Impotência: quando a máquina dá pau
Era para ser apenas um problema no mecanismo de acúmulo e retenção de sangue no pênis. Mas a história da humanidade a transformou em um problema social.
Era para ser apenas um problema no mecanismo de acúmulo e retenção de sangue no pênis. Mas a história da humanidade transformou a impotência em um enorme problema social. Viaje pelo lado mais mole da natureza masculina e confira por que o futuro promete ser bem menos broxante.
O mecanismo é simples. A lógica é linear. Tudo nasce com um estímulo – visual, tátil, olfativo, escolha o seu. Os neurônios do cérebro interpretam a mensagem e disparam uma resposta. Neurotransmissores pulam de sinapse em sinapse com a missão de contar ao pênis a boa-nova, às vezes nem tão boa, às vezes nem tão nova. Os cilindros esponjosos responsáveis pelo espetáculo do crescimento entendem o recado. Relaxam a musculatura e dilatam suas artérias. O sangue inunda as estruturas porosas, as veias ao redor são pressionadas, o líquido é retido no local. É a ereção.
Princípios de hidráulica e bioquímica explicam o, como diz o Aurélio, “levantamento do pênis em conseqüência de acúmulo de sangue em seu tecido erétil”. Coisa de máquina – e como todo maquinário, sujeito a falhas. Algumas físicas (endurecimento das artérias, problemas cardíacos ou colesterol elevado), outras psicológicas (como no dia em que a ansiedade bateu de frente e abreviou a festinha). Com uma big diferença: nenhum homem reage a uma broxada como se fosse uma falha mecânica. Bem longe disso: episódios de disfunção erétil costumam ser associados a noções culturais. Impotência. Fracasso. Falta de masculinidade. Pronto: a falha fisiológica virou um problema social, devastador não apenas para o gênero masculino – quantas vezes não são as mulheres que se culpam pelo sono em berço esplêndido do impávido colosso?
A broxada é pop. A indesejada flacidez do pênis na hora H foi debatida por todos os povos em todas as épocas. Mas nem sempre a falha foi considerada um estigma de incapacidade. No livro Impotence: A Cultural History (“Impotência: Uma História Cultural”, ainda sem tradução para o português), o canadense Angus McLaren, professor de história e especialista em sexualidade e medicina da Universidade de Victoria, afirma que a definição de impotência é mais complexa do que se pensa. Trata-se de um conceito histórico – depende das circunstâncias, da cultura da época e dos padrões de desempenho masculino. Falar de broxada, portanto, é caminhar pela história humana.
O falo fala
Se pudéssemos voltar aos primórdios da civilização, desembarcaríamos em uma época em que a mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida trombava nos 20 anos, quando muito. Ter uma penca de filhos era uma estratégia de sobrevivência familiar – representava uma chance maior de algum descendente alcançar a vida adulta e dar continuidade à família. O maior terror do homem não era broxar uma ou outra vez, mas ser estéril. Se um “velhinho” de 30 anos fosse incapaz de ter ereção depois de ter vários filhos, beleza, não tinha importância.
Um pulo à Antiguidade clássica revela uma situação bem diferente. Para os gregos, o casamento era apenas um contrato, e os filhos poderiam ser adotados se houvesse problema na reprodução. Quando a necessidade de uma descendência numerosa deixou de ser obrigação, o monstro mudou de cara. Foi provavelmente a partir do século 6 a.C. que o medo da disfunção erétil, como os médicos chamam o problema, virou o inimigo a ser combatido. Os gregos, liberais quando o assunto era sexo (eram comuns o adultério e a promiscuidade), costumavam rir de quem “navegasse sem remo”. Na Roma antiga, o poeta Catulo (84 – 54 a.C.) referia-se com carinho a seu “pardal morto”, o órgão hoje apelidado de pinto ou peru, para ficar no reino animal.
As metáforas da época deixam claro que o pênis estava associado ao poder. Para os povos guerreiros da Antiguidade, sexo significava penetração – no homem ou na mulher. Em sociedades como a grega e a romana, em que os membros da elite podiam usufruir de quem quisessem, o pênis era a viga de sustentação da transa. Não havia problema na cama desde que o homem dominasse seus parceiros. A mulher assumia um papel coadjuvante. O homem freqüentemente era bissexual – só importava que ele fosse ativo, com a espada pronta para lutar o bom combate.
Quem sentisse “fraquezas” podia se valer de afrodisíacos, palavra que remete à deusa grega do amor, Afrodite. O historiador romano Plínio (23-79 d.C.) chegou a enumerar as receitas mais populares para restaurar o apetite sexual: folhas de mandrágora, alho triturado com coentro fresco ou água da fervura do aspargo. Se esses remédios falhassem, o jeito era apelar para pratos mais pesados: genitália de bodes e galos ou focinho e patas de lagarto com vinho branco, sementes de rúcula e satirião, uma orquídea. Hoje, sabe-se que os efeitos desse banquete são muito mais psicológicos do que físicos. O máximo que esse coquetel de estimulantes faz é acelerar a circulação, aumentando a intensidade de percepção das sensações físicas.
Culpa na cama
Novo salto no tempo, novas mudanças. No medievalismo cristão, o homem de verdade voltou a ser aquele que tinha muitos filhos. Sexo só era admitido para procriação e o autocontrole – algo inimaginável para os antigos gregos e romanos – era incentivado como uma qualidade do bom cristão. E assim, se na cultura antiga o falo ereto era um sinal de poder, no início da Idade Média virou um símbolo do pecado original. Quando o bichão se recusava a dar sinal de vida, a culpa era do Diabo. Acreditava-se que feiticeiras com pacto com o demônio tinham o poder de lançar maldições sobre a vítima: aparecer como uma amante fantasma, esfriar o desejo sexual, tornar a parceira repugnante e tampar o duto seminal para impedir a ejaculação. O antídoto era mandar diretamente para a fogueira a feiticeira que havia amaldiçoado o órgão. Também ajudava consumir iguarias que provocassem flatulência – acreditava-se que a ereção era impulsionada pelo gás abdominal.
Tudo isso vigorou até o século 18, quando se começou a falar de impotência como doença curável com o uso de tônicos e bálsamos. Outra possibilidade de cura era a aplicação de eletricidade (ai!) no órgão combalido. Era o começo, ainda incipiente, do que viria a ser o tratamento médico do problema. O front psicológico, porém, experimentava poucos avanços. Embora a Igreja não controlasse mais tanto a vida das pessoas, homens eram levados a acreditar que um pênis eternamente flácido era resultado de abusos na juventude. Era a época de um sucesso de vendas, o livro Onania, publicado em 1712 pelo cirurgião John Marten. O subtítulo da obra é tão avantajado quanto esclarecedor: O Horrendo Pecado da Autopolução e Todas as Assustadoras Conseqüências em Ambos os Sexos, com Aconselhamento Espiritual e Físico para Aqueles Que Já Se Machucaram por Causa Dessa Prática Abominável. A bola da vez passava a ser a masturbação, responsabilizada por toda a desgraça física e moral da humanidade, do câncer à esquizofrenia, da fadiga crônica à, é claro, impotência.
A coisa ficou mais dura (ok, mais mole) quando as concepções artísticas e filosóficas do romantismo ganharam espaço na Europa do século 19, associando a culpa pelo sexo solitário ao culto à santidade da mulher e à idealização do casamento. Provavelmente o exemplo mais pitoresco é o do escritor inglês John Ruskin (1819-1900), que teria proposto à esposa que esperassem 5 anos antes de ter relações. Ela acabou não aceitando, alegando que o marido ficou chocado porque o corpo feminino era diferente do que ele havia imaginado. Crítico de arte acostumado a admirar a beleza das estátuas gregas, Ruskin teria se escandalizado com o fato de a mulher real ter pêlos púbicos e aí… isso mesmo, broxava. O ideal romântico e a vida real se confundiam também na cabeça de um paciente impotente descrito por um médico americano. Segundo seu depoimento, “a esposa era muito boa, muito delicada para um mero animal como ele… era impossível dessacralizar seu lindo corpo com um ato tão vil”.
Freud excita
Veio o século 20 e com ele os estudos de Sigmund Freud (1856-1939), defendendo que a impotência resultava da inabilidade individual de conciliar os ímpetos primitivos (os desejos sexuais) com as convenções sociais e a realidade. Outros sexólogos deixaram como herança a certeza de que problemas como ansiedade e repressão eram as causas tanto da falha masculina quanto da frigidez feminina. Nem todos, entretanto, se renderam à “cura pela palavra” proposta pela psicanálise. O século 20 foi também palco de experiências que prometiam erguer o pênis na faca. O ícone dessa vertente foi o médico russo Serge Voronoff (1866-1951), para quem a baixa concentração de testosterona (o principal hormônio sexual masculino, produzido pelos testículos) poderia causar impotência ao diminuir a libido. Como solução, Serge propunha inserir uma fatia do testículo de um “doador” (um prisioneiro ou até mesmo um macaco) no escroto do receptor, com a esperança de que ocorreria uma fusão com o tecido preexistente.
Depois de centenas de operações frustradas, foi ficando claro que o tratamento não funcionava. Ao contrário: foram constatadas infecções, choques circulatórios e muitas complicações resultantes de rejeição imunológica. O ataque cirúrgico à impotência, porém, sobrevive até hoje na forma das próteses. Os modelos mais usados nada mais são do que hastes infláveis de silicone implantadas nos corpos cavernosos do pênis. Na hora H, elas são preenchidas ou por um líquido, que vem de um reservatório no interior do abdome, ou pelo ar, por meio de uma bomba dentro do saco escrotal, que permite ao proprietário controlar a ereção.
Felizmente, a frente medicinal menos invasiva também avançou. Em 1998, o mundo recebeu com alívio o Viagra, a primeira pílula contra a impotência masculina. Ele reinou sozinho até 2001, quando foi lançado o Uprima, seguido pelo Cialis e pelo Levitra. Todos atuam potencializando o mecanismo que provoca o relaxamento da musculatura dos corpos cavernosos do pênis, aumentando o influxo de sangue e mantendo a ereção firme e prolongada.
Agora que estamos nos finalmentes, vale a pena relembrar uma frase do início do texto: “tudo nasce com um estímulo”. Só depois do incentivo erótico é que o cérebro envia para o pênis, por meio dos nervos da espinha dorsal, as mensagens químicas que possibilitam a ereção. Sobre o tal estímulo não há remédio que atue: ele vem da nossa relação com as pessoas que vivem no mundo. Isso quer dizer que a ereção pode até ser uma máquina – mas nós não somos. Mais complicado? Sem dúvida. Mas, se não fosse assim, provavelmente a vida seria, digamos, meio broxante.