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81% dos pacientes com Covid-19 neste cruzeiro não tiveram sintomas

Quando um surto da doença estourou em alto mar, todos os passageiros foram testados. E os resultados surpreenderam cientistas.

Por Bruno Carbinatto
28 Maio 2020, 19h57

No meio de março, um cruzeiro saiu da Argentina em direção à Antártica com um objetivo: realizar uma rota similar a que o explorador britânico Ernest Shackleton fez há mais de um século no continente congelado. A pandemia de Covid-19 já havia sido decretada pela Organização Mundial da Saúde, mas a viagem seguiu mesmo assim, com o cuidado de examinar os 128 passageiros e 95 membros da tripulação em busca de sintomas antes de embarcarem.

As intenções até foram boas, mas não adiantaram: o navio virou palco de um grande surto de Covid-19 quando estava em alto mar. E acabou sendo também um laboratório improvisado. Todas as pessoas presentes foram testadas para o vírus, e os resultados revelaram uma altíssima taxa de pacientes assintomáticos. Isso pode dar dicas sobre como a doença se comporta também em terra firme – sobretudo em ambientes fechados.

Já há bastante tempo sabemos que uma partes dos pacientes com Covid-19 não apresentam sintomas, mas estimar a porcentagem exata é uma tarefa complicada – afinal, essas pessoas dificilmente são testadas e entram para as estatísticas. Dados de países que testam suas populações em massa, como Coreia do Sul, Alemanha e Islândia, por exemplo, até ajudam a formular estimativas, mas ainda não são certeiras. Para saber com certeza, seria preciso testar toda uma população de um local durante o surto, o que é praticamente impossível – pelo menos quando se trata de populações muitos grandes.

Mas quando pessoas estão isoladas em números pequenos, isto é um plano possível – foi o caso do cruzeiro em questão. Na primeira semana, tudo ocorreu bem, e os passageiros não estavam adotando muitos protocolos de isolamento social porque imaginavam que não havia ninguém contaminado a bordo. Após 8 dias do início da viagem, porém, uma pessoa passou a ter febre e logo o alerta foi dado a todo o navio.

Os passageiros, então, passaram a se isolar em suas cabines e adotar protocolos de proteção e higiene, e a tripulação era responsável por servir refeições para todos de forma mais segura possível. Mas, mesmo assim, mais 9 pessoas começaram a ter febre nos dias seguintes. O navio então tentou voltar à Argentina, mas teve o pedido negado pelo governo, que já havia fechado suas fronteiras. A solução foi viajar até o Uruguai para ter permissão de desembarque – nesse meio tempo, outros passageiros adoeceram e alguns dos primeiros sintomáticos até se curaram naturalmente.

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Mesmo antes de se ter a confirmação de que o que estava acontecendo era um surto de Covid-19, dois cientistas a bordo, Alvin Ing e Christine Cocks, bem como o médico da expedição, Jeffrey Green, começaram a coletar dados sobre os casos para um futuro estudo.

Oito pessoas tiveram que deixar o cruzeiro imediatamente para procurar assistência médica em terra firme. Elas foram testadas via testes rápidos, que deram negativo. Testes moleculares (quando as amostras vão à laboratório) posteriores, porém, indicaram que todas as oito pessoas tinham Covid-19. Com isso, o governo uruguaio anunciou que só permitiria que o restante das pessoas pisassem em terra firme se todos fossem testados antes, e isso de fato aconteceu.

Os resultados revelaram dados surpreendentes e bastante diferentes do que sabemos até agora: dos 217 passageiros a bordo, 128 testaram positivo para Covid-19 – 59% do total. Mas, dos infectados, somente 24 apresentaram sintomas, ou seja, 81% de todos os casos foram assintomáticos. Dezesseis pessoas tiveram sintomas leves ou moderadores e oito precisaram de assistência médica, dos quais quatro chegaram ao estado mais grave e tiveram que ser entubadas. Uma única pessoa morreu – o que equivale a uma mortalidade de 0,8%. O estudo completo foi publicado na revista médica Thorax.

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O número de assintomáticos impressiona, e, segundo os autores, é um indício de que há muitas outras pessoas que estão infectadas com o vírus andando por aí, sem apresentar sintomas e sem entrar para as estatísticas. De qualquer forma, não se pode adotar os 81% como um parâmetro geral, já que a população do navio era muito pequena para se generalizar os resultados.

Além disso, o número é muito maior do que outras estimativas feita sobre casos assintomáticos: o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, por exemplo, calcula que cerca de 35% dos casos de Covid-19 não apresentem sintomas. Em um dos primeiros cruzeiros onde houve surto de Covid-19, o Diamond Princess, essa taxa em cerca de 18% – mas não foram testados todos os passageiros a bordo. O novo estudo é o primeiro que de fato testou toda uma população isolada.

A equipe também lembrou que pessoas sem sintomas não estão livre de infecção – elas também carregam o vírus e podem transmiti-lo. Por isso a importância de se fazer testes em massa em populações, incluindo em pessoas assintomáticas, para tentar frear a disseminação do vírus. 

Outra conclusão inesperada do estudo foi sobre a eficácia dos testes rápidos: todos os oito usados deram negativo para pessoas que carregavam o vírus. Já sabemos que diferentes testes tem taxas de acerto dependendo do estágio de progressão da doença, mas a pesquisa serve de alerta para o cuidado que profissionais de saúde devem ter com casos de “falso negativo”.

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