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Meu plano de governo: Renunciar

Ele quer se eleger presidente dos EUA, implantar uma única lei - e ir embora da Casa Branca imediatamente depois. Conheça a ousada proposta do americano Lawrence Lessig, que recebeu US$ 1 milhão em doações e já está em plena campanha para a eleição de 2016.

Por Natália Garcia
Atualizado em 4 nov 2016, 19h06 - Publicado em 17 dez 2015, 13h00

No começo de agosto, o professor americano Lawrence Lessig lançou uma campanha para arrecadar US$ 1 milhão em doações. Se conseguisse o dinheiro, ele teria condições de concorrer à presidência dos EUA. “Eu quero ser um presidente diferente”, disse. “Não no sentido marqueteiro, mas realmente diferente.” Diferente a ponto de fazer algo que qualquer político consideraria uma loucura: se Lessig ganhar, ele promete renunciar ao cargo. Quer aprovar uma única lei e depois ir embora para casa – deixando o país nas mãos do vice. Ele conseguiu o dinheiro, e já começou a campanha. Pretende concorrer à sucessão de Barack Obama. E, se eleito, virar o sistema político de cabeça para baixo; com um único gesto.

“82% dos americanos acreditam que o sistema político do nosso país está viciado”, diz. Segundo ele, a raiz do problema está no financiamento das campanhas. Elas são pagas por doações de bilionários e de grandes empresas (da mesma forma que acontece no Brasil). “É como se houvesse duas eleições”, explica Lessig, que é professor de direito na Universidade Harvard. Uma eleição com votos – e outra com dinheiro. “Para conseguir concorrer às eleições diretas, é preciso ter se saído muito bem na corrida pelo dinheiro”, afirma. E os políticos passam a representar os interesses de uma minoria – os financiadores de campanha. “Eles passam metade do tempo buscando financiamento para permanecer no Congresso ou manter seu partido no poder”, diz.

Nos EUA, cada pessoa só pode doar US$ 2.600 para cada candidato. Mas existe uma maneira de burlar isso. Doar dinheiro para os PACs: comitês de ação política, em inglês. São grupos independentes, e em tese apartidários, que se organizam para levantar dinheiro em nome de uma causa – como a regulação de remédios na indústria farmacêutica ou a legalização do aborto, por exemplo.

Até 2010, eles só podiam arrecadar dinheiro de pessoas físicas. Mas, naquele ano, a Suprema Corte Americana abriu a porteira: e decidiu que empresas também poderiam doar. Nasceram os Super PACs, organizações que recebem dinheiro e repassam para campanhas políticas. Nas eleições de 2012, foram mais de US$ 600 milhões. E 70% de tudo isso veio de apenas cem doadores. Ou seja: os Super PACs acabam servindo para que multibilionários e grandes empresas deem caminhões de dinheiro para os políticos (e cobrem favores depois).

Lessig já tentou acabar com eles. A estratégia era engenhosa: criar um Super PAC com a missão de destruir os Super PACs. Em 2014, o professor conseguiu arrecadar US$ 10 milhões, via internet, para o projeto. O plano era financiar a campanha de oito candidatos ao Congresso – se eleitos, eles apresentariam um projeto de lei proibindo os Super PACs. Mas só dois dos candidatos conseguiram se eleger. Não deu certo. Foi aí que Lessig teve a ideia de se candidatar a presidente. Se eleito, ele trabalhará apenas para aprovar o que chama de Citizen Equality Act, uma lei que propõe restaurar a democracia participativa e destravar o sistema. Assim que essa lei for aprovada no Congresso, ele renuncia e o vice-presidente assume.

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A imprensa americana reagiu com ceticismo. Lessig conseguiu o dinheiro, mas ainda faltam vários passos – todos eles bem grandes. Primeiro, ele terá de concorrer nas eleições primárias do partido Democrata, no começo do ano que vem, quando enfrentará dois concorrentes fortes: o senador Bernie Sanders e a ex-primeira-dama Hillary Clinton. Lessig admite fazer uma aliança com Sanders ou com Hillary (que também propõe acabar com os Super PACs). Mas andou criticando a sra. Clinton. “Ela é de outra era”, disse à emissora de TV MSNBC. Supondo que o professor consiga ser escolhido candidato democrata, terá de encarar os republicanos nas urnas. A disputa para escolher o candidato republicano está indefinida.

