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O futuro da Covid

A Ômicron reacendeu a pandemia. Mas vem aí uma nova geração de vacinas e medicamentos antivirais para combatê-la. Veja como eles prometem mudar o jogo – e até onde as variantes podem ir.

Por Bruno Garattoni (colaborou Tiago Cordeiro)
18 fev 2022, 07h04

NNão era para ser assim. Quando tudo começou, as previsões mais realistas diziam que a pandemia estaria mais ou menos resolvida até meados de 2021, com a vacinação em massa. O Sars-CoV-2 já estava sofrendo mutações, mas lentamente (mérito da nsp14, proteína que funciona como uma espécie de “corretor”, reduzindo a quantidade de alterações genéticas na replicação do vírus). Mesmo assim, uma hora ele começou a evoluir mais rápido, e aí vieram as variantes. As vacinas continuaram funcionando, a situação começou a ser controlada, a vida deu sinais de que poderia voltar ao normal. Então o mundo foi surpreendido pela Ômicron, absurdamente mais contagiosa – a ponto de a OMS prever que, mesmo com vacinas, máscaras e demais medidas, 50% da população da Europa será infectada até o começo de março, e a médica Janet Woodcock, diretora da FDA (a Anvisa dos EUA), ter dito que “a maioria das pessoas vai pegar Covid”.

Se no início da pandemia alguém projetasse um cenário desses, seria tachado de delirante. É importante lembrar disso ao tentar prever o que vai acontecer daqui para a frente. Você deve ter visto por aí a ideia de que a Ômicron pode significar o fim da pandemia (porque se ela contaminar a maioria da população, o vírus não terá mais quem infectar). Pode até ser. Mas talvez essa previsão se revele tão ingênua quanto aquele roteiro inicial previsto em 2020. Enquanto o vírus continuar circulando e infectando muita gente, sempre poderá surgir uma nova variante capaz de mudar o jogo. Ao mesmo tempo, já é possível enxergar um caminho mais concreto para o futuro da pandemia – que começa na quarta dose da vacina. Sim, ela vem aí; e será diferente das atuais.

A evolução da imunidade

As mutações do coronavírus começaram a se tornar um problema com a variante Delta, cuja transmissão as vacinas não conseguiam mais impedir. A solução foi partir para uma terceira dose – com isso, elas voltaram a oferecer mais de 90% de eficácia contra infecção. Ótimo. Pena que a Ômicron acabou com isso. Contra ela, as três doses oferecem bem menos proteção contra o contágio: 67,3%.

Foi o que constatou o Centers for Disease Control (CDC) americano em um estudo com 70 mil pessoas (1). 67% é um número até razoável (e, vale lembrar, a terceira dose da vacina reduz em 90% o risco de Covid grave (2)), mas não será suficiente para frear a circulação do coronavírus – inclusive porque a proteção contra contágio diminui com o tempo, conforme os níveis de anticorpos no sangue vão caindo, e porque esses dois estudos só consideraram as vacinas de RNA (Pfizer e Moderna, que têm maior eficácia e são as mais usadas nos EUA, mas não no resto do mundo).

Então veio a ideia de uma quarta dose. Israel saiu na frente: em dezembro, começou a aplicá-la em todas as pessoas que tivessem mais de 60 anos, algum comprometimento do sistema imunológico ou fossem profissionais de saúde. Não deu o resultado esperado. Uma análise feita no Sheba Medical Center, em Tel Aviv, revelou que a quarta dose da vacina Pfizer eleva em 5 vezes o nível de anticorpos.

Jogo de espelhos com ampolas representando a quarta dose contra Covid.
Pfizer e Moderna já desenvolveram vacinas adaptadas para a variante Ômicron. Elas poderão ser usadas após três doses do imunizante atual. Mas, no primeiro teste, a vacina da Moderna teve resultados decepcionantes. (Dulla/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

É menos do que a terceira (3), que gera um aumento de 8 a 25 vezes (dependendo de quais vacinas a pessoa tomou antes). Mas o maior problema é que ela não consegue impedir o contágio. “Nós vimos muitos infectados pela Ômicron entre os vacinados com a quarta dose”, declarou a epidemiologista Gili Regev-Yochay, coordenadora do estudo. “A conclusão é que a vacina é excelente contra as variantes Alfa e Delta, mas contra a [transmissão da] Ômicron ela não é suficiente”, afirmou.

