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Futebol , na segundona, com orgulho

Quero falar de um país novo. Onde as regras são respeitadas por todos, por gente simples e pelos poderosos, pelos ricos e pelos pobres.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h10 - Publicado em 30 nov 2002, 22h00

Celso Miranda

Quando o jovem André chutou a bola em direção ao alvo desprotegido, entendi que tudo estava acabado. O quarto gol do Vitória colocou fim a um ano tristíssimo para a história do Palmeiras: o time que começou o ano sendo eliminado pelo ASA, de Arapiraca (AL), na Copa do Brasil, deixaria a elite dos 24 melhores times do futebol brasileiro. Mas não é esse o espaço para discutir as questões táticas e técnicas que levaram o Palmeiras a ser rebaixado. E certamente eu, como torcedor e apaixonado, não tenho o distanciamento necessário para fazer papel de comentarista.

No entanto, quero meter minha colher na discussão sobre a possibilidade da virada de mesa que, para quem não acompanha o lado menos luminoso do futebol, significa alterar as regras da competição depois que ela já terminou – nesse caso, para pôr o Palmeiras ilicitamente de volta à Primeira Divisão.

Não adianta chorar e dizer que Fluminense, Bahia, Botafogo e Gama, entre outros, já se beneficiaram de fraudes como essa. Não quero falar desse passado sombrio. Esse Brasil não existe mais e o Palmeiras deve jogar a Segunda Divisão. Temos que seguir os exemplos de times europeus que, derrotados, cumpriram o combinado. Entre eles, gigantes como Milan, na Itália, Atlético de Madrid, na Espanha e Manchester United, na Inglaterra.

Quero falar de um país novo. Onde as regras são respeitadas por todos, por gente simples e pelos poderosos, pelos ricos e pelos pobres. Onde o mérito é dado aos vencedores pelo talento, dedicação e trabalho. Aos perdedores, há sempre a chance da recuperação: que invistam, que treinem, que se capacitem a competir e vencer. E que vençam.

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Infelizmente, ainda não vivemos nesse Brasil. Porém o futebol, que tem entre nós uma importância social inestimável, pode e deve dar o exemplo. Esse jogo de bola é um canal da expressão da alma brasileira. No Brasil Futebol Clube, os jogadores são o povo brasileiro, às vezes ingênuo, às vezes malandro, que sonha em melhorar de vida. Poucos são preparados para exercer sua função. Mas a maioria tem uma aptidão inata, que lhes dá uma autêntica vocação para o impossível. Os dirigentes dos clubes, por outro lado, têm sido um espelho da má administração pública, uma metáfora dos políticos que sobrepõem interesses privados aos coletivos, da falta de transparência e nenhum compromisso com algo que não lhes esteja próximo do umbigo.

O Brasil da bola que nos dá reais motivos para auto-estima poderia, agora, contribuir para essa virada e romper com o Brasil onde os poderosos se dão bem sempre, apenas por serem poderosos. Que ele possa mostrar ao Brasil das desigualdades, da injustiça e da fome, que vale a pena se esforçar, trabalhar e vencer. E que quem não faz por onde cai, mesmo com um bom sobrenome ou uma tradição nobiliárquica atrás de si. Se o Brasil da bola quer dar algo ao Brasil real, além de alegria e emoções esportivas, que seja o exemplo de respeito às leis. Essa seria a verdadeira virada de mesa.

Aos palmeirenses – ou aos torcedores de Botafogo, Gama e Portuguesa – que, como eu, estão incomodados com o novo status – e que a essa hora estão pensando que eu sou um cretino – um último argumento: a virada de mesa não nos redimiria. Em vez de rebaixados, jogaríamos o próximo campeonato constrangidos, como intrusos em uma festa na qual nossa presença é ilegítima. Os únicos beneficiados seriam, vejam vocês, os responsáveis pela nossa desgraça: dirigentes e jogadores. Aliás, estar na Segunda Divisão vai de certa forma punir os maus dirigentes, os pernas-de-pau que nos rebaixaram.

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Passadas as gozações de torcedores rivais, sobra-nos a inabalada paixão pelo Palmeiras. Se não enfrentaremos o São Paulo ou o Grêmio – dois que já se locupletaram no tapetão –, talvez seja uma boa oportunidade para encararmos nossos próprios fantasmas: a desorganização, a falta de investimentos e de transparência. Quanto a mim, vou me divertir, vou sofrer, me descabelar e torcer para o Palmeiras na Segunda Divisão. (Não nos resta outro caminho que não ganharmos invictos a série B!) Mas torço, com a mesma paixão, para que respeitemos as regras, pois só há razão e prazer em vencer se a possibilidade de perder existe. Derrotados em um jogo de bola, vamos ganhar, com orgulho, em um país que cumpre suas leis e seus contratos.

* Jornalista, palmeirense e colaborador da Super

Os artigos publicados nesta seção não traduzem necessariamente a opinião da Super.

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