancy outros, estão do mesmo lado da trincheira contra a degradação física do planeta. Na verdade, representam os extremos do movimento ecológico americano e pode-se dizer que lavam as mãos depois de se cumprimentarem.Há no país pelo menos uma centena de outras organizações equilibrando-se entre o radicalismo da Earth First!, cujo diretor está preso, acusado de tramar atos de terrorismo ecológico, e o estilo um-cheque-vale-mais-que-mil-slogans da abonada Nature Conservancy, dona de 600 milhões de dólares em santuários ambientais.
Existe mais gente segurando a corda na ponta rica desse cabo de guerra. Embora muitos se constranjam com a fraternal proximidade entre a Nature Conservancy e o empresariado, a maioria segue o seu exemplo de profissionalismo na obvenção de recursos. Mesmo o gigante do ecologismo americano, o Greenpeace, com seus 2,3 milhões de a filiados, célebre entre outros feitos por ter paralisado o teste de um míssil nuclear na Flórida, comanda um exército de arrecadadores de dinheiro.De seu lado a National Audubon Society produz documentários sobre a natureza para a TV com o patrocínio da General Electric. E a National Wildlife Federation vende 27 milhões por ano em bugigangas enfeitadas com imagens de bichos e plantas. A rigor, boa parte dos ecologistas, como os do Environmental Defense Fund e do Sierra Club, vive mais perto dos políticos e diretores de bancos do que da natureza. Diz um funcionário federal em Washington: “Eles têm mais controle sobre os fundos do governo destinados ao meio ambiente do que nós mesmos”.
Mudança no verde
As organizações ecológicas brasileiras são hoje alguns milhares, na maioria núcleos de poucas pessoas dedicadas a uma causa especifica. Trabalhando quase sempre no anonimato e no circulo restrito de bairros, escolas ou pequenas cidades, essas organizações só aparecem quando enfrentam um problema que chega à;s páginas dos jornais. As vezes acabam se fundindo: o Movimento Pró-Juréia, o Grupo de Defesa da Juréia e a Associação Ecológica de Itanhaém, por exemplo, compõem hoje a Associação em Defesa da Juréia, uma das maiores entidades ecológicas do pais, com 1400 associados. Freqüentemente, porém, acontece o contrário: sem fonte de receita permanente, as microentidades desaparecem após alguns meses. “Calculo que apenas uma centena tenha endereço, funcionários e ação continua”, estima Fábio Feldmann, o único deputado federal eleito com uma plataforma ecológica, conselheiro ou simples associado de pelo menos trinta entidades.
As organizações de caráter permanente estão passando por uma fase de profissionalização semelhante à que ocorreu com as grandes congêneres americanas. “Já passou a fase do romantismo”, acredita Clayton Lino, diretor de ciências da mais robusta de todas as entidades nacionais, a S Mata Atlântica, com 4 000 sócios e orçamento anual de 400 000 dólares. “É preciso competência para gerenciar programas, obter apoio financeiro e influenciar os órgãos oficiais”, explica. Graças a doações de empresas, da contribuição de associados e de organizàções internacionais, como a própria WWF, a entidade iniciou projetos de aproveitamento de recursos naturais em benefício de populações do litoral paulista. Outros movimentos, embora menores, se sustentam da mesma maneira e também cuidam de projetos importantes. Um exemplo de bom trabalho é o da Fundação Biodiversitas, formada basicamente por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais, voltada para a proteção de espécies ameaçadas de extinção.
