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Hipnose: como ela pode ajudar na sua vida

Estudos recentes mostram que a técnica é eficaz para reduzir quadros de ansiedade, aumentar o foco, aliviar dores do parto e até mitigar problemas intestinais. Entenda a ciência por trás das terapias de hipnose.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 25 jul 2022, 10h47 - Publicado em 14 abr 2022, 13h20

Texto Alexandre Carvalho Ilustração Tiago Araujo Design Natalia Sayuri Lara

Após uma síndrome do pânico, em dezembro de 2020, e uma série de crises de ansiedade, o ator Marcelo Serrado começou a se interessar por leituras associadas ao funcionamento da mente. Do PhD em psicologia Joseph Murphy, leu o best-seller O Poder do Subconsciente, e foi atrás de informações que pudessem ajudá-lo não apenas na questão terapêutica. Ele queria também explorar técnicas capazes de aprimorar sua performance como ator. E aí teve um encontro bem-sucedido com a hipnose.

Muito famoso por Crô, o mordomo da novela Fina Estampa (2011), que ainda viraria protagonista de dois filmes, o ator descobriu que sessões de hipnose podiam ajudá-lo na invenção de uma história pregressa para cada um de seus personagens. Ou seja: bolar um passado fictício anterior ao período em que a trama se desenvolve, uma técnica que confere mais profundidade às interpretações. “Ao ser hipnotizado, eu consigo criar esse passado com muitos detalhes, visualizo a vida toda do personagem, desde a infância”, explica. “Isso torna essa história muito mais real na minha cabeça.”

Prestes a interpretar um dublê na próxima novela das sete da Globo, Cara e Coragem, Marcelo fez esse exercício de preparação com Tiago Garcia, hipnólogo pós-graduado em neurociência.

Membro da Sociedade para Hipnose Clínica e Experimental, dos EUA, Tiago realizou uma pesquisa com a hipótese de que a redução da atividade do córtex pré-frontal (responsável por nossa atenção e tomada de decisões) durante o estado hipnótico pode potencializar a dissociação da identidade de atrizes e atores – quando eles deixam de lado quem são na vida real para incorporar seus personagens. Nesse estudo, hipnotizou Deborah Secco e mais 15 atrizes de TV e teatro – nenhuma delas havia sido hipnotizada antes.

Em cada sessão, o pesquisador conversou com as artistas em transe, fazendo perguntas sobre o cotidiano, o passado e até o futuro de personagens que elas interpretavam em algum trabalho na época. Treze das atrizes, já em estado hipnótico, comportaram-se como se estivessem numa metamorfose, assumindo que eram de fato suas personagens – uma dissociação completa da própria personalidade.

Assim como na preparação de Marcelo Serrado, a maioria relatou um forte envolvimento emocional ao criar uma infância de ficção. E 100% delas constataram que a hipnose estimulou esse processo, dando-lhes maior facilidade para expressar emoções autênticas no momento de entrar em cena.

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O fato é que realmente acontecem alterações no cérebro durante o estado hipnótico: por conta de uma superconcentração promovida pelo hipnotista, o neocórtex, região onde fica a nossa consciência, passa a ignorar os sinais enviados pela amígdala, nosso centro emocional – que nos faz reagir a estímulos externos. Sem nada de estímulo chegando à consciência, nosso senso crítico vai lá para baixo, e nos tornamos vulneráveis às sugestões hipnóticas.

Se a hipnose de palco, na qual pessoas em transe são levadas a mastigar cebolas achando que são maçãs, trouxe bastante preconceito à técnica – colocando-a no mesmo patamar dos espetáculos de magia –, estudos recentes de algumas das mais prestigiadas universidades do mundo estão apresentando novidades que deixam, cada vez mais, essa rejeição para trás. E aproveitando o que a hipnose pode oferecer de melhor.

