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A bela é uma fera

Características das estrelas-do-mar, que por trás da exuberância de cores e formas esconde uma implacável, astuta e voraz caçadora.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 30 set 1992, 22h00

David F. Donavel

Elas são admiradas por sua beleza em todo o mundo. Mas, por traz da exuberância de cores e formas das estrelas-do-mar, se esconde uma implacável, astuta e voraz caçadora.

Elas estão por toda parte. São bonitas, adoradas pelas crianças e aprecem em quase todo quadro ou historia sobre o oceano. Mas, como muitos outros animais comuns, por mais atraentes que as estrelas-do-mar sejam não merecem seriamente nossa atenção. Quando no deparamos com uma delas na praia ou entre algas numa fenda de rocha, ficamos até satisfeitos. Só que, de certo modo, agimos como cegos: não as “vemos”, simplesmente porque já as “conhecemos”. Se encontrássemos, em vez de uma estrela–do-mar, um belo pedaço de esponja ou uma lula morta, aí sim, olharíamos mais cuidadosamente.

As estrelas-do-mar, no entanto são bem mais interessantes e complicadas do que nossa familiaridade pode sugerir. Elas pertencem ao filo dos equinodermos, um grupo marinho que traz como principal característica a pele espinhosa, e basta sentir sua textura áspera para entender o parentesco. Grosseiramente traduzida, a palavra equinodermo significa “pele espinhosa”, ainda que não seja propriamente da pele, e sim de seu estranho esqueleto, que essa comunidade tire o nome. Composto por cristais hexagonais de calcita (uma forma de carbonato de cálcio), o esqueleto se desenvolve incrustado nas placas flexíveis do tecido das estrelas, criando a ilusão de que os espinhos brotam dela. Muitas apresentam ainda outro tipo de protuberância, também localizado entre essas placas, chamado pápula, um tecido macio em forma de são que auxilia tanto na respiração quanto na excreção.

As Asteriid, com seu formato penta radial – as clássicas cinco pontas, que as tornam ao mesmo tempo atraentes e inconfundíveis -, são as mais conhecidas. Como seus primos equinodermos, os ouriços-do-mar, os pepinos-do-mar e as bolachas-do-mar, elas se deslocam no fundo do oceano usando pequenos e delicados tubos, que, apesar do tamanho, são extremamente robustos. Esses pés tubulares, ou pódio, ficam incrustados em sulcos em casa uma das pontas da estrela e funcionam através de um sistema vascular aqüífero: a estrela-do-mar capta a água por intermédio de uma espécie de válvula de admissão chamada madreportia – geralmente visível nas “costas” desses animais -, infla os pódios e ativa as minúsculas ventosas que possuem. Enquanto os pés da dianteira promovem a locomoção, as ventosas dos pódios da retaguarda se desprendem do fundo doe o animar segue seu caminho. Claro, “dianteira” e “retaguarda” não são termos apropriados, já que a estrela-do-mar não possui uma “cara” e se move para qualquer direção: a maioria se orienta por meio de órgãos localizados em torno do corpo, dotados de tato e sensíveis a estímulos.

Na costa nordeste dos Estados Unidos, a espécie mais comum é a Esterias vulgaris, fácil de ser encontrada em lagoas à beira das praias, são deixadas pela maré. Além de bela, é também um dos mais vorazes predadores costeiros e, em certo número, pode exterminar rapidamente um bando de ostras ou mexilhões. Esses moluscos, aias, são alimento predileto das insaciáveis caçadoras, que os devoram com uma eficiência impressionante. Primeiro, a estrela-do-mar envolve vítima com os braços e posiciona-se sobre ela, com a dobradiça da concha voltada para seu disco central. Em seguida, gruda os pés tubulares na concha e puxa. Qualquer um que tenha tentado abrir um mexilhão, um marisco ou uma ostra com as próprias mãos sabe o que significa uma batalha perdida, e quem gosta de observar gaivotas também já deve ter reparado que elas soltam conchas sobre as pedras de uns 10 metros de altura para abri-las. A força de um molusco como o mexilhão é impressionante. Mas, invariavelmente, ele cede à obstinada persistência de uma estrela-do-mar faminta. Seus pódios, apesar da aparência delicada, uma vez agarrados às conchas são de uma tenacidade feroz. Diante dos insistentes puxões, a vítima finalmente fraqueja. A beirada se abre. A estrela-do-mar revira seu estômago, coloca-o dentro da concha e digere a ostra ou mexilhão em sua própria casa.

Estrelas-do-mar não têm mesmo um apetite raro e, em anos passados, os pescadores de ostras, deparando com esses predadores em suas dragas, cortavam as estrelas em pedaços antes de a atirarem de volta ao mar. No entanto, como elas possuem um notável poder de regeneração, os homens do ma não resolviam seu problema. A Asterias vulgaris tem o do de regeneração e pode desenvolver um novo corpo, mesmo quando reduzida a apenas um braço ou uma parte do disco central.

