Como funciona a lavagem cerebral aplicada em grupos
O efeito da técnica pode ser ainda maior quando ela é aplicada em grupos: uma pessoa comum pode virar um fanático capaz de matar
ilustra Cezar Berje
edição Felipe van Deursen
Imagine perder o controle de seus pensamentos e virar uma espécie de robô que age da forma desejada por um político, um religioso ou uma empresa. Esqueça, porém, a imagem de alguém alterando seu cérebro com choques, cirurgias ou pílulas. Não há fórmula mágica na lavagem cerebral. “Trata-se de uma aplicação de técnicas psicológicas comuns, mas em um nível muito extremo e coercitivo”, diz Kathleen Taylor, pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e autora de Brainwashing – The Science of Thought Control (“Lavagem cerebral, a ciência do controle do pensamento”, sem edição no Brasil). O conceito de lavagem cerebral remete a um termo do mandarim, “hsi-nao“, usado na meditação para definir a limpeza da mente ou do coração. Ele surgiu nos anos 1950, quando o jornalista norte-americano Edward Hunter buscava uma explicação para a súbita mudança de comportamento de soldados de seu país. Eles haviam sido reféns de chineses e norte-coreanos na Guerra da Coreia e, ao voltarem aos EUA, tornaram-se comunistas ferrenhos.
LEIA A REPORTAGEM “CÉREBROS DOMADOS”
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1. O primeiro passo é escolher a vítima. Jovens, ainda em busca de uma identidade própria, são um alvo fácil, assim como pessoas emocionalmente abatidas. Um exemplo são os europeus filhos de imigrantes, sem oportunidade nem emprego, que acabam engrossando as fileiras do Estado Islâmico
2. O acolhimento ocorre de diversas formas, como uma conversa em tom de desabafo, uma palestra, convites para um jantar ou uma festa onde se conhecem outros membros. Quando menos espera, a pessoa já está inserida no grupo
3. O caminho está aberto para as tentativas de convencimento. Ensina-se que a ideologia do grupo é cientificamente correta e moralmente a melhor que existe. Essa crença coletiva é mais importante do que opiniões e experiências individuais
4. Respeito ao líder é essencial. Por isso, muitos grupos terroristas, extremistas políticos e seitas fundamentalistas têm uma espécie de messias, liderança carismática, que defende ideais revolucionários e cuja autoridade jamais pode ser contestada
5. Gradativamente, a pessoa é isolada. Ela se envolve com as tarefas do grupo que demandam cada vez mais tempo, deixando, aos poucos, a vida anterior para trás. As tarefas são desgastantes, como treinamentos militares e trabalhos em plantações. Assim, a pessoa não tem tempo nem forças para refletir a respeito. Somente quando essa imersão fica intensa é que amigos e parentes se dão conta de que algo está estranho com ela
6. Uma vez que a pessoa aceitou o novo contexto na sua vida, ela chega ao último estágio, em que pode ser apresentada às posições mais radicais do grupo. No caso do terrorismo religioso, primeiro a pessoa é convencida de que Deus a ama, para depois receber sua missão, como um ataque armado. Caso as ideias extremas sejam apresentadas antes que a vítima esteja “preparada”, ela pode se assustar e deixar o grupo
7. A lógica reinante é a do pensamento binário, ao melhor estilo “nós contra eles”, como se houvesse só uma verdade no mundo. Isso leva os membros a atitudes extremas, já que eles se sentem no direito (e, muitas vezes, no dever) de controlar a vida e o destino dos outros
8. Em um ambiente restrito como o de tais grupos, a paranoia dá as caras e qualquer deslize deve ser reportado. Quando a lavagem cerebral é muito intensa, aquele que contestar consigo mesmo o que está fazendo ali pode passar a se considerar um traidor da causa
9. Totalmente convencida dessas ideias utópicas e inserida em um ambiente no qual tem pouco acesso a informações contrárias ou de fora, a pessoa acha que qualquer sacrifício é justificável. Assim, ela toma atitudes até então impensáveis. Está feito o estrago
DUAS CURIOSIDADES:
– Um novo nome pode ser providenciado, de forma que a vítima se separe do seu “eu” do passado
– O controle da informação leva à criação de termos próprios, que dificultam a compreensão de quem não faz parte do grupo
Hollywood adora esse assunto
Vários filmes retratam a reprogramação cerebral aplicada em grupos. Em A Onda (2008), um professor de escola transforma o comportamento da classe com técnicas de manipulação de massas. Já O Mestre (2012) retrata como um veterano de guerra fica cada vez mais dependente de uma organização religiosa conhecida como A Causa. Na literatura, o clássico 1984 (1949), de George Orwell, é um ótimo caminho para entender como regimes totalitários agem e tentam esmagar seus opositores
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CONSULTORIA Kathleen Taylor, psicóloga e especialista em neurociência da Universidade de Oxford (Reino Unido) FONTES Livros Brainwashing, de Kathleen Taylor, Dark Psychology 101, de Michael Pace, Banned Mind Control Techniques Unleashed, de Daniel Smith, Thought Reform and the Psychology of Totalism, de Robert Lifton, e The Search of Manchurian Candidate, de John D. Marks