Hoje, o que se busca é saber como a técnica pode ser usada para eliminar fobias (confira uma experiência real no final desta reportagem), auxiliar no tratamento da ansiedade, controlar a dor ou contribuir para o desempenho profissional, deixando as pessoas mais criativas, como no caso dos atores. Ou mais focadas, como no de esportistas, que usam hipnose para entrar em flow: um estado tão imerso na atividade que tudo passa a ser feito como se fosse uma brincadeira – é o caso de Tiger Woods, fenômeno do golfe que aprendeu a auto-hipnose para focar em tacadas perfeitas. E ainda de executivos que precisam combater a procrastinação e manter-se focados durante uma apresentação para a diretoria.

Outra novidade é que esse foco pode ser otimizado por uma combinação que começou a ser estudada e praticada em 2020: a hipnose aliada ao mindfulness.

Colagem de um ator lendo script, uma pessoa meditando, duas mãos juntas e um spot de luz.
Pesquisadores do Texas concluíram que a hipnose permite atingir com mais rapidez e facilidade a atenção plena do mindfulness. (Tiago Araujo/Getty Images/Superinteressante)
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Foco total

Mindfulness é uma técnica de meditação voltada para a atenção plena, já bastante aplicada para ajudar pessoas no gerenciamento do estresse e da ansiedade. Envolve desenvolver um foco no momento presente, tirando da cabeça por alguns momentos o remorso com o passado e a preocupação com o futuro. Daí seus benefícios contra a procrastinação (o foco em um trabalho que precisa ser feito agora) e a ansiedade (que se baseia em temores relacionados ao porvir).

Um estudo da Universidade Baylor, no Texas, descobriu um modo de potencializar os resultados do mindfulness: aliá-lo à hipnoterapia. Até porque, aparentemente, as duas técnicas parecem ter sido feitas uma para a outra. A Associação Americana de Psicologia define a hipnose como um estado de atenção concentrada no qual você reduz sua consciência periférica. Ao deixar de prestar atenção ao que acontece no seu entorno, focando apenas nas palavras de um hipnotista, o indivíduo fica muito mais suscetível a responder às sugestões desse profissional.

Os pesquisadores concluíram que a hipnose, se bem aplicada, permite atingir com maior rapidez e facilidade a atenção plena do mindfulness.

Para verificar a eficácia dessa combinação, os estudiosos convidaram 42 participantes em idade universitária, todos com relatos de altos níveis de estresse. Metade serviu como grupo de controle, não recebendo hipnose nem treinamento de mindfulness. Ao longo de oito semanas, os pesquisadores avaliaram quão conscientes estavam os voluntários no momento da sessão, o quanto sua consciência podia ficar sem julgar pensamentos e sentimentos, a capacidade para a auto-hipnose, para a atenção plena e a eficiência em colocar esses aprendizados na prática.

O grupo também recebeu lição de casa: arquivos com áudios de auto-hipnose de 20 minutos elaborados, especificamente, para projetar a atenção plena diariamente. E precisavam registrar suas rotinas.

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Deu bom. Os participantes relataram uma redução na angústia percebida e um aumento significativo no foco em suas atividades durante os momentos de auto-hipnose. Coautor do estudo, Gary Elkins apontou que aliar mindfulness e hipnoterapia tem “a vantagem de ser algo menos assustador [para quem tem preconceito contra a hipnose, mas vê a meditação com bons olhos], e pode ser uma opção valiosa para o tratamento da ansiedade e a redução do estresse”.

Mas funciona com qualquer um?

Todo mundo é sugestionável em algum grau, mas esse grau varia muito de pessoa para pessoa. “Há inclusive a influência de componentes genéticos e culturais”, explica Tiago Garcia, que ainda é autor do livro Hipnose e Neurociência. “Indianos e mexicanos, povos muito espiritualizados, tendem a ser mais hipnotizáveis. E irmãos gêmeos costumam ter o mesmo perfil de suscetibilidade à hipnose.”

