Tancredo Neves foi assassinado?
O primeiro presidente eleito após a ditadura foi morto em um complô? Trapalhadas médicas e mentiras oficiais alimentam essa teoria
Ilustra Marcos de Lima
Edição Felipe van Deursen
UM CIVIL NO PODER
O mineiro Tancredo Neves foi o primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar, que durou 21 anos no país (1964-1985). Em 15 de janeiro de 1985, em eleição indireta no Colégio Eleitoral, composto de senadores, deputados federais e representantes das Assembleias Legislativas estaduais,Tancredo derrotou o candidato apoiado pelos militares, Paulo Maluf
CIRURGIA DE URGÊNCIA
Em 14 de março, véspera da posse, Tancredo teve fortes dores abdominais,foi internado às pressas e fez uma operação de emergência. No dia seguinte, quem tomou posse em seu lugar foi o vice, José Sarney, ex-presidente do PDS, partido que apoiava a ditadura. Após uma agonia de 38 dias e sete cirurgias,Tancredo foi declarado morto em 21 de abril
MALUF QUE FEZ
Uma das teorias sobre a morte dizia que Tancredo havia sido assassinado por militares contrários à entrega do poder. A tese ganhou força em 1996, quando o general Newton Cruz, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, disse que Paulo Maluf o procurou em outubro de 1984 (três meses antes da votação no Colégio Eleitoral), propondo um golpe caso Tancredo fosse eleito. Segundo Cruz, comandante militar do Planalto à época, Maluf disse a ele que Tancredo estava muito doente e não teria como comandar o país
TIROS NA CATEDRAL
Outro rumor foi que a internação na véspera da posse seria devido a um atentado sofrido por Tancredo quando assistia à missa na Catedral de Brasília. Durante a celebração, faltou luz e alguns presentes juram que ouviram um tiro.Tancredo teria sido levado direto ao Hospital de Base de Brasília para uma operação de emergência
GLÓRIA VIU TUDO
A repórter da Rede Globo Glória Maria teria presenciado o momento em que o presidente foi alvejado – e ainda teria levado um tiro de raspão na perna. Para silenciá-la, a Globo, histórica aliada do regime militar, destacou a jornalista para ser correspondente no Marrocos – uma forma de mantê-la bem longe das discussões sobre o caso
MORDOMO NÃO É CULPADO
Outra hipótese diz que Tancredo foi envenenado. Isso porque João Rosa, mordomo do político, sofreu dores na barriga similares, ficou 16 dias internado, passou por várias cirurgias e enfim morreu – um dia depois do patrão. O envenenamento também foi atribuído aos militares, mas dessa vez com o apoio da CIA, a agência de inteligência dos EUA. O alvo seria Tancredo, claro, mas o desafortunado mordomo estaria no lugar errado na hora errada
BARBEIRAGENS MÉDICAS
O clima de desconfiança sobre a agonia de Tancredo foi alimentado por mentiras e erros médicos. A explicação oficial para a cirurgia na véspera da posse foi uma diverticulite (inflação na parede do intestino), devidamente tratada com a intervenção. Mas, depois da operação, o presidente só piorou e precisou voltar ao centro cirúrgico seis vezes, acometido por sangramentos e infecções
MORTO NA FOTO
A equipe de Tancredo divulgou, em 25 de março, uma foto para provar que ele se recuperava bem. A imagem mostrava o político ao lado dos médicos. Não convenceu. Segundo uma reportagem da revista VEJA na época, ele tinha duas sondas injetadas no corpo e, atrás do sofá, uma enfermeira segurava um frasco de soro. Com a notícia da farsa, o tiro saiu pela culatra e logo se espalhou que Tancredo já estava morto na foto
DIA DO ADEUS
Pairam dúvidas até sobre a data da morte. Um médico da equipe disse que o cérebro de Tancredo parou de funcionar em 20 de abril. Mas sua morte foi decretada no dia seguinte. O 21 de abril teria sido escolhido para eternizar a ideia de que Tancredo era um herói, assim como o homem homenageado no feriado desse dia, Tiradentes
Por outro lado – o que é confirmado
Complicações decorrentes da retirada de um tumor no intestino mataram Tancredo
– Tancredo já vinha sentindo dores abdominais desde junho de 1984 e as escondeu para não tumultuar a transição para a democracia
– O Hospital de Base de Brasília não oferecia condições ideais para a cirurgia (a UTI estava em reforma), mas os médicos preferiram mantê-lo lá
– Élcio Miziara, médico que fez a biópsia da parte do intestino de Tancredo extraída na primeira cirurgia, declarou que se tratava de um tumor benigno. A verdade foi camuflada para não “gerar pânico no país”, segundo Miziara, que acabou processado pelo Conselho Federal de Medicina
– No dia em que a foto de Tancredo foi divulgada, ele teve uma piora súbita e foi transferido para São Paulo, onde viria a morrer. Mas, na foto, ele estava vivo
– Glória Maria nega que tenha sido testemunha de um suposto atentado contra Tancredo. A Globo afirma que, apesar de Glória ter feito muitas reportagens no mundo todo, ela jamais foi correspondente no exterior
– A morte do mordomo foi uma trágica coincidência
– Embora fosse do partido pró-ditadura, Sarney era considerado um traidor do regime militar. Tanto que João Figueiredo, último presidente do período, que passaria a faixa a Tancredo, negou-se a transmitir o cargo a Sarney
– Maluf negou o que Newton Cruz disse e ainda o processou
Livros Assim Morreu Tancredo, de Antônio Britto e Luís Cláudio Cunha , O Paciente – O Caso Tancredo Neves, de Luiz Mir, e Tancredo Neves- A Noite do Destino, de José Augusto Ribeiro; revistas AVENTURAS NA HISTÓRIA, NOVA ESCOLA, SUPERINTERESSANTE e VEJA; jornal Estado de Minas