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Como no tempo de Cabral

O indigenista que está preparando índios isolados para encarar de cabeça erguida o mundo dos brancos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 30 jun 2004, 22h00

Sérgio Gwercman, da Área Indígena Cuminapanema (PA)

Cabral deve ter visto cena parecida. A tripulação cercada por índios nus, que tateavam suas roupas e arregalavam os olhos de curiosidade. Poderia muito bem ter sido em 1500, mas o episódio se deu em 2004, quando pousei na tribo dos zo’és a bordo de um monomotor que provavelmente não me dava muito mais segurança que uma caravela do século 16. Outra semelhança com Cabral: ao desembarcar, vimos índios saudáveis vivendo a própria cultura. É aí que entra o trabalho da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema, um posto de contato da Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII) da Funai. Encontrar indígenas em boas condições, 500 anos após o descobrimento, é coisa rara no Brasil. Tão rara que foi preciso nos enfiarmos mais de 300 quilômetros Amazônia adentro, num pedaço de terra longe de qualquer estrada, cidade ou porto, bem onde o país é cortado pela linha do Equador (veja as fotos mais incríveis dos zo’és na página 88).

Os brancos, chegados com Cabral em 1500, só foram encontrar os zo’és em 1985. Antes disso, não havia para eles Nova York, Copa do Mundo, Hitler, nada disso. Naquele ano, missionários evangélicos americanos apareceram com presentes, a palavra de um Deus desconhecido e alguns vírus. Em sete anos, 25% da população morreu de gripe ou malária. Em 1991 os religiosos foram expulsos pela Funai, que assumiu a atenção à tribo.

O indigenista João Lobato, atual chefe da Frente, chegou em 1996. Encontrou os índios vestidos e vivendo em função de um posto do governo que os alimentava três vezes ao dia. Com a experiência de quem já tinha trabalhado com outras cinco etnias, João reconheceu nessa mistura a receita que levou a maior parte dos índios brasileiros ao espaço que ocupam hoje na sociedade: “submarginalizados”, nas palavras do indigenista. Partindo do pressuposto de que pior não podia ficar, João iniciou uma nova maneira de se relacionar com índios recém-contatados.

Começou então um processo que não tem claro seu objetivo final. Como o chefe da Frente gosta de repetir, “sabemos apenas aonde não queremos chegar”. “Estamos fazendo tudo diferente. Não temos um modelo a seguir, porque todos deram errado”, diz. João sabe que o problema maior não é o jeito da Funai trabalhar, mas a força esmagadora de uma civilização tecnológica, que está prestes a atropelar esse grupo de 217 pessoas vivendo como na Idade da Pedra. Mesmo assim, implantou um sistema cuja principal ambição é reduzir ao máximo o choque. E, com boas idéias, conseguiu resultados.

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Em primeiro lugar, roupas foram queimadas e todos voltaram a andar como antes: mulheres pintadas de urucum e homens ostentando seu adorno peniano. O serviço de buffet foi extinto e os índios voltaram a caçar antas, pacas e sua iguaria favorita, bracinhos de macacos. Abandonou-se assim o menu à base de sal, açúcar e massas – cestas básicas com macarrão matam a fome, mas podem levar um índio à obesidade e à hipertensão. Mas nem tudo no projeto significa voltar as raízes. Graças à presença de uma enfermeira, a malária, que antes atacava 50 pessoas por mês, só atingiu 11 pessoas em 2004 – depois de dois anos sem nenhum doente. E as picadas de cobra foram reduzidas com a introdução de lanternas, acopladas ao arco para ajudar na caça.

Com tudo isso, e mais infra-estrutura médico-odontológica, João acredita estar criando um ambiente saudável o suficiente para convencer os índios de que a aldeia pode oferecer mais vantagens que as cidades. Em 2005, um grupo deve fazer uma visita ao mundo dos brancos, provavelmente Santarém, na primeira experiência de um zo’é fora da mata. A viagem é parte do projeto de educação crítica, que pretende apresentar nossa sociedade não apenas como um lugar de facilidades tecnológicas, mas em que o acesso a elas custa caro. E, via de regra, é inacessível aos índios. Desde os tempos de Cabral.

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Como ajudar

Doações de vídeos mostrando cidades grandes e outros povos indígenas são bem-vindos para o projeto de educação crítica. Material hospitalar também. Outra ajuda desejada é um sistema de rádio para interligar as sete aldeias da reserva. Ligue para (091) 299-7307 e fale com Carina, que está em contato por rádio com a aldeia.

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