Colagem de uma mulher sendo hipnotizada, um cérebro e um relógio.
A Escala de Suscetibilidade Hipnótica da Universidade de Stanford mede quão “hipnotizável” você é. Porque varia. (Tiago Araujo/Getty Images/Superinteressante)

Há formas de se avaliar o quanto alguém é capaz de responder à técnica. Uma das mais usadas é a Escala de Suscetibilidade Hipnótica de Stanford, desenvolvida em 1959 por dois pesquisadores dessa universidade da Califórnia.

O que acontece é o seguinte: os hipnotizados recebem sugestões que vão progredindo em complexidade. Relaxar os olhos a ponto de não conseguir abri-los é algo que funciona com a maioria dos participantes. Ter alucinações visuais ou auditivas já é para os mais sugestionáveis. A escala vai de 1 a 12, sendo que quem chega a 12 faz a alegria dos hipnotistas. São indivíduos suscetíveis, por exemplo, a não se lembrar de que participaram das sessões. Ou acreditar que estão voando.

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Essas são reações que lembram a hipnose de palco, mas responder facilmente às sugestões hipnóticas também ajuda na hora de tratar não só a ansiedade, mas também uma dor crônica ou aguda. Ou tudo isso junto, quando se trata de alguém no estado muito especial, e frequentemente dolorido, que antecede dar à luz um novo ser.

3 MITOS DA HIPNOSE

1 – Provoca um estado idêntico ao sono

“Você está com sono, vai dormir profundamente…”. Isso é diálogo de cinema. O hipnotizado não dorme durante a sessão. Embora seja comum ficar com os olhos fechados, ele precisa estar acordado para responder às sugestões hipnóticas.

2 – É preciso estar num lugar totalmente tranquilo

Ajuda, mas não é indispensável. Você pode ser hipnotizado numa praça de alimentação de shopping. Um estudo revelou que instruções para que o hipnotizado reduza seu pensamento crítico funcionam melhor que orientações para que ele relaxe.

3 – É impossível resistir a um hipnotista

É o contrário. Basicamente não se hipnotiza quem não quer ser hipnotizado. Uma pesquisa mostrou que, quando os participantes foram informados de que poderiam resistir, 95% não responderam bem à hipnose.

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Uma gravidez melhor

Professora de robótica em Santana do Parnaíba (SP), Isabela Silvestre de Freitas sempre foi cética em relação à hipnose, diferentemente do marido, que se interessou pela técnica após participar do curso de um hipnólogo voltado para profissionais da área jurídica. Mas, há dois anos, numa gravidez cheia de incômodos físicos, Isabela foi convencida a contar com o apoio de um hipnoterapeuta.

Não era sua primeira experiência com gestação. A primeira havia sido aos 17 anos, e foi um voo de cruzeiro. Zero sofrimento. Na segunda, aos 24, foi tudo diferente. Logo nos primeiros meses, sentia bastante enjoo, ia ao banheiro vomitar mesmo sem nada no estômago e brigava com a sonolência o dia inteiro. Como ainda não dava para tirar licença do trabalho, a jovem professora cedeu à insistência do marido. E chegou às mãos do psicólogo e hipnólogo Ton Lucas.

A primeira consulta foi presencial. No universo da hipnose, esse primeiro contato entre cliente e terapeuta é chamado de anamnese. É quando acontece uma espécie de entrevista para que as queixas ou necessidades sejam expressas. E é também quando o especialista avalia quão hipnotizável é a pessoa de que precisa tratar. Isabela podia ser reticente quanto à técnica, mas não pretendia oferecer resistência ao tratamento. Qualquer coisa que a ajudasse era lucro.

As demais sessões foram por videoconferência, por conta da distância. Ela mora em Osasco; o consultório fica em São José dos Campos. Mas deu certo mesmo assim. As sugestões hipnóticas de Ton, sempre incluindo relaxamento profundo (“eu me sentia afundando na poltrona”, lembra Isabela) e mentalização de sensações de bem-estar, foram reduzindo, a cada sessão, os sofrimentos digestivos da futura mãe.

