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A história secreta do Ano-Novo

Entenda como os instintos humanos deram origem ao Réveillon

Por Alexandre Versignassi e Rodrigo Rezende
Atualizado em 28 dez 2022, 14h37 - Publicado em 9 jan 2011, 22h00

Texto originalmente publicado pela Super em 2011 

AA sensação é poderosa. No dia 31 de dezembro, você sabe que um ano zero-quilômetro vai tomar o lugar do velho, que já deu tudo o que tinha que dar. Hora de todo mundo se reunir para ver fogos no céu, fazer oferenda para Iemanjá, pular 7 ondinhas e abraçar qualquer estranho que estiver por perto. É a maior festa da humanidade. A grande celebração ao ciclo da vida, que agora recomeça.

Mas espera um pouco. Que ciclo? Que recomeço? A geometria da vida é implacavelmente reta: você fica mais velho a cada virada de ano e pronto. Não acontece nada de sobrenatural na meia-noite do dia 1º. Concorda? Se você pensou “concordo”, provavelmente está mentindo. Para si mesmo, até. A ilusão de que as viradas de ano significam algo – algo grande e bom – é universal. E é graças a ela que você está aqui, vivo.

Arma secreta

Isso porque cada um de nós descende de alguém que sobreviveu à maior crise econômica da história. A única que teve potencial para riscar a humanidade da face da Terra. Ela aconteceu há milhares de anos, quando a única coisa que nós conhecíamos como trabalho era caçar.

Às vésperas de 11000 a.C., o modo de vida dos caçadores estava no auge. O homem, àquela altura, tinha uma arma com a qual nenhum outro predador contava: a religião. Não exatamente aquilo que vem à nossa cabeça quando pensamos em religião, mas algo realmente abstrato: a ideia de acreditar que existe alguma coisa maior, além da vida. Isso é um instinto básico da nossa mente. E por ser algo comum a todos ele tornava as tribos mais coesas em torno dos ritos espirituais e divindidades que cada uma criava.

Agora, unidos, cada vez mais numerosos e habilidosos, os Homo sapiens tinham virado os maiores predadores que a Terra já vira. Era um momento de euforia. Só que, como toda euforia, essa também era irracional.

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Um ciclo eterno

A caça indiscriminada tinha diminuído a quantidade de animais selvagens disponíveis por aí. Para piorar, um mini aquecimento global fez rarear presas das boas, como bisões e mamutes (nota: daquela vez o aquecimento não foi culpa nossa, era só o fim de mais uma Era Glacial). O ponto é que a escassez de proteína animal colocou em xeque o modo de vida dos nossos avós caçadores.

Isso não aconteceu de uma tacada só no planeta todo, note bem. Naqueles dias, a vida era em tribos de 100, 150 pessoas que, quando entravam em contato umas com as outras, era para guerrear. Cada uma viveu uma escassez a seu tempo. E foi mais de uma. Só que, olhando daqui de longe, a junção desses problemas esparsos pode ser vista como uma grande crise global.

Mas e para sair dessa crise? Bom, a solução foi parecida com a de hoje. O que os Bancos Centrais fizeram para aplacar a crise global que começou em 2008 foi imprimir dinheiro (tanto lá fora como no Brasil). Em 11000 a.C. decidiram imprimir outra coisa: comida. Na terra. Cultivar sementes e esperá-las crescer era o jeito de conseguir as calorias que a caça não dava mais.

Só que aí veio uma surpresa: essa técnica, a agricultura, permitia sustentar de 10 a 100 vezes mais pessoas no mesmo espaço físico. Os que optaram por esse caminho cresceram e se multiplicaram. Mas eles só conseguiram isso porque inventaram um novo deus: o calendário.

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Santo calendário

No culto da passagem dos dias esperando as sementes darem fruto, a humanidade descobriu um ótimo método para saber as épocas certas de plantar: observar a posição das estrelas e a trajetória do Sol ao longo do ano.

Fazer a leitura do céu era tão essencial para a agricultura que povos de todos os cantos do mundo aprenderam isso cedo ou tarde. E assim dominaram algo que parecia sobrenatural: os ciclos do tempo. Mas pragmatismo científico nunca foi o nosso forte como espécie. E é por isso que o céu foi tratado como divindade. Só o fato de você saber seu signo já se trata de uma herança dessa época – as 12 constelações do zodíaco são nada mais que os conjuntos de estrelas mais usados para marcar as estações do ano.

É esse mesmo impulso de divinizar as coisas que levou à felicidade instintiva de se entregar a rituais como pular 7 ondas. É esse impulso que faz a vida parecer feita de ciclos. As colheitas é que são de fato cíclicas. Ao divinizá-las, nossos ancestrais imprimiram na cultura humana a ideia de que a própria vida se renova a cada ano. E festejar essas renovações era fundamental para que continuássemos vivos.

Olha só. O Ano-Novo é uma das festas para marcar o auge do frio no hemisfério norte – a outra é o Natal. Na ausência de um instinto biológico tão forte quanto o das formigas para acumular comida para o inverno, a sensação de que um evento super importante estava para acontecer bem no meio da estação fria fazia nossos ancestrais agir exatamente como elas, economizando para ter banquetes na época de fome.

Cada geração transmitiu para suas crianças que aquele era o momento mais especial do ano. Era mesmo. E ainda é. Trata-se do momento em que comemoramos a sobrevivência da espécie humana. Pelo menos até a próxima grande crise chegar. Ou será que ela já chegou?

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