Médico que passa confiança a paciente ajuda placebo a funcionar
Você acha seu médico legal? Competente? Só isso já pode ajudar na recuperação, independente do perfil profissional
Já ouviu falar no efeito placebo? É uma reação bastante estranha do corpo, a melhora de um quadro de doença depois que o enfermo toma um remédio falso (comprimido de açúcar, pílula de farinha) acreditando que está sendo medicado para valer. Agora, um novo estudo investigou como a personalidade do médico e sua relação com o paciente contribuem para esse fenômeno.
O placebo já é conhecido há anos e faz até parte do teste padrão de remédios. Você dá uma substância química para um grupo, e um comprimido idêntico, mas vazio, para outro. Se o efeito do seu medicamento trouxer resultados melhores que o placebo, ele é promissor.
O doido mesmo é que, dentro desse grupo que toma a pílula sem princípio ativo nenhum, cerca de 40% dos pacientes começam a apresentar sinais de recuperação. Não só se sentem melhor, como também têm redução efetiva dos sintomas. Ainda não entendemos exatamente como o corpo promove essa recuperação, mas já identificamos, por exemplo, a principal área do cérebro ativada nessa situação.
Os relatos médicos sobre recuperações surpreendentes com placebo costumam citar a atenção de profissionais de saúde e a sensação de estar amparado pelos médicos (e pelo remédio) como fatores que poderiam contribuir para a melhora do quadro. Sempre fez sentido, mas agora um estudo da Universidade de Stanford tem números para comprovar.
O experimento selecionou 164 voluntários, que achavam estar participando de uma pesquisa sobre comida. Logo que entraram no laboratório, uma médica dizia que ia aplicar um teste de alergia.
O que ela fazia era dar uma injeção de histamina, para provocar uma reação alérgica na pele. Depois, ela aplicava um creme sobre a alergia, que era completamente inerte, sem princípio ativo nenhum.
Aí começava a parte do efeito placebo. Como o fenômeno tem muito a ver com a expectativa que o paciente tem sobre o tratamento, para metade dos participantes a médica dizia que o creme melhoraria a alergia. Para a outra metade, que a reação ia piorar (imagine o pânico dos voluntários).
Além disso, a médica também tratava voluntários de forma diferente. Alguns eram recebidos em um consultório limpo, organizado e tinham uma conversa com a médica em que ela usava termos eloquentes e olhava nos olhos enquanto falava. Outro, o contrário: a profissional era confusa e desorganizada.
O último fator que variava era a simpatia do atendimento. Alguns voluntários eram atendidos com a maior consideração: a médica perguntava o nome deles e se apresentava. Para outros, ela era indiferente, distante e apressada.
Você já deve ter conhecido todos esses perfis de profissionais. O que é realmente surpreendente é que o tipo de atendimento mudava o tamanho da reação alérgica que cada paciente demonstrava.
Quem recebeu o “atendimento de ouro” (expectativa positiva, médico atencioso e competente) tinha o menor tamanho de reação alérgica, o que indica que a pomada de mentira funcionava melhor quando prescrita por um médico legal e confiável.
O fator expectativa ainda era o mais importante: acreditar que o tratamento não ia funcionar resultava em uma reação alérgica maior, por melhor que fosse o médico. Mas ter um médico aparentemente incompetente, desleixado e nem aí dava na mesma — por mais que ele insistisse que o creme funcionava, as outras características reduziam o efeito do placebo.
Para os pesquisadores, o experimento traz uma razão bastante convincente para que os médicos prestem mais atenção ao fator psicológico e à relação que é estabelecida nas consultas. Mas o principal é que a pesquisa mostra que o efeito placebo não é tão imprevisível e misterioso quanto costumávamos pensar — no fim das contas, é mais uma questão social de cuidado e amparo, com consequências muito diretas para a saúde do paciente.