Como as queimadas no Pantanal comprometem a fauna da região
Áreas de conservação foram reduzidas drasticamente nas últimas semanas devido ao fogo. E a culpa não é só do clima seco: incêndios ilegais são comuns.
A região do Pantanal, que se estende pelos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no centro-oeste brasileiro, atravessa a temporada de queimadas mais intensa das últimas décadas. Dados reunidos pelo Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) apontam que uma área de 2,34 milhões de hectares – maior que estado de Sergipe – já foi consumida pelas chamas. Isso significa que 15% do bioma foi devastado pelo fogo.
Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o número de incêndios na região já é 210% maior que o do ano passado – e, ainda em agosto, se tornou maior que o volume dos últimos seis anos somados. Em 2020, foram pelo menos 14.489 focos, contra 4.660 em 2019.
Apesar da estiagem, que diminuiu drasticamente o volume dos rios e aumentou as temperaturas, boa parte desse total vem de queimadas ilegais, feitas por proprietários da região com o intuito de preparar o solo para plantio ou pastagem.
Foi o caso do incêndio que atingiu a Reserva Particular do Patrimônio Natural Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço (MT), a maior do país. Uma investigação do governo do estado do Mato Grosso comprovou que a queimada, que devastou um terço da área, foi intencional, motivada pela abertura de pastos para a criação de gado. A Polícia Federal acredita, também, que um incêndio que destruiu 25 mil hectares na região da Serra Amolar, no Mato Grosso do Sul, foi causado pela mesma prática.
A fiscalização dessas investidas de produtores locais contra o ambiente, no entanto, ficou mais frouxa: houve queda de 48% no número de multas ambientais relacionadas ao desmatamento ou queimadas na região em 2020, em comparação ao ano passado.
Quando incêndios avançam pela vegetação nativa ou áreas de conservação, o resultado são prejuízos enormes a biodiversidade. Considerada a maior área úmida continental do mundo, o Pantanal é a casa de 4.700 espécies diferentes, entre animais e plantas. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, lá vivem pelo menos 582 aves, 132 mamíferos, 113 répteis e 41 anfíbios. Nessa, estão animais-símbolo da biodiversidade brasileira, como jaguatiricas, lobos-guará e onças-pintadas, que estão ameaçados de extinção.
Imagens de uma onça com queimaduras de segundo grau nas patas e sintomas de desidratação circularam pelas redes sociais nos últimos dias. Batizado “Ousado”, o macho de onça foi resgatado de helicóptero pela Marinha do Brasil do Parque Estadual Encontro das Águas, e transferido para uma ONG em Goiás.
A região do Parque Estadual Encontro das Águas, que tem 108 mil hectares e reúne a maior concentração de onças-pintadas do mundo, foi uma das que mais sofreu com o fogo. Uma análise feita pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com base em imagens de satélite estimou que os incêndios consumiram 85% dessa área de reserva, que fica na região de Poconé, no Mato Grosso.
Outra área de reserva a sofrer danos pelos incêndios foi a Fazenda São Francisco do Perigara, localizada em Barão de Melgaço (MT). Refúgio onde vivem 15% das araras-azuis encontradas na natureza, o local perdeu 92% dos seus 24.993 hectares.
Como mostrou esta reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, espécies mais abundantes também não passaram imunes pelas chamas. É possível contar dezenas de serpentes carbonizadas às margens da rodovia Transpantaneira, que corta a região.
“Vimos muitos animais mortos, principalmente répteis, serpentes, jacarés. Vimos muitos cervos mortos, antas mortas, macacos mortos, quatis mortos”, disse o veterinário Jorge Salomão Jr., que participou dos esforços para retirada de animais de áreas comprometidas pelas queimadas, em entrevista ao G1.
Não existe uma estimativa de quantos bichos já morreram ou foram afetados pelas chamas. Isso porque a resposta de cada espécie aos efeitos das queimadas é diferente, e depende da concentração de indivíduos nas áreas atingidas.
O fato é que, mesmo após os incêndios serem controlados, a devastação vai demorar pra ser superada. A vegetação atingida pelo fogo vai diminuir a oferta de alimento, e com os níveis dos rios baixos, a o acesso a água também deve ser menor. Especialistas estimam que serão necessários até 30 anos para que a fauna da região volte à normalidade.