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A Igreja Batista contra o vício

Conheça o Cristolândia, o projeto da Igreja Batista para ajudar dependentes químicos.

Por Luis Felipe dos Santos
Atualizado em 9 set 2019, 16h49 - Publicado em 15 set 2017, 15h19

Tiago Ideal Nogueira perdeu a mãe aos 12 anos de idade, vítima do HIV. O irmão de 3 anos também morreu com aids. O tio foi morador de rua e não resistiu. Quando Tiago tinha 20 anos, a avó, que cuidava dele, teve um câncer fatal. O jovem tentava apagar as tragédias com álcool e, aos 21 anos, começou no crack. Até os 30 viveu a rotina da pedra e, por dois anos, morou na rua. Até que em 2012 teve um sonho com a avó, no qual ela tomava um refrigerante, mas não conseguia pagar a bebida. O delírio meio nonsense acordou Tiago aos prantos, mas a sensação de desespero da vó foi suficiente para convencê-lo a mudar de vida. Ele bateu na porta da Cristolândia, em São Paulo.

O projeto é uma iniciativa da Junta das Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, uma agência que congrega as ações sociais das igrejas batistas por aqui. A iniciativa busca resgatar dependentes químicos das ruas oferecendo banho, alimentação e, claro, pregação. “A demanda era muito grande”, diz o idealizador do projeto e coordenador das Cristolândias de São Paulo, o pastor Humberto Machado.

Os pastores batistas perceberam que muitos dependentes químicos queriam largar a rotina vulnerável, mas não tinham condições de pagar por clínicas ou procurar a rede pública. Por isso, abriram Centros de Formação Cristã para receber os dependentes. O programa cresceu: hoje são 37 centros de formação espalhados em sete Estados brasileiros. Machado tem 58 anos e foi dependente químico. Começou a usar drogas aos 12 anos. “Na minha época não existia o crack, mas tudo que tinha no meu tempo eu usei”, afirma Machado. Aos 27, se converteu à Igreja Batista e passou a trabalhar com a ressocialização de presos na sua cidade natal, Salvador, e depois no Espírito Santo.

Quando um dependente químico é recolhido das ruas, ele passa por uma ação chamada pelos missionários de serviço de “redução de danos”, na qual recebe alimentação e higiene. Caso as pessoas queiram continuar com o tratamento, passam por uma triagem – que pode durar até 30 dias – e são encaminhadas para os centros de formação cristã. O programa tem três objetivos: resgatar a espiritualidade, ressocializar e preparar para o trabalho.

Depois de procurar a Cristolândia, Tiago Nogueira, que era grafiteiro, começou a cantar rap nas igrejas. Lançou um álbum próprio, assinado como Divinamente Rap. Passou um ano como missionário voluntário e, hoje, está no 2º semestre do curso de Direito. “Quero ser advogado na Cracolândia. Lá, acontece crime a céu aberto, e o Estado nada faz. Com a droga, a pessoa fica manipulável. A minha ideia é defender os direitos dessas pessoas”, afirma.

A rotina nos centros começa às 7h e vai até as 22h, com silêncio total à noite. Durante o dia, os internos estudam a Bíblia e trabalham, além de receber refeições e participar dos cultos. Os internos também desenvolvem competências para que possam procurar emprego. O projeto vive de doações, de voluntários, missionários e com apoio do programa Radical Brasil – uma espécie de “alistamento” de jovens formados nas igrejas batistas. Esse programa recruta pessoas acima de 18 anos para o voluntariado na Cristolândia, nas comunidades ribeirinhas da Amazônia ou no sertão nordestino para pregar por um ano (na Cristolândia) ou dois anos (na Amazônia e no Nordeste).

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Durante o treinamento, os “radicais” aprendem fundamentos de saúde, sobrevivência, higiene, antropologia, serviço social e muitos estudos bíblicos. “As igrejas têm que parar de viver um Evangelho morto, que não traz caridade, com pastores que vivem nos seus gabinetes, fazendo sermões e trancando o espírito de Deus. A Igreja de Cristo tem que sair para fora”, afirma o pastor Humberto. “Se as Igrejas abrissem a porta, acabaria o povo de rua”, conclui.