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Enquanto a Asterias vulgaris é encontrada com mais freqüência nos bancos de areia, números outras espécies de estrelas-do-mar habitam águas mais profundas do Atlântico Norte. Dois dos mais obstinados predadores entre elas são a spiy sunstar (estrela-sol-espinhenta, Crossaster papposus) e a smooth se star (estrela-so-mar-lisa, Solaster endeca). Por sua coloração chamativa, a spiny é uma visão deslumbrante no sombrio fundo do oceano. Mas a cor alegre não condiz com o feroz apetite. Seu alimento predileto são outras estrelas-do-mar, o que faz com que passe a vida cambaleando parentes. Igualmente predatória, a smooth se star alimenta-se de preferência de pequenos pepinos-do-mar e, quando não dispõe destes, devora estrelas menores que encontra.

As águas do Atlântico Norte não são o único lugar onde as estrelas-do-mar são vorazmente predatórias. As que freqüentam a costa da Colúmbia Britânica, no Canadá, por exemplo, fazem sua primar do Atlântico Norte parecer quase polidas. A morning sunstar (estrela-solda-manhã, Solaster dawsoni), de dimensões moderadas – mede 32 centímetros de ponta a ponta -, prefere alimentar-se da striped sunstar (estrela-sol-listrada, Solater stimpsoni), que é menor que ela, com cerca de 17 centímetro. Quando não consegue encontrá-la, procura membros de sua própria espécie. Uma vez que a maioria das presas foge ao serem tocadas pela morning sunstar, esta predadora levanta os braços o mais alto que pode ao caminhar sobre o fundo do mar, na esperança de alcançar uma caça desprevenida. Se conseguirem, agarra o incauto rapidamente, e assim captura animais que, na corrida, seriam muito rápidos. A stripe sunstar, quando aprisionada por ela, curva todos os braços e com isso, às vezes, escapa do algoz.

Outra estrela-do-mar interessante da costa oeste canadense é a leather sea str (estela-do-mar-de-couro, Dermasterias imbricata), um dos pouco equinodermos esquivos ao toque. Comum nas rochas e costas cheias de algas, a leather star é particular por apresentar um odor descrito com sulfúrico, que lemba o alho. Com 24 centímetros de ponta a ponta, é um animal de bom tamanho e prefere alimentar-se de anêmonas-do-mar, ainda que persiga pepinos-do-mar, ouriços, esponjas, hidróides, lâminas de bactérias e mesmo colônias de diatomáceas, microorganismos comuns nos oceanos. Ela deglute e presa inteira e digere internamente. Algumas anêmonas, seu petisco favorito, desenvolveram uma reação de fuga quando tocadas pela leather: deslocam-se do fundo e nadam agitando-se de um lado para outro para ganhar velocidade.

Um apetite insaciável, do qual não escapam nem as lulas encontradas mortas

Enquanto a leather star e a mornig sunstar – que incidentalmente se alimentam da própria leather – são predadores respeitáveis, a mais monstruosa entre os equinodermos da costa ocidental da América do Norte é, indiscutivelmente,a gigantesca sunflower star (estrela-girassol, Pycnopodia hellanthoides): chega a ter 130 centímetros de ponta a ponta e alcança grande velocidades quando apresentada. Seu cardápio inclui de tudo – ouriços, moluscos, caracóis, caranguejos, pepinos-do-mar e estrelas-do-mar, incluindo a temível morning sunstar -, e costuma engolir a presa inteira. Como suas primas Asterias vulgaris, ela é capaz de virar o próprio estômago do avesso, mas ao contrário de outras estrelas-do-mar, a sunflower parece não se intimidar com nada.

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O tamanho de seu apetite é exemplificado pelo fato de que como até as lulas que, depois de desovarem na Baia de Monterrey, no México, adoecem e morrem. Como a indigesta lula é grande demais para ser defecada pela sunflower, geralmente é expelida através da macia parede superior de seu corpo. Muitos animais desenvolveram reações desesperadas para fugir dela, o que Nem sempre funciona diante de sua velocidade e tamanho. Outra característica é que ela parece ser um das poucas estrelas-do-mar com senso de território: quando encontra uma outra de mesma espécie, as duas engajam-se num comportamento combativo cujo resultado é um equitativa distribuição de “terreno” e alimento. Nas geladas águas do Alasca,a sunfloer star é, por sua vez, atacada pelo caranguejo-rei-alasquiano. Fora este predador, ela parece não ter inimigos naturais.