As formigas da presidente
No verão de 1989, Kathryn Fuller notou que o seu escritório não era mais exclusivamente seu. Pequenas formigas cor-de-laranja marchavam pelo fio do telefone e vasculhavam a escrivaninha, à procura de migalhas de biscoitos. Um auxiliar, solícito, prontamente se ofereceu para providenciar a dedetização. Mas Kathryn, presidente do WWF, preferiu deixar a comunidade de formigas em paz. Sábia decisão. Pois, em outubro último, ela aproveitou uma reunião do conselho diretor da organização e pediu a um de seus membros que esclarecesse a origem dos insetos. Tratava-se de ninguém menos que o entomologista Edward Wilson, da Universidade Harvard, o maior especialista do mundo em formigas e um dos autores da mais completa obra sobre o assunto. Ants, publicada no ano passado.Para surpresa de ambos, Wilson não foi capaz de identificar a espécie invasora. O cientista levou alguns exemplares para serem examinados na universidade e, na virada do ano, recebeu o não menos surpreendente resultado dos estudos: as formigas pertencem de fato a uma espécie desconhecida, do gênero Pheidole a qual, em homenagem a Kathryn,, deverá ser chamada Pheidole fullerae. Preocupada em preservar a única colônia conhecida dessas formigas sua sede fica no vaso de uma palmeira do escritório , a presidente do WWF alimenta os insetos com maçãs, água açucarada, biscoitos e queijo. E proibiu a firma que cuida das plantas ali de tocar naquele vaso, onde foram plantadas outras espécies tropicais que produzem uma substância nutritiva para as formigas. “Estou criando um ecossistema tropical completo no escritório”, ri Kathryn, para quem as fullerae são “um maravilhoso lembrete da extraordinária diversidade da vida na Terra”.
De micos-leões a peixes-bois
Junto com a Indonésia e a Tanzânia, o Brasil é uma das principais prioridades do World Wildlife Fund. A entidade gastou aqui 1,5 milhão de dólares no ano passado e mantém um time de oito pesquisadores. “Financiamos mais de 100 projetos”, orgulha-se a diretora do programa brasileiro, Lou Ann Dietz, em seu português quase perfeito, resultado de oito anos de permanência no país. Foi ela quem deu início aos planos de proteção ao lobo-guará, no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, e ao mico-leão, na Reserva de Poço das Antas, no Estado do Rio.O projeto do mico-leão, com apoio do antigo IBDF e do atual Ibama, e do qual participam noventa zôos americanos, é considerado uma das mais bem-sucedidas iniciativas conservacionistas em todo o mundo por ter conseguido que os macaquinhos se reproduzissem em cativeiro. A espécie, que estava reduzida a 100 indivíduos por causa da devastação do seu hábitat, tem hoje uma população quatro vezes maior. O programa é modelar por salvar uma espécie, preservar a natureza e promover a educação ambientar.
É o efeito multiplicador buscado pelo WWF. “É preciso fazer com que os dólares rendam o máximo”, frisa Lou Ann. “Afinal de contas, não somos o Banco Mundial.”Outro desafio brasileiro é preservar o peixe-boi.. Embora listados entre as formas de vida ameaçadas de extinção no país, e por isso protegidos pela legislação, tanto o peixe-boi marinho quanto o amazônico ainda são pescados indiscriminadamente, por sua pele, sua carne e pelos 200 quilos de óleo que um espécime adulto proporciona. No Espírito Santo e na Bahia, o peixe-boi marinho já desapareceu. Em todo o Nordeste, devem restar menos de 200 desses mamíferos. Não há dados sobre o peixe-boi amazônico. O lento ciclo reprodutor do animal também complica as coisas: a fêmea só dá à luz um filhote por vez, depois de treze meses de gestação.”A destruição dos estuários dos rios, onde eles vêm se alimentar e procriar, é mais uma causa do problema”, indica Janice Wiles, que cuida no WWF da preservação do animal. Grande (chega a pesar 600 quilos) e comilão, o peixe-boi devora quantidades pantagruélicas de algas e de outros vegetais. A devastação das matas ribeirinhas provoca erosão, que deixa os rios rasos e estéreis.
O trabalho de pesquisar e salvar os bichos vem sendo conduzido há quatro anos pelos oceanógrafos Eunice Oliveira e Ricardo José Soavinski, que dirigem em João Pessoa, Paraíba, o Centro Peixe-Boi Marinho, do Ibama. Além do WWF, apóiam o projeto a Conservation Foundation, também dos Estados Unidos, e a Fundação Pró-Natureza.Ao lado do estudo dos hábitos do animal, há toda uma atividade pedagógica de sabor publicitário. Munidos de camisetas, slides, filmes e folhetos pagos pelo WWF, os oceanógrafos alertam os pescadores de Pernambuco, Paraíba e Alagoas contra a matança dos mamíferos. O grupo trata ainda de estabelecer uma unidade-piloto de preservação, em Rio Tinto, Paraíba, onde já são criados peixes-bois órfãos resgatados pelo Centro. “A idéia”, descreve Janice, “é mostrar que homens e animais podem conviver sem que um prejudique o outro.”