E conseguiram eliminar o pior deles: ela não conseguia mais chegar perto do seu prato preferido, lasanha. “Era um tormento para mim e, numa das sessões, o Ton me hipnotizou e me fez primeiro imaginar comidas de que eu gostava, sentir o cheiro delas…”, recorda Isabela. “Até que passou para a lasanha em si: na hipnose, vi a mais bonita e apetitosa do mundo. Ele me fez imaginar que estava comendo essa massa com muito prazer. Então, no dia seguinte, fui ao restaurante da minha sogra e fiz um prato grande só com lasanha. Estava ansiosa quanto ao que ia acontecer, mas não senti enjoo nem azia… nada. Só felicidade de voltar a comer bem.”

Colagem de uma mulher com câncer, uma mulher grávida, um aparelho de quimioterapia e um ursinho de pelúcia.
Com imaginação guiada para situações felizes, grávidas têm gestações com menos desconfortos e partos menos doloridos. (Tiago Araujo/Getty Images/Superinteressante)

De cética quanto à hipnose, Isabela passou a estágios que só os mais hipnotizáveis são capazes de experimentar. Já aos oito meses de gestação, o hipnoterapeuta fez com que ela “visse” a filha dentro da própria barriga. Claro que é tudo um exercício de imaginação, mas que traz efeitos concretos. “Na sessão, me transformei numa luzinha que entrava pelo meu pé e atravessava meu corpo até chegar ao útero. Foi uma experiência muito amorosa, que, naquela gravidez que não vinha sendo fácil, aumentou demais a minha conexão com a bebê e a minha tranquilidade com o parto que ia chegar.”

Sem anestesia

O benefício da hipnose para a gravidez não se restringe à manutenção de um estado de bem-estar ao longo da gestação. Ela também pode ajudar no momento mais delicado desse processo: o parto. Meghan Markle, a Duquesa de Sussex, aderiu à técnica quando chegou o momento de ter seus filhos, fazendo hipnose com respiração profunda e visualização de situações felizes.

Em 1989, a hipnoterapeuta Marie Mongan (1933–2019) desenvolveu um programa chamado HypnoBirthing, que postula que o medo e a ansiedade aumentam a experiência da dor na hora do parto; e que técnicas como imaginação guiada e respiração profunda podem mergulhar a mãe em um estado de grande relaxamento antes e durante o processo na maternidade. Com a hipnose, seu corpo relaxa e o parto se torna menos doloroso.

Para este fim, as mulheres nas aulas de HypnoBirthing são ensinadas a pensar em aspectos desse momento inesquecível de forma diferente. As contrações se tornam “ondas uterinas”, enquanto empurrar o bebê para fora se torna “a respiração do nascimento”. Ao reformular esses pensamentos em termos mais agradáveis e familiares do que os da medicina, reza a técnica, a gestante obtém redução de dor e ansiedade.

Mongan, uma professora de New Hampshire (EUA), dedicou anos de sua vida preparando esse método após uma experiência pessoal. Adepta do parto humanizado, no qual prevalecem as escolhas da mãe sobre a rotina hospitalar, em sua terceira gravidez, nos anos 1950, ela bateu o pé diante dos médicos, incrédulos, permanecendo irredutível na decisão de não querer ser anestesiada ao longo do seu parto. Ela achou a experiência sem anestesia “o nascimento mais bonito que eu poderia imaginar”.

Mas doía bastante, claro. Então ela foi pesquisar um modo que não trouxesse tanta dor. E chegou à criação do HypnoBirthing. A pesquisadora logo começou a receber solicitações de pais interessados em adotar o mesmo processo, e também de parteiras, doulas e, veja só, de hipnotistas. Fundou um instituto que deu popularidade à hipnose para o parto e chamou atenção de mulheres do mundo inteiro, incluindo Meghan Markle e Kate Middleton.

