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A timoneira do aborto

Rebecca Grompers acredita que mulheres não devem ser proibidas de interromper a gravidez. Nem que para isso elas precisem ser levadas a alto-mar

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Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 dez 2004, 22h00
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  • Sérgio Gwercman

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    A holandesa Rebecca Grompers foi incisiva quando perguntei se o bebê que ela espera para abril tem nome decidido. “Não é um bebê, é um feto.” A precisão das palavras não é à toa: fundadora da Women on Waves (Mulheres Sobre Ondas), ela comanda uma das mais polêmicas organizações pró-legalização do aborto no mundo. Viaja de navio para países em que a interrupção da gravidez é proibida e recolhe mulheres que desejem fazê-la. Leva todas para águas internacionais (onde vigoram leis holandesas, país de origem da embarcação) e distribui pílulas que colocam fim ao desenvolvimento do feto ou criança – dependendo de qual lado do debate você está.

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    A ONG escolhe como alvo países com legislações consideradas “severas”. É o caso do Brasil, que Rebecca lista entre os mais rigorosos do planeta, apesar das recentes propostas do governo Lula de relaxar punições e abrandar a lei. Por onde passa, a Women on Waves causa turbulência. Na expedição a Portugal, em 2004, foi proibida pelo Estado de embarcar mulheres. A repercussão do imbróglio foi tão grande que após a saída dos ativistas 60% dos portugueses se diziam a favor da descriminalização do aborto e 77% queriam um plebiscito sobre o tema. Vitória? “Só comemorarei quando todos países permitirem que mulheres não precisem morrer para fazer um aborto”, diz a holandesa.

    Quem são as pessoas que buscam ajuda da Women on Waves?

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    Mulheres que querem interromper a gravidez e não têm condições financeiras para isso. Em todos os países em que o aborto é ilegal, ele também é muito caro. Sabemos que a maioria das mulheres que buscam orientação em nossa linha telefônica está entre 30 e 40 anos, é mãe de pelo menos um filho e não tem recursos econômicos – ou emocionais – para criar mais uma criança. Conversamos muito com todas para buscar opções e ter certeza de que elas realmente necessitam interromper a gravidez. Se for esse o caso, oferecemos a pílula do aborto e auxílio médico.

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    O medicamento que vocês utilizam é descrito pelo FDA como inadequado para o aborto e causador de efeitos colaterais que incluem hemorragia e ruptura do útero. Ele não coloca em risco a vida dessas mulheres?

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    Se for utilizado apenas uma vez, na dose correta e até a nona semana de gravidez, não há risco. O problema são as mulheres que tomam 20 pílulas de uma vez, o que é errado. Em cinco anos de trabalho, nunca tivemos complicações médicas por causa desse remédio. É importante ter em mente que nada coloca mais em risco a saúde das mulheres que manter o aborto na ilegalidade. A cada ano, morrem 80 mulheres que fizeram abortos dentro da lei contra 80 mil mulheres que se submeteram a abortos clandestinos.

    Quais os valores defendidos pelo movimento pela legalização do aborto?

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    Em primeiro lugar, ninguém é pró-aborto. Nenhuma mulher quer passar por essa experiência. Somos pró-direito de abortar. Nosso valor fundamental é olhar as conseqüências da ilegalidade. O aborto é a intervenção médica mais praticada no mundo e proibi-lo não o evita. Essa é a realidade. Dos 47 milhões feitos a cada ano, 20 milhões são ilegais. Nossa causa envolve compaixão, autonomia e saúde das mulheres. Nossos adversários, por sua vez, gostam de se chamar “movimento pró-vida”, mas não estão nem aí para a vida das mulheres. Eles têm apenas argumentos religiosos. O problema é que o fundamento de uma sociedade democrática é separar religião e Estado. A cada 6 minutos, uma mulher morre por causa de um aborto ilegal. Precisamos olhar para as pessoas que estão aqui, não para fetos que não têm autonomia humana ou direito à vida.

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    E quem tem direito à vida?