Até a conclusão desta edição, o bilionário Donald Trump estava na frente, seguido pelo neurocirurgião Ben Carson e por Jeb Bush, ex-governador da Flórida e irmão de George W. Bush. Se Lessig passar por mais essa etapa, e se eleger, faltará convencer o Congresso a aprovar uma lei que, na prática, tira dinheiro do bolso dos políticos. É óbvio que eles irão resistir – como aconteceu no Brasil, onde recentemente a Câmara dos Deputados se mobilizou para garantir que as doações de empresas continuassem sendo permitidas. Em setembro, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão contrária às doações. Se elas forem de fato proibidas, é provável que acabem surgindo Super PACs brasileiros. Aqui, eles seriam batizados de “fundações” ou “institutos”, mas sua função seria a mesma: repassar dinheiro de empresas a candidatos. Porque a classe política sempre fará de tudo para manter o financiamento privado. Aqui, nos EUA e em qualquer lugar do mundo.

O próprio Lessig reconhece que seu plano é meio quixotesco. “Claro que eu sei que a ideia é pouco plausível, ainda que todos os passos da estratégia estejam baseados em fatos irrefutáveis”, pondera. Mas ele conta com o apoio da opinião pública – e diz que não há alternativa, porque o sistema está viciado. Nenhuma mudança é possível até que ele seja reformado.

Realidade paralela

Supondo que tudo dê certo, e Lessig consiga o que pretende, como as eleições irão funcionar? O Citizen Equality Act propõe três grandes mudanças. A primeira é transformar o dia de votação em feriado nacional. Isso porque, nos Estados Unidos, as eleições acontecem em um dia normal, de trabalho, e nem todo mundo pode faltar ao emprego para ir votar. A segunda mudança seria no sistema de contagem de votos. Hoje, os EUA funcionam no sistema de Colégio Eleitoral. Nele, o presidente não é escolhido diretamente pelo número de votos – e sim por 538 “delegados” distribuídos pelos Estados do país. A Califórnia, por exemplo, tem 55 delegados. Em 2012, Obama foi o mais votado pela população de lá – e, portanto, recebeu o apoio dos 55 delegados daquele Estado. Seu adversário, o republicano Mitt Romney, ganhou no Texas – e foi apoiado pelos 38 delegados de lá. Esses votos vão sendo somados, e quem tiver 270 delegados ganha a eleição. Parece um esquema justo, mas nem sempre é.

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Na corrida presidencial de 2000, Al Gore teve 540 mil votos (0,5% do total) a mais do que George W. Bush. Logo, deveria ter ganho a eleição. Mas perdeu – e justamente por causa do Colégio Eleitoral. Tudo porque Bush teve mais votos na Flórida. Ele venceu naquele Estado por uma margem muito, mas muito pequena: teve 48,85% dos votos de lá, contra 48,84% de Gore. Mas, pelo sistema de Colégio Eleitoral, levou todos os 29 delegados da Flórida – e, graças a isso, ganhou a eleição. Mesmo tendo, na contagem nacional, menos votos que o adversário. É uma distorção brutal (e que tinha acontecido pela última vez em 1888, quando Benjamin Harrison foi eleito presidente tendo menos votos que o rival). Lessig propõe adotar um sistema direto, como o brasileiro, em que o presidente é escolhido pela contagem direta dos votos dos cidadãos.

A terceira mudança é a mais importante: Lessig quer que as eleições sejam financiadas apenas por pessoas físicas, e proibir doações de empresas. Cada cidadão americano receberia “vales-democracia,” cada um valendo uma pequena quantidade de dinheiro, e escolheria quais candidatos iriam receber a grana. O dinheiro viria do Estado, ou seja, seria um financiamento público de campanha – só que controlado pela população. Isso não resolveria todos os problemas (a população poderia continuar sendo enganada por políticos inescrupulosos, que fariam falsas promessas para receber o “vale-democracia”), mas, para Lessig, tornaria o processo mais democrático.