Um levantamento feito em 2020 a partir de diversos estudos, que reuniu pesquisadores de universidades e hospitais franceses, investigou o impacto de diferentes intervenções hipnóticas na experiência da concepção. As pesquisas apontaram para partos mais rápidos e uma diminuição significativa nos casos de depressão pós-parto, ansiedade, medo e estresse em mulheres que passaram por terapias envolvendo hipnose. As mães que aderiram à técnica também se mostraram menos propensas a recorrer a uma cesárea numa próxima gravidez.

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Um estudo de 2015 chega a ser engraçado (se não fosse perigoso): revelou ocorrências de erro de diagnóstico provocado pelo bem-estar das grávidas que praticavam auto-hipnose na hora H. Algumas dessas mulheres, já bem perto do momento de parir, chegavam à maternidade num relaxamento tão profundo que eram mandadas de volta para casa – como se fosse pouco crível um processo de parto sem expressões de dor.

“Os principais achados dessa revisão são encorajadores para o uso da hipnose na melhora da experiência de parto”, apontam os pesquisadores franceses. “Especialmente no alívio da dor e do medo e no aprimoramento do bem-estar pós-parto, além de empoderar mulheres a se sentirem mais confiantes e no controle de suas emoções no momento de dar à luz.”

Pouco usada

E quando a dor não é pelo nascimento de um filho, mas por doença? Foi em 1955 que a Associação Médica Britânica endossou o uso da hipnose na Medicina, sendo seguida três anos depois pela Associação Médica Americana. Mesmo assim, ela é pouco utilizada. Talvez por falta de uma adequação melhor do ponto de vista da regulamentação.

Na lei brasileira, por exemplo, a hipnoterapia não é uma atividade reservada aos profissionais de saúde. Se eu, jornalista, quiser trabalhar como hipnólogo clínico, posso fazer um curso rápido, que já me dará o direito de me inscrever na Sociedade Brasileira de Hipnose e atuar na área.

Claro que isso leva à suspeita de que haja muita gente sem a menor capacitação real. E ajuda a explicar o pé atrás de muitos médicos com a técnica no combate a problemas de saúde nos quais ela já se comprovou benéfica.

Apesar da falta de legislação específica, os Conselhos Federais de Medicina, Odontologia, Fisioterapia e Enfermagem – além do de Psicologia – se manifestam favoravelmente a respeito da hipnose em seus setores. Eles recomendam o uso científico da técnica como alternativa terapêutica e coadjuvante aos tratamentos convencionais.

Quem atua nessas áreas é orientado pelos próprios Códigos de Ética sobre a utilização para fins de tratamento e pesquisa. O Conselho Federal de Medicina, por exemplo, em seu parecer nº 42/1999, esclarece que “a hipnose é reconhecida como valiosa prática médica, subsidiária de diagnóstico ou de tratamento, devendo ser exercida por profissionais devidamente qualificados e sob rigorosos critérios éticos”. Em março de 2018, o Ministério da Saúde aprovou a inclusão da hipnoterapia no atendimento do SUS.

Não faltam motivos para a adoção da hipnose na medicina de uma maneira mais ampla. Um estudo conduzido pelo Hospital de Lausanne, na Suíça, apontou que a hipnose acelera a recuperação de vítimas de queimaduras severas. Essas pessoas ficam, em média, cinco dias a menos na UTI em comparação com pacientes não hipnotizados. Os pesquisadores iniciavam as sessões de hipnose assim que os indivíduos não estavam mais entubados e já tinham condições de se concentrar. Além da recuperação mais rápida, o grupo manifestou menos dor e ansiedade, e precisou de menos sedativos.

Desde 2003, o hospital Cliniques Universitaires St. Luc, de Bruxelas, na Bélgica, tem substituído muitas anestesias gerais – com seus riscos – por uma combinação de anestesia local, com sua sedação muito mais leve, apoiada por hipnose em uma série de casos nos quais o paciente precisa entrar no bisturi.