É claro que Nem todas as estrelas-do-mar Asteriid são caçadoras tão vorazes. Algumas são herbívoras ou levam uma vida marcada pela modéstia gustativa. Uma dessas, a blood star (estrela-sangue, Henricia leviuscula), alimenta-se de bactérias e partículas menor que captura com seu muco – uma substância gelatinosa que desprende através da pele – e varre para a boca com cílios que crescem em seus braços. Alimenta-se também de esponjas, pressionando o disco central contra a vítima e depois devoram-na. outra blood star parente próxima da H. leviuscula, a Henricia sanguinolenta, compartilha os mesmos hábitos de alimentação e, além disso, tem a notável capacidade de filtrar nutrientes da água através da pele quando tem dificuldade de obter presas.

O incomum em relação à H. leviuscula, uma estrela de dimensões menores, com 18 centímetros de diâmetro, é que ela incuba os filhotes. Enquanto a maioria das estrelas-do-mar simplesmente libera os gametas em mar aberto, onde quer que ocorra a fertilização, a blood star solta ovos gemados, os quais a fêmea acolhe numa depressão do disco central, que produz arqueando o corpo. Quando os ovos são partidos, deles emergem minúsculas estrelas já, e aos cientistas parece que, por evitar o estágio larval, em que os recém-nascidos, ficam à mercê de predadores, essa espécie aumenta as chances de sobrevivência da prole.

A reprodução sexual, no entanto, é apenas um dos métodos que as estrelas-do-mar empregam para assegurar a sobrevivência. A já mencionada capacidade de regenerar de meros fragmentos é outro e, embora algumas tenham se aprimorado mais nisso, todas são capazes de desenvolver um novo corpo de algum pedaço do anterior. A espécie Linckia spp, é especialmente adepta da reprodução por tal método e capaz de se recompor inteira de um pedaço de braço.

As Asteriid regeneram facilmente os braço ou o próprio corpo, mas os verdadeiros experts no assunto são de outro grupo de estrelas: os ofiuróides ou “estrelas quebradiças”. Talvez a diferença mais notável entre as Asteriid e as quebradiças seja a nítida separação entre o disco central e os braços. Outra importante diferença é que as estrelas quebradiças seja a nítida separação entre o disco central e os braços. Outra importante diferença é que as estrelas quebradiças não andam sobre tubos pediosos. Em vez disso, deslizam com um movimento serpenteante e sinuoso, motivo pelo qual são às vezes chamadas de “estrelas serpentes”.

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Para uma estrela quebradiça, perder um braço ou dois é pura rotina. Seu próprio nome indica a “disposição” de perder partes do corpo e fazer crescer novas. De hábitos noturnos, pequenas e esquivas, elas escondem-se durante o dia e são difíceis de ser encontradas. Procuram fendas sombrias e esperam pela noite para sair em busca de alimento: animais pequenos e detritos.

Algumas são também varredoras. A Daisy brittle star (ofiúro magarida, Ophiopholis aculeata) passa uma boa parte do tempo entocada numa fenda, abanando os braços à procura de comida. O alimento é capturado por aderência a uma camada de muco pegajoso nos pódios. Por constituir uma presa cobiçada para os peixes que por ali transitam, é fundamental para ela manter o corpo em local seguro, enquanto estende os braços na correnteza, como se fossem iscas de pesca, confiante de que esses braços, que poderá repor depois, manterão os famintos predadores satisfeitos.

Existem literalmente milhares de espécies de estrelas-do-mar nos mares do mundo todo, variando desde as sombrias quebradiças, que se amontoam na base das profundezas abissais, ate a enorme e faminta crown of thorns sea star (estrela-do-mar-coroa-de-espinhos), que come pelo caminho vastas extensões de recifes de coral por ano. Na verdade, a ciência pouco sabe a respeito da maioria desses animais, e quanto mais se descobre, mais interessantes eles se revelam. Portanto, da próxima vez que caminhar por sua praia favorita, se você ou seu filho encontrarem a uma “linda” estrela-do-mar, percam algum tempo para olhar de verdade para ela. Talvez vejam mais do que simplesmente uma estrela.

Aqui todo mundo é Zé

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Por mais que se procure, é improvável que qualquer dessas estrelas seja encontrada no Brasil, e o motivo é simples: adaptadas às águas rias do Hemisfério Norte, dificilmente elas se atreveriam a incursões em nossas cálidas correntes. “A foz do Amazonas é uma barreira de água doce para a fauna marinha, impedindo que muitas espécies se estendam do Caribe à costa brasileira”, explica o professo Luiz Roberto Tommasi, diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

Mas algumas têm primos distantes aqui. As Asteriid (spiny sunstar e smooth sea star), por exemplo, são representadas nos trópicos pela Enoplopatria marginata, e a Henricia (blood star) encontra seu equivalente na Echinaster. No mais, nossas principais famílias de estrelas-do-mar são a Luidiidae, Astropectinidae, Oreasteridae e Linckiidae. Embora pareça afetação tanto nome em latim, o fato PE que, no Brasil, não existe terminologia popular tão rica como a americana para esses equinodermos. “Seja qual for o tamanha ou a forma, são todas chamadas de estrela-do-mar, e só”, garante Luiz Roberto Tommasi.

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