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As vacinas continuam protegendo contra Covid severa; mas, mesmo com a quarta dose, não conseguem parar o vírus. Um dia após a divulgação dos dados de Israel, a European Medicines Agency anunciou que não irá liberar a quarta dose – no Brasil, o Ministério da Saúde também a descartou. Tirando certos públicos, como pessoas imunodeprimidas ou idosos que tomaram duas doses de Coronavac e uma Pfizer (e estariam mais bem protegidos com mais uma dose de Pfizer (4)), o ciclo das vacinas atuais parece estar no fim. Daqui para a frente, só com novos imunizantes.

A Pfizer e a Moderna já criaram vacinas adaptadas para a Ômicron e começaram seus respectivos estudos clínicos – o CEO da Pfizer, Albert Bourla, afirmou que seu imunizante pode estar pronto em março. Na prática, vai demorar bem mais até chegar ao seu braço. Se a vacina se mostrar segura e eficaz, a empresa poderá solicitar a aprovação aos órgãos regulatórios e começar a distribuí-la.

Mas, nos primeiros meses, certamente haverá uma disputa pelo novo imunizante – e as nações ricas devem acabar levando a melhor na compra das doses. Nem pense em pular a terceira dose atual, caso você ainda não tenha tomado, para ir direto à nova versão. Isso deixaria você desprotegido contra a Ômicron por um longo período.

A Pfizer vai testar seu novo imunizante em 1.420 pessoas, incluindo gente que já tomou duas ou três doses da vacina atual. Isso permitirá avaliar a segurança da quarta dose. Se ela causar efeitos colaterais novos ou piores, o estudo vai mostrar. Mas é pouco provável. “Efeitos adversos de maior gravidade existem, sim, mas são muito pouco frequentes, mesmo com a aplicação repetida de doses”, diz o imunologista Oscar Bruna-Romero, da UFSC. A razão é simples. Se a vacina for causar um efeito colateral mais sério em alguém, muito provavelmente já terá feito isso nas três primeiras doses.

Os estudos também irão verificar se as novas vacinas são afetadas por um fenômeno intrigante, inclusive no nome: o “pecado original antigênico”. Nesse processo, que foi descrito pela primeira vez na década de 1960 mas até hoje não é plenamente compreendido, o sistema imunológico fica “travado” na primeira versão de um determinado vírus. Depois, quando a pessoa é vacinada contra uma nova variante, o organismo não reage como esperado. Ele faz anticorpos contra o vírus antigo, ignorando o novo. Isso poderia comprometer a eficácia das vacinas contra a Ômicron.

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Com alguns vírus, como o influenza (da gripe), o pecado original antigênico não existe: desenvolvemos novas vacinas contra ele todos os anos, e o corpo responde corretamente. Mas esse fenômeno se manifesta com o DENV, que causa a dengue (5) (e acabou reduzindo bastante a eficácia da vacina contra essa doença). Com o Sars-CoV-2, a ciência vai descobrir agora. Mas o primeiro sinal não foi bom.

Um estudo do National Institutes of Health, do governo americano, comparou a nova vacina da Moderna (que se chama mRNA-Omicron) com sua versão “clássica”, a mRNA-1273, em oito macacos (6). Todos haviam recebido duas doses da vacina mRNA-1273 no ano passado. No estudo, metade deles tomou uma dose da nova mRNA-Omicron, e a outra metade recebeu um reforço com a vacina antiga mesmo. Duas semanas depois, os cientistas checaram os níveis de anticorpos no sangue dos macacos.