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    A maioria dos médicos concorda que um feto de até 24 semanas de idade não tem chance de sobreviver fora do útero. Ele não tem sentimentos, consciência e autonomia – há uma dependência completa do corpo da mãe. Concordo que é uma forma de vida, sim, mas decidir qual o momento exato que transforma um feto em ser humano é uma questão pessoal. A Igreja Católica diz que é a concepção. Para os muçulmanos, isso acontece entre o 80º e o 100º dia da gravidez, quando Alá sopra a vida no bebê. Os budistas, por sua vez, acreditam que até uma mosca é uma forma de vida que não pode ser morta. Ou seja: cada pessoa tem opinião diferente e deve ter liberdade para escolher o que acha melhor. Só não entendo por que precisamos entrar nesse debate filosófico sobre quando começa a vida. Esse não é o ponto mais importante. A questão central é: mulheres fazem abortos e elas precisam ter o direito de interromper uma gravidez sem colocar em risco a própria saúde.

    Desde a fundação, a Women on Waves visitou apenas países católicos. Qual o motivo dessa estratégia?

    Não objetivamos países católicos, mas é importante lembrar que a Igreja Católica foi a maior indutora da proibição e a maioria dos protestantes permite o aborto. Há cerca de 150 anos, interromper a gravidez era tolerado. Só em 1869 um papa, Pio IX, declarou que a vida começa na concepção. É uma história interessante: Pio IX precisou fugir para a França e lá conviveu com Napoleão III. O imperador tinha problemas com a baixa natalidade, que atrapalhava seus planos de industrialização. Então, conseguiu que o papa declarasse que a alma humana era incorporada com a concepção. Em troca, a França o ajudou a retomar sua posição no Vaticano. Dizer que o aborto é pecado foi uma decisão política, como tantas outras da Igreja.

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    Agir no Brasil está em seus projetos?

    Queremos visitar o Brasil, mas não temos planos concretos. A lei brasileira é bastante dura e o problema com abortos ilegais, enorme: são cerca de 1,5 milhão por ano, que levam quase 300 mil mulheres aos hospitais por complicações. Quase todas pobres, que recorrem a métodos como pular de escadas ou introduzir agulhas sujas na vagina.

    Comparada a outros países, como você classifica nossa lei sobre aborto?

    O Brasil possui uma das legislações mais rigorosas do mundo, assim como a maioria das nações sul-americanas, asiáticas e a Irlanda. Uma pessoa vai para a cadeia se fizer um aborto a não ser em situações de estupro ou risco de morte para a mãe. Mesmo nesses casos, é preciso enfrentar uma batalha na Justiça. É surpreendente saber que uma decisão recente do Supremo Tribunal brasileiro proibiu o aborto mesmo quando o feto não tem cérebro. As pessoas precisam entender que gravidez e parto colocam em risco a saúde das mulheres. Como podemos acreditar que um feto sem possibilidade de sobreviver é mais importante que a vida da mãe dele? Qual o sentido disso?

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    Pesquisas de opinião mostram que a lei brasileira está de acordo com o que pensa a maioria da população. O aborto deve ser legalizado mesmo afrontando as convicções dos brasileiros?

    Sim. Estamos falando do direito à privacidade e à saúde. Isso não deve ser decidido pela maioria. Precisamos lembrar também que as implicações vão muito além, são muito maiores que o debate entre direitos da maioria e da minoria. O que acontece com a criança que não é desejada pelos pais? Com as crianças em orfanatos, abandonadas em banheiros públicos? O que estamos fazendo com as pessoas, forçando-as a passar por essa situação?

    Você já fez um aborto?

    Não é minha vida pessoal que está em jogo. Mas, como toda mulher, eu poderia muito bem ter passado por isso.

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    Rebecca Grompers

    • Tem 38 anos e está grávida do primeiro filho

    • É formada em artes

    • Vive com o marido em Amsterdã

    • Escreveu um romance sobre marinheiros, publicado em holandês

    • Pratica mergulho e patinação de velocidade no gelo

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