Foi o caso de Marianne Marquis. Enquanto os cirurgiões faziam um corte em seu pescoço, essa paciente se imaginava numa praia, com os pés roçando a areia fofa ou tendo a água do mar acariciando seu corpo. Aos 53 anos, ela estava se submetendo a uma cirurgia de remoção de tireoide – algo bem menos relaxante que uma tarde na praia. Mas a sugestão hipnótica permitiu que, acordada, ela suportasse as intervenções em seu corpo com serenidade.

O hipnotista começou a colocá-la em transe dez minutos antes da operação. Depois, ela declarou que até ouvia os médicos conversando durante o procedimento, mas lhe parecia que eles estavam bem distantes dela. O idílio praiano era mais real em sua mente do que a cirurgia pela qual ela estava passando.

Contra a dor de barriga

A hipnose também consegue ajudar quem sofre com episódios frequentes de desconforto abdominal, prisão de ventre ou excesso de idas ao banheiro: um conjunto de sintomas conhecido por síndrome do intestino irritável.

Segundo um estudo britânico, a técnica se mostra benéfica atuando nas interações cérebro-intestino que sustentam esse distúrbio. Os voluntários passaram por 12 sessões semanais, de 45 a 60 minutos. Sob estado hipnótico, esses pacientes eram orientados a colocar as mãos no abdômen e sentir calor e conforto no local. Também recebiam sugestões para visualizar imagens que depois seriam relacionadas ao intestino, com a intenção de levar à normalização de seu funcionamento. Uma sugestão bastante usada para pacientes com intestino solto, por exemplo, era mentalizar o órgão como um rio de correnteza violenta, que aos poucos tinha suas águas fluindo mais lenta e suavemente.

A maioria dos voluntários tratados com hipnose melhorou seus quadros intestinais, o que levou os pesquisadores à seguinte conclusão: “A hipnoterapia tem o potencial de ajudar aqueles pacientes cuja síndrome do intestino irritável é grave, e tem se mostrado particularmente eficaz como parte de um programa especializado de cuidados”.

Solidária até no câncer

Quem tem o apavorante diagnóstico de um tumor maligno também já conta com apoio da hipnose. No hospital paulistano A.C. Camargo, especializado em oncologia, hipnotistas atuam seja no alívio de dores crônicas, seja para melhorar o estado de ânimo de pacientes, além de ensinar a auto-hipnose, que pode ser útil em casa.

Uma pesquisa da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, buscou compreender o impacto emocional da hipnose em pacientes com câncer de próstata. Em pauta, temas como a autopercepção de saúde, a crença no tratamento e a capacidade de prospectar o futuro – ferramentas importantes para que o paciente não se entregue.

Colagem de um coração, um divã, uma mão segurando um pêndulo e um divã.
A hipnoterapia se mostrou eficaz no tratamento da síndrome do intestino irritável. (Tiago Araujo/Getty Images/Superinteressante)

Os voluntários passaram por cinco sessões de hipnoterapia, num intervalo de cinco semanas. Resultado: 100% dos pacientes acompanhados relataram melhora na saúde, retomada do humor, aumento nas estratégias de enfrentamento a situações estressantes durante o tratamento e, melhor, certeza na cura.

Um levantamento da OMNI Brasil, primeira instituição de treinamento de hipnoterapia com certificado ISO 9001 no país, apontou que 119 mil brasileiros já utilizaram a hipnose clínica como método de tratamento, e que mulheres procuram mais a técnica do que os homens. Hoje elas representam 62% dos que recorrem à hipnose para ajudar no tratamento de algum problema de saúde.

O que senti quando fui hipnotizado

Encarei 97 quilômetros entre meu apartamento, em São Paulo, até o consultório do psicólogo e hipnólogo Ton Lucas, em São José dos Campos (SP), com um objetivo: eu não queria pôr um ponto final neste texto sem saber, por experiência própria, qual a sensação ao ser hipnotizado.

Combinei com o Ton – que é também um divulgador da hipnose, e mantém um podcast chamado Catarse para falar da técnica – que faríamos uma sessão com finalidade terapêutica, e do tipo capaz de funcionar num único encontro. Então logo me lembrei de algo que me causa sofrimento psicológico: tenho repulsa por ralo sujo – sim, ralo de pia de cozinha, de box de banheiro…

E não é só um nojinho comum: sinto ânsias só de pensar num ralo sujo. Quando lavo louça, antes me demoro raspando com um garfo, no lixo, os restos de comida. Tudo para que nenhum grão vá parar no maldito buraco no centro da pia – o que me torna o lavador de louça mais lerdo do planeta.

Ton me explicou que, em uma única sessão, ele não me transformaria no melhor amigo de ralos. Mas que eu poderia, sim, perder algo do meu mal-estar.

O primeiro passo foi perguntar o grau de incômodo que eu sentia. E ele me mostrou fotos de ralos sujos no celular. Respondi que, numa escala de zero a dez, meu incômodo era algo em torno de… dez. Ok, aí começamos a sessão para valer.

Sentado numa poltrona confortável, ouvi as orientações de Ton para que eu relaxasse. Fechei os olhos e fui instruído a senti-los pesados, para então espalhar esse relaxamento pelo meu corpo todo. Me percebi, de fato, tão leve quanto nas vezes em que saio de uma sessão de massagem ou acupuntura.

Em seguida, ele pediu para que eu me visualizasse num lugar bonito e calmo, onde me sentisse totalmente seguro. Me imaginei deitado na grama de uma chácara onde passei alguns dias no ano passado: a grama muito verde, o céu azul, o som de uma cachoeira próxima. Ton me disse para que eu me concentrasse nas sensações de tranquilidade que esse lugar me trazia. E que, quando esse sentimento de paz estivesse bastante intenso, eu fechasse minha mão direita. “A partir de agora, essa mão, quando fechada, te levará diretamente para as sensações boas que esse lugar te traz.”

O próximo passo foi me imaginar chegando perto de um ralo sujo. O hipnólogo perguntou se, naquele estado de bem-estar que eu estava sentindo, o nível de incômodo havia diminuído. “Foi para sete”, respondi. Aí ele me disse para fechar a mão direita e pensar de novo no ralo sujo. E agora? “Cinco.”

Mantendo minha mão fechada, a sensação de repulsa foi diminuindo. Ton também usou, nessa fase, uma técnica de dessensibilização: primeiro me disse para imaginar que um arroz no ralo da pia era, na verdade, feito de plástico. Em seguida, que havia um arroz mesmo lá, mas estava seco. Até que, finalmente, visse um ralo cheio de comida molhada.

Disse-me, então, que colocasse essa visão do ralo sujo numa tela como as de TV e fosse descaracterizando essa imagem: tirasse as cores da comida, a nitidez do que eu via, e então fosse diminuindo a tela até não conseguir mais enxergá-la. “Pensa de novo na imagem de um ralo sujo, qual o grau de incômodo agora?”, perguntou o hipnólogo. “Zero”, respondi.

Satisfeito, ele me pediu para abrir os olhos e ver, na tela do seu celular, diversas imagens de ralos imundos. Eu não virei a cara, não senti ânsia… nada. Funcionou. E agora tenho conseguido olhar para os ralos do meu apartamento.

E o tal do transe? Em nenhum momento fiquei sem controle sobre os meus atos. Sabia onde estava, o que ia acontecendo, e fui colaborando conscientemente com as sugestões.

Ou seja: nada diferente de uma boa sessão de terapia. Terapia, todos sabemos que funciona. E agora, cada vez mais, não faltam indícios de que a hipnose pode ser uma ótima aliada na luta contra as armadilhas da mente.

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