Essa não é a primeira vez que ele usa a perspectiva jurídica para tentar resolver problemas da sociedade. Em meados dos anos 2000, o conflito entre os direitos autorais e a pirataria na internet chamou a atenção de Lessig – que criou o Creative Commons, um sistema de licenciamento de conteúdo que estimula seu uso e compartilhamento na rede. Em vez de ter “todos os direitos reservados”, o autor de um livro ou de uma música que opta pelo Creative Commons pode reservar alguns direitos e liberar outros – permitindo que seu trabalho seja reutilizado em escolas e projetos sem fins lucrativos, por exemplo. Hoje, existem 882 milhões de “conteúdos” (fotos, textos, vídeos, músicas, etc.) licenciados pelo Creative Commons na internet.

“Consertar a democracia primeiro” é o slogan de Lessig. “Não estou dizendo que esse é o tema mais importante do país, mas é sem dúvida o primeiro da lista, o único que pode viabilizar soluções para os outros. Qualquer campanha política que coloque a reforma do sistema como mais um item, e não o principal, não conseguirá realizá-la”, diz ele, que já começou a trabalhar na campanha. Usando o milhão de dólares que arrecadou (e veio de 9.068 doadores), ele contratou uma equipe e deu o pontapé inicial dia 9 de setembro, em um evento organizado às pressas em New Hampshire, onde acontecerá a primeira etapa das eleições primárias. A apresentação, que foi transmitida pela internet, teve uma audiência virtual modesta, de aproximadamente 400 pessoas. O candidato respondeu a algumas perguntas da plateia. “Se eleito, o senhor terá que ser presidente de verdade, tomar decisões estratégicas, resolver conflitos. Como isso vai funcionar?”, perguntou uma pessoa. Lessig respondeu dizendo que o vice-presidente resolveria. Questionado sobre quem ele gostaria que fosse o vice, Lessig disse que caberá ao partido resolver. Mas a pergunta mais profunda foi também a mais óbvia. Por que, depois de se eleger e fazer a tal reforma política, ele pretende renunciar? Por que não continuar no cargo e fazer outras coisas pelo país?

“É preciso abrir mão do poder para ter poder suficiente para realizar a reforma”, respondeu Lessig. Eleger-se já com o compromisso da renúncia seria uma forma de mostrar determinação e honestidade, e ganhar o apoio da população. Deixar o poder para conquistar poder. Uma estratégia assumidamente radical – e com a qual pouquíssimos políticos concordariam.

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A mudança em 3 etapas

Os três elementos do Citizen Equality Act, a lei proposta por Lessig

1. Sistema direto

Nos EUA, o presidente é escolhido por um Colégio Eleitoral, com 538 “delegados”. O candidato que tem mais votos do povo, em cada Estado, é apoiado por todos os delegados de lá. Mas isso pode gerar uma distorção na contagem final – e inverter o resultado da eleição. A lei acabaria com esse sistema. A eleição passaria a ser direta, como no Brasil.

2. Dinheiro público

Hoje, as campanhas são sustentadas por empresas – que, graças a isso, têm influência sobre os políticos. A nova lei proibiria isso. Tudo seria pago só com dinheiro público.

3. Vale-democracia

Cada cidadão receberia “vales-democracia”, que podem ser trocados por dinheiro para financiar campanhas. E escolheria para quais candidatos e partidos dá-los.

Possíveis vices

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Lessig diz que o partido vai escolher. Mas colocou algumas sugestões em seu site, para voto popular:

1. Neil Degrasse Tyson

Físico e apresentador de TV, conhecido pelo carisma.

2. Hillary Clinton

Lessig não gosta dela. Mas, se o povo exigir, a aceita como vice.

3. Bernie Sanders

Senador de esquerda, também concorre às primárias do Partido Democrata.

4. Jon Stewart

Jornalista/comediante de esquerda.

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5. Sheryl Sandberg

Executiva-chefe do Facebook.

 

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