Resultado: os animais que receberam a terceira dose da vacina antiga tinham um pouco mais de anticorpos contra a Ômicron do que os outros, que receberam o novo imunizante. Portanto, conclui o estudo, a nova vacina “pode não fornecer maior imunidade ou proteção se comparada à atual mRNA-1273”. Ela falhou. E o motivo disso, dizem os autores, “provavelmente é o pecado original antigênico”.

O estudo foi em macacos, não em humanos (e só oito, um número pequeno). Também pode ser que a vacina da Pfizer, ao contrário da Moderna, consiga bons resultados. Mas trata-se de um mau presságio. Para frear a Ômicron, talvez precisemos de um tipo completamente novo de vacina: a nasal.

Quando você vai ao posto de saúde e toma a agulhada, a vacina é injetada num músculo do seu braço. Ela contém o Sars-CoV-2 inativado, a spike ou instruções genéticas para que o seu corpo fabrique essa proteína. Nos três casos, o que acontece depois é o mesmo: o corpo reconhece a presença do elemento estranho e o carrega até os nódulos linfáticos.

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Há centenas desses nódulos espalhados pelo corpo (inclusive na clavícula, pertinho do braço). São “bases militares” do sistema imunológico: neles há células B, que produzem anticorpos, e células T, que matam células infectadas por vírus. O invasor é levado até esses nódulos para que o corpo o analise e prepare uma defesa.

Alguns dias mais tarde, ela está pronta, e agora você tem células B e T e anticorpos adaptados para combater o vírus. Eles ficam circulando no sangue e nos fluidos do organismo – por isso, essa é a chamada imunidade humoral. É ela que, depois da vacinação, nos protege contra formas graves da Covid. Mas a imunidade humoral não é muito boa para impedir que você pegue o vírus.

Para evitar isso, só com outro tipo de imunidade, a mucosal. “Nela, os anticorpos são diferentes dos que circulam no nosso sangue”, explica o imunologista Wesley Fotoran, do Instituto Butantan. A imunidade humoral é formada pelos anticorpos IgG e IgM (imunoglobulinas G e M). Já a defesa das mucosas emprega outro tipo, o IgA.

Quadro mostrando as diferenças entre vacina humoral e mucosal.
Clique na imagem para ampliar. (Bruno Garattoni/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

As vacinas injetáveis não são boas em fomentar a imunidade mucosal. É por isso que você pode estar vacinado, protegido contra doença severa, e mesmo assim ter um caso leve ou assintomático de Covid: o sistema imunológico evita que o vírus se multiplique nos pulmões, mas não o impede de penetrar na mucosa do nariz – e se replicar ali, de onde ele pode ser transmitido para outras pessoas, alimentando a pandemia.

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Para conseguir a imunidade mucosal, a única solução realmente eficaz é aplicar o imunizante direto no nariz, em spray. Você não deve ter ouvido falar delas, mas há uma corrida pelo desenvolvimento de vacinas nasais contra o Sars-CoV-2: as universidades Yale, Stanford, Oxford, Houston e Washington, a empresa chinesa CanSino Biologics e a indiana Bharat Biotech, o Instituto Pasteur, na França, o governo russo e o National Institutes of Health americano estão desenvolvendo e testando imunizantes do tipo.

Não parece tão difícil. É só pegar a mesma vacina, alterar um pouco a fórmula e produzir uma versão em spray, certo? Mais ou menos. A questão é que, em situações normais, o muco e as enzimas do nariz costumam encharcar, degradar e remover rapidamente as partículas que chegam pelo ar. É uma defesa essencial do organismo – mas também pode atrapalhar as vacinas.

Para fazer uma versão nasal da vacina da Pfizer, por exemplo, seria preciso redesenhar as nanopartículas de lipídeos (LNPs) que carregam o RNA mensageiro para dentro do corpo. E isso não é simples: testes em ratos indicaram que LNPs podem provocar efeitos colaterais sérios, com forte inflamação do pulmão (7), se forem inaladas. Por isso, é pouco provável que as vacinas de RNA ganhem versão nasal.

Até hoje, apenas uma vacina nasal foi aprovada para uso em humanos: a FluMist, contra a gripe comum. Ela foi inventada em 2003 pelo laboratório americano MedImmune, e tem sido usada nos EUA desde então. É feita com vírus influenza “vivo”, mas atenuado. Essa é uma característica comum a todas as vacinas mucosais, tanto a FluMist nasal quanto as orais (como a vacina da poliomielite, que tomamos em gotas). Elas sempre têm vírus de verdade, só que enfraquecido. É o melhor jeito de gerar uma resposta imunológica.

Mas pode ser um problema no caso do Sars-CoV-2. Para empregar essa mesma técnica agora, seria preciso desenvolver uma versão enfraquecida, porém “viva”, do coronavírus. É algo completamente diferente das vacinas atuais (elas usam Sars-CoV-2 inativado, “morto”, ou o vírus ChAdOx-1, que causa resfriados em chimpanzés e é inofensivo para humanos). Criar um vírus enfraquecido é um processo longo, pois ele tem de ser muito bem testado para garantir que não há o mínimo risco de “reversão viral” (em que o patógeno readquire a força original após entrar no organismo). Sabe quando você ouve falar que, antes da pandemia, a criação de uma vacina levava em média 10 anos? Era por causa disso.

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Jogo de espelhos com vacina nasal sendo aplicada.
As vacinas injetáveis são excelentes para evitar Covid severa. Mas, para impedir a transmissão do vírus, talvez a única saída sejam as vacinas em spray – que agem diretamente na mucosa nasal. (Dulla/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

Mesmo com todos esses desafios, dois imunizantes nasais já estão em testes avançados. Um deles é baseado na vacina da AstraZeneca, já foi aplicado em hamsters e macacos pelo National Institutes of Health, e está sendo testado em humanos pela Universidade de Oxford. O outro foi criado pela Bharat Biotech, e em fevereiro começou a última fase de testes em humanos.

Ambos são feitos com vetor viral: um adenovírus de chimpanzé acoplado à proteína spike do Sars-CoV-2. Trata-se de um vírus “vivo”, que em tese consegue penetrar bem na mucosa do nariz. E ele é editado geneticamente para ser incapaz de se replicar – o que elimina o risco de reversão viral.

Você deve estar pensando: quando/se uma vacina nasal for liberada, a Ômicron já estará superada. Afinal, a maioria das pessoas já terá pegado a variante e criado algum grau de imunidade a ela, certo? Talvez não. “Os vírus se espalham em ondas, não afetam toda a população [de uma vez]”, explica o epidemiologista Paulo Petry, da UFRGS.

Conforme mais e mais gente é contaminada, ele passa a ter dificuldade em encontrar novas vítimas. Porém, a maioria da sociedade ainda não foi infectada. Algum tempo depois, quando o número de casos cai e as pessoas retomam a rotina (voltam a viajar, se mudar, ir a restaurantes e escritórios etc.), o vírus novamente tem acesso a indivíduos suscetíveis – e surge uma nova onda de contágio. Isso pode acontecer com a Ômicron. E, mesmo se ela arrefecer sozinha, é provável que surjam novas variantes – e só com uma vacina nasal será possível impedir totalmente a circulação delas.

A pandemia deve continuar conosco ainda por um bom tempo. Mas isso não significa que ela voltará aos piores momentos de 2020 e 2021, por duas razões. A primeira é a popularização das máscaras do tipo N95/PFF2, as únicas que realmente protegem. O governo dos EUA anunciou que irá distribuir 400 milhões de unidades para sua população, e vários países europeus começaram a exigir esse tipo em locais fechados.

No Brasil, a maioria das pessoas ainda usa máscara de pano ou cirúrgica, muito menos seguras (como são abertas dos lados, as cirúgicas filtram apenas 38,5% das partículas (8); as de pano, 26%). Se todo mundo usar N95, a circulação do vírus será drasticamente reduzida [veja no quadro abaixo como escolher e usar uma].

Thumb de link para infográfico sobre as camadas da máscara N95.
Clique para abrir o infográfico. (Dulla/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

O outro motivo é a chegada de dois medicamentos contra o Sars-CoV-2, que impedem a piora da doença e poderão ser tomados em casa, mediante receita médica. Funcionam como complemento às vacinas – e são usados logo no começo da infecção, por cinco dias.

O primeiro foi o molnupiravir (Lagevrio), do laboratório MSD. Ele já foi liberado nos EUA e está em análise na Anvisa (o fabricante negocia com a Fiocruz a produção no Brasil). Seu mecanismo de ação é interessante: a droga “se enfia” no código genético do Sars-CoV-2, gerando uma onda de erros que impede a replicação do vírus. Testes in vitro revelaram que ela funciona contra todas as variantes, Ômicron inclusive.

Mas, como ela age provocando alterações genéticas, alguns cientistas – incluindo conselheiros da FDA – manifestaram dois receios (9): o de que o medicamento possa ser mutagênico (introduzindo erros no código genético humano) ou acabe gerando novas variantes do Sars-CoV-2. O laboratório nega ambos os riscos; mas, por precaução, o remédio não pode ser tomado por grávidas.

No fim das contas, o grande porém do molnupiravir acaba sendo a baixa eficácia. Os primeiros testes apontaram 50% de proteção contra Covid grave, mas ela acabou caindo para 30%.   

Esse problema não afeta a segunda droga: o nirmatrelvir (Paxlovid), que foi desenvolvido pela Pfizer e reduz em 89% o risco de hospitalização por Covid. Ele funciona de uma maneira totalmente diferente. Quando o coronavírus invade uma célula humana e começa a se replicar, suas cópias “nascem” na forma de uma poliproteína: uma cadeia contendo todo o material genético do Sars-CoV-2. Para que ela se transforme em um novo vírion (unidade do vírus), precisa ser cortada em pedaços. Isso é feito por uma enzima picotadora de proteínas, a protease, que o próprio vírus traz consigo. O Paxlovid neutraliza essa enzima, impedindo a replicação do vírus. Ele já foi liberado nos EUA e na Europa, e está sendo analisado pela Anvisa.

O Paxlovid ainda é escasso, inclusive nos EUA. A Pfizer espera fabricar doses suficientes para tratar 120 milhões de pessoas (sendo 20 milhões nos EUA). Talvez seja pouco para frear a pandemia. Mas a empresa cedeu a patente do remédio para a ONU – e uma versão genérica dele poderá ser fabricada e vendida em 95 países (o Brasil não faz parte da lista). Quando/se o medicamento estiver amplamente disponível, poderá mudar a pandemia: mesmo se houver novas ondas de casos, o número de hospitalizações e mortes não irá disparar.   

O remédio da Pfizer não é uma panaceia: com o tempo, o Sars-CoV-2 poderá modificar sua protease e desenvolver resistência a ele. Esse tipo de mutação não é tão trivial quanto as alterações na proteína spike, com as quais o coronavírus dribla as vacinas, mas pode acontecer. Existe uma estratégia para evitar isso: tratar o paciente com dois inibidores de protease ao mesmo tempo (como é feito no “coquetel” de medicamentos anti-HIV).

O problema é que, por enquanto, só existe um – o próprio medicamento da Pfizer. O Paxlovid até contém um segundo inibidor, o ritonavir, mas ele não age contra o vírus (só está na fórmula porque prolonga ação do nirmatrelvir). Ou seja: a droga pode começar funcionando bem, mas eventualmente levar um drible do vírus.

Jogo de espelhos com pílulas.
O molnupiravir, do laboratório MSD, e o Paxlovid, da Pfizer, são os primeiros medicamentos capazes de mudar o rumo da pandemia: poderão ser tomados em casa logo nos primeiros sintomas, evitando que a Covid piore. Mas um deles é bem mais eficaz que o outro. (Dulla/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

Então novas variantes vão continuar aparecendo, e seremos acossados por elas o resto das nossas vidas? Não necessariamente. “A taxa de mutação depende diretamente do tamanho da população viral, ou seja, o número de pessoas infectadas”, diz a geneticista Carolina Voloch, da UFRJ. Se a pandemia for contida (com vacinas, remédios e máscaras), as mutações vão desacelerar.

O coronavírus tem uma carta na manga contra isso. Um estudo da Imperial College London revelou que a Ômicron é a primeira variante capaz de se conectar aos receptores celulares ACE2 dos frangos (10). Isso não significa que ela de fato consiga contaminar esses animais (só testando na prática para saber). A questão é que existem 23 bilhões de frangos no mundo. Se o vírus começar a infectá-los, as fazendas poderão se tornar megausinas de variantes.

Mas a humanidade já prepara a resposta: uma vacina universal, eficaz contra todos os coronavírus. Cientistas de quatro universidades americanas e do Exército dos EUA estão tentando criá-la. Um dos protótipos, desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia, é feito com uma nanopartícula que carrega fragmentos de oito coronavírus. Foi testada em ratos – e gerou anticorpos até contra variantes que nem estavam presentes na vacina (11). Essa “imunidade cruzada” talvez possa servir de defesa preventiva contra futuras mutações do vírus. Mas a vacina universal ainda deve demorar alguns anos.

Não vamos varrer o coronavírus do mapa tão cedo. Mas podemos controlá-lo. “O mais esperado é ter ondas epidêmicas esporádicas, como acontece com o influenza”, afirma a epidemiologista Maria da Glória Teixeira, da UFBA. “Há quem diga que a gripe espanhola não acabou em 1919”, acrescenta. Ela pode estar conosco até hoje; mas nem percebemos, pois nos tornamos parcialmente imunes. O conflito entre humanos e vírus é um processo eterno, nunca irá terminar – porque ele não é só uma guerra, feita de doenças e morte. Também é a força motriz de um processo essencial, sem o qual a humanidade sequer existiria: a evolução genética.

Jogo de espelhos mostrando roleta de cassino com símbolo de animais.
O Sars-CoV-2 é capaz de infectar várias espécies de animais. Mas a variante Ômicron foi a primeira que conseguiu se conectar aos receptores celulares dos frangos. Se ela contaminar esses animais na vida real, as fazendas poderão se tornar grandes usinas de variantes. (Dulla/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

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Fontes

(1) Association Between 3 Doses of mRNA COVID-19 Vaccine and Symptomatic Infection Caused by the SARS-CoV-2 Omicron and Delta Variants. E Accorsi e outros, Centers for Disease Control (CDC), 2022. (2) Effectiveness of a third dose of mRNA vaccines against COVID-19 associated emergency department and urgent care encounters and hospitalizations during periods of Delta and Omicron variant predominance. M Thompson e outros, 2022.

(3) Safety and immunogenicity of seven COVID-19 vaccines as a third dose (booster). APS Munro e outros, 2021. (4) Immunogenicity of heterologous BNT162b2 booster in fully vaccinated individuals with CoronaVac against SARS-CoV-2 variants Delta and Omicron: the Dominican Republic Experience. A Iwasaki e outros, 2021.

(5) Immunity to dengue virus: a tale of original antigenic sin and tropical cytokine storms. A L Rothman, 2011. (6) mRNA-1273 or mRNA-Omicron boost in vaccinated macaques elicits comparable B cell expansion, neutralizing antibodies and protection against Omicron. M Gagne e outros, 2022.

(7) The mRNA-LNP platform’s lipid nanoparticle component used in preclinical vaccine studies is highly inflammatory. S Ndeupen e outros, 2021. (8) Evaluation of Cloth Masks and Modified Procedure Masks as Personal Protective Equipment for the Public During the COVID-19 Pandemic. PW Clapp e outros, 2020.

(9) Covid-19: FDA expert panel recommends authorising molnupiravir but also voices concerns. British Medical Journal, 2/12/2021.  (10) The SARS-CoV-2 variant, Omicron, shows rapid replication in human primary nasal epithelial cultures and efficiently uses the endosomal route of entry. T Peacock e outros, 2021.

(11)Mosaic nanoparticles elicit cross-reactive immune responses to zoonotic coronaviruses in mice. P Bjorkman e outros, 2021.

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