Hoje, a Cristolândia atende 1.043 pessoas em reabilitação e outras 10,5 mil já foram encaminhadas para serviços da rede pública. O método, no entanto, é criticado por criar uma “bolha”. “Nas comunidades, os dependentes químicos vivem em uma situação de isolamento. Nem sempre o que funciona lá vai funcionar quando eles retornarem para suas casas, já que o tratamento ocorre sem conexão com o espaço desencadeador de onde se dá a situação de abuso de drogas”, diz a doutora em psicologia Andrea Scisleski, da Universidade Católica Dom Bosco, que estudou comunidades terapêuticas. Mas, para o pastor, a convivência com os usuários e o carinho levam ao fim da dependência química: “Para tirar alguém do buraco temos que nos relacionar com eles, nos envolver. Esse povo precisa de amor, carinho, respeito. Não temos que ser carrascos de ninguém, temos que amar as pessoas”, afirma.

Origens

A Igreja Batista tem várias origens com um propósito em comum: o batismo com consciência, ou seja, a escolha voluntária de seguir Jesus Cristo.

No século 17, refugiados ingleses construíram em Amsterdã uma dissidência da Igreja Anglicana, liderados pelo clérigo John Smyth e pelo advogado Thomas Helwys. Essa dissidência, também idealizada pela necessidade do “batismo com consciência”, adotou o ritual do batismo por imersão na Convenção de Londres em 1644. A diferença desse batismo para o adotado pelos católicos e pelos anglicanos é que ele não “salva” ou “regenera” as pessoas: é um ponto de partida para que as pessoas pratiquem a sua fé na vida cotidiana. Um renascimento.

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No Brasil, a origem da Igreja Batista está na emigração de pastores americanos fugidos da Guerra de Secessão no século 19. Em 1870, o pastor batista Richard Ratcliff assinou o Manifesto pela Evangelização do Brasil e, no ano seguinte, criou uma Igreja em Santa Barbara d¿Oeste, em São Paulo. O grupo se expandiu em São Paulo e no Nordeste a partir da conversão do sacerdote católico Antônio Teixeira de Albuquerque. Em 1907, a Convenção Batista Brasileira, que organiza as Missões Nacionais, foi fundada em Salvador. De acordo com o censo de 2010, 3,7 milhões de brasileiros se declaram batistas, e existem cerca de 6 mil igrejas no Brasil.

A política da convenção tem quatro pilares: praticar o Novo Testamento, permitir aos indivíduos que encontrem Deus, exigir a cooperação mútua entre as igrejas e estabelecer um governo democrático, no qual pastores de todo o País decidem os rumos das igrejas batistas. Esse “governo democrático” faz com que os batistas lidem com controvérsias que resultam dos conflitos entre a autonomia das igrejas locais e o estabelecido pelas convenções da Ordem dos Pastores do Brasil.

Em 2016, a Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, aceitou homossexuais por meio da maioria absoluta de votos da congregação, mas a Convenção Batista Brasileira considerou que a adoção isolada da prática feria o princípio cooperativista das igrejas – a posição da CBB é condenar a homofobia e, ao mesmo tempo, considerar a prática homossexual “biblicamente pecaminosa”. Em 2007, uma assembleia da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil vedou o ingresso de pastoras mulheres, mas em janeiro de 2014 a proibição caiu.

 

Renascimento para todos

Além da Cristolândia, as Missões Nacionais da Igreja Batista coordenam diversos projetos sociais no Brasil.

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Cristolândia Criança

Promove ações para recuperar crianças em situação de dependência química. O projeto começou em 2015, a partir de uma parceria com a Justiça Estadual de São Paulo. As crianças encaminhadas para medidas de acolhimento pelo Estado também são auxiliadas pelo Sistema de Convivência e Fortalecimento de Vínculos da Igreja.

Projeto Novos Sonhos

Aulas de balé, música, jiu-jitsu e futebol para crianças em situação de vulnerabilidade, além de cultos infantis na Cristolândia. O projeto foi iniciado com crianças na favela do Moinho, em São Paulo.

Movimento Nacional de Prevenção ao Uso de Drogas (Viver)

Trabalho nas Igrejas Batistas de todo o País para conscientizar jovens e adultos quanto ao perigo do uso de drogas.

Convivência Comunitária e Ressocialização

Atendimento a jovens infratores e egressos do sistema prisional em sete Estados do Brasil, por meio de cursos profissionalizantes, apoio espiritual e fortalecimento de vínculos sociais e familiares.

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Lares para crianças órfãs e abandonadas

Acolhimento de crianças em situação de risco, vulnerabilidade social e vínculos familiares rompidos ou fragilizados, encaminhadas pela Vara de Infância e Juventude. Os principais são o Lar Batista FF Soren, em Porto Nacional (Tocantins) e o Lar Batista David Gomes, em Barreiras